Info 1146 do STF – Primeira audiência para pedir pensão alimentícia dispensa presença de advogado – ADPF 591 – Análise Jurídica

Info 1146 do STF – Primeira audiência para pedir pensão alimentícia dispensa presença de advogado – ADPF 591 – Análise Jurídica

Introdução

O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 591, julgou constitucional dispositivo da Lei 5.478/1968 que permite ao credor de alimentos comparecer pessoalmente à primeira audiência, sem a necessidade de assistência de advogado.

A decisão, tomada por maioria no Plenário virtual encerrado em 16/08/2024, mantém a validade do art. 2º, caput e §3º da referida lei.

Assim, vamos entender melhor essa decisão polêmica que a OAB tem se mostrado contrária.

É importante compreendermos, então, a razão do entendimento do STF a partir do voto do Ministro Relator.

Contexto e argumentos das partes

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou a ADPF 591 questionando a constitucionalidade dos dispositivos que dispensam a presença de advogado na audiência inicial da ação de alimentos.

A OAB argumentou que tal dispensa violaria princípios constitucionais como isonomia, devido processo legal, ampla defesa, contraditório e direito à defesa técnica.

Fundamentos da decisão do STF

O relator, Ministro Cristiano Zanin, em seu voto condutor, apresentou os seguintes fundamentos principais:

Preservação da integridade do alimentando

Dispensa

A dispensa de advogado no momento inicial da ação de alimentos visa preservar a integridade do alimentando, sendo uma medida de natureza cautelar.

Este fundamento se baseia no princípio da proteção integral, especialmente relevante quando o alimentando é menor de idade ou vulnerável.

O art. 227 da Constituição Federal estabelece:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

Portanto, este dispositivo constitucional reforça a necessidade de mecanismos que garantam o acesso rápido e efetivo à prestação alimentícia.

Etapa prévia à constituição da lide

O ministro ressaltou que se trata de etapa prévia à constituição da lide, justificada pela urgência da pretensão alimentar.

Esta caracterização é importante porque, neste momento inicial, não há ainda um conflito formal estabelecido, mas sim uma busca por proteção imediata.

O art. 4º da Lei 5.478/1968 (Lei de Alimentos) corrobora esta urgência:

"Ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita."

Ademais, esta provisão legal demonstra a preocupação do legislador em garantir uma resposta rápida às necessidades do alimentando.

Caráter não absoluto da representação por advogado

O STF já reconheceu em outras ocasiões o caráter não absoluto da representação por advogado em procedimentos especiais previstos em lei.

Nesse sentido, o ministro citou como precedente a ADI 1539, que tratou da constitucionalidade do art. 9º da Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais), que dispensa a presença de advogado em causas de até 20 salários mínimos.

Naquela ocasião, o STF entendeu que:

“Não é absoluta a assistência do profissional da advocacia em juízo, podendo a lei prever situações em que é prescindível a indicação de advogado, dados os princípios da oralidade e da informalidade adotados pela norma para tornar mais célere e menos oneroso o acesso à justiça.”

(ADI 1539, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 05/12/2003)

Perceba, este entendimento foi reafirmado na ADI 3168, que tratou da constitucionalidade de dispositivo semelhante na Lei dos Juizados Especiais Federais.

Rito especial e acesso à Justiça

A instituição de um rito especial para ação de alimentos reflete a necessidade de garantir o acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF) e concretizar o direito constitucional a alimentos. Desse modo, art. 5º, XXXV da CF estabelece:

"A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."

Ao mesmo tempo, este princípio constitucional do acesso à justiça é reforçado pelo art. 3º do Código de Processo Civil:

"Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito."

O rito especial da ação de alimentos, ao dispensar a presença inicial de advogado, busca remover possíveis barreiras ao acesso à justiça, especialmente em situações de urgência.

Fundamento constitucional do direito a alimentos

O direito a alimentos tem assento constitucional, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e no direito à vida (art. 5º, caput, CF). Assim, o art. 1º, III da CF estabelece:

"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;"

Em seguida, o art. 5º, caput, assegura:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

A jurisprudência do STF tem reiteradamente reconhecido a relação intrínseca entre o direito a alimentos e estes princípios constitucionais fundamentais.

Designação posterior de advogado

Após a audiência inicial, o próprio juiz designará advogado para assistir o alimentando, caso este não tenha constituído um.

Este ponto é crucial para garantir que, após o momento inicial de urgência, o alimentando tenha acesso à defesa técnica adequada.

O § 3º do art. 2º da Lei 5.478/1968 prevê:

"Se o credor comparecer pessoalmente e não indicar profissional que haja concordado em assisti-lo, o juiz designará desde logo quem o deva fazer."

Em resumo, esta disposição busca equilibrar a necessidade de acesso imediato à justiça com a garantia de defesa técnica ao longo do processo.

Análise crítica

A decisão do STF privilegia o acesso à justiça e a celeridade processual em um tema sensível como o direito a alimentos.

Contudo, levanta questões importantes sobre o papel da advocacia e a efetividade da defesa técnica.

Então, podemos destacar alguns pontos:

Pontos positivos:

  1. Facilita o acesso imediato à justiça para pessoas em situação de vulnerabilidade.
  2. Reconhece a urgência inerente às demandas alimentares.
  3. Mantém a coerência com precedentes que flexibilizam a obrigatoriedade de advogado em certos procedimentos especiais.

Pontos controversos:

  1. Pode resultar em desequilíbrio processual se apenas uma das partes estiver assistida por advogado.
  2. Risco de o alimentando não compreender plenamente as implicações jurídicas de suas declarações iniciais.
  3. Possível comprometimento da qualidade técnica da postulação inicial.

Posicionamento da OAB

A OAB manifestou-se contrariamente à decisão do STF, anunciando que irá apresentar um projeto de lei ao Congresso Nacional para assegurar a indispensabilidade da advocacia nos processos de pensão alimentícia. Assim, a entidade argumenta que:

A dispensa do advogado afronta princípios constitucionais essenciais.

A presença de advogado é imprescindível para garantir um acompanhamento adequado e defesa eficaz em casos delicados como os de pensão alimentícia.

O artigo 133 da Constituição estabelece a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça.

Conclusão

Portanto, para fins de prova, grave:

É compatível com a Constituição Federal de 1988 a norma da Lei nº 5.478/1968 que dispensa a assistência de advogado na audiência inicial do procedimento especial da ação de alimentos.”

ADPF 591/DF, relator Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado em 16.08.2024

A decisão do STF na ADPF 591 representa um importante precedente sobre a relativização da obrigatoriedade de assistência jurídica em procedimentos especiais.

Por isso, o tema provavelmente continuará em discussão, especialmente diante da iniciativa da OAB de buscar uma solução legislativa. Caberá ao Congresso Nacional, caso provocado, ponderar entre os princípios do acesso à justiça e da ampla defesa técnica, buscando um equilíbrio que atenda aos interesses dos jurisdicionados sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional.


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