STF suspende processos em todo o país sobre licitude de contratos de prestação de serviços

STF suspende processos em todo o país sobre licitude de contratos de prestação de serviços

*Juliana Ferreira de Morais – Juíza do Trabalho do TRT2ª Região, Doutoranda e mestre em Direito do Trabalho e Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

A crescente adoção de modelos contratuais alternativos à relação formal de emprego, como a contratação por meio de pessoa jurídica ou como trabalhador autônomo — prática amplamente conhecida como pejotização — tem gerado acirrados debates jurídicos e um expressivo volume de ações trabalhistas.

Pejotização:
Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu intervir: por determinação do ministro Gilmar Mendes, foi suspenso, em âmbito nacional, o trâmite de todos os processos que discutem a licitude desse tipo de contratação.

Proferiu-se a decisão no bojo do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603, que teve repercussão geral reconhecida sob o Tema 1389.

A controvérsia ora em análise vai além da legalidade dos contratos de pejotização. Ela abrange também a competência da Justiça do Trabalho para julgar alegações de fraude na contratação e a definição do ônus da prova nesses casos. Segundo destacou o relator, “é fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial”1.

Ao justificar a suspensão nacional, o ministro Gilmar Mendes salientou que o descumprimento reiterado das teses já firmadas pelo STF sobre terceirização e divisão do trabalho tem gerado insegurança jurídica, transformando a Suprema Corte, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas. A decisão do STF inaugura, portanto, um novo capítulo no tratamento jurídico da pejotização e dos contratos de prestação de serviços autônomos, com relevantes implicações para empregadores, trabalhadores e o próprio sistema de Justiça.

Requisitos da relação de emprego

De acordo com o artigo 3º da CLT, a relação de emprego caracteriza-se pela presença de quatro elementos essenciais: pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação. Vamos detalhar cada um desses requisitos:

  1. Pessoalidade: a prestação de serviços deve ser pessoal, significando que o trabalhador não pode se fazer substituir por outra pessoa. Isso indica que a execução do trabalho depende exclusivamente da figura do trabalhador, sendo um aspecto fundamental para distinguir a relação de emprego de outras modalidades de trabalho, como a prestação de serviços autônoma.
  2. Onerosidade: este requisito indica que há pagamento de salário como contraprestação pelo trabalho realizado, caracterizando um vínculo econômico entre as partes. A onerosidade distingue o empregado de um trabalhador voluntário, que não recebe remuneração pelo trabalho executado.
  3. Não-eventualidade: os serviços são prestados de forma não eventual e não esporádica, evidenciando a regularidade na execução das tarefas. Mesmo que se realize o trabalho em apenas um dia por semana, pode ser suficiente para caracterizar a não-eventualidade da prestação de serviços, conforme a CLT.
  4. Subordinação: considerado o elemento central da relação de emprego, a subordinação refere-se ao estado de subordinação jurídica do trabalhador em relação ao empregador, acatando suas diretrizes específicas quanto à forma de prestação de serviços. O empregador, ao assumir os riscos da atividade econômica, detém o poder diretivo, disciplinar e fiscalizador, estabelecendo um vínculo hierárquico com o empregado.

Por outro lado, o art. 2º da CLT, ao conceituar a figura do empregador, acrescenta o quinto elemento fático-jurídico da relação empregatícia: trabalho prestado por pessoa física.

Fraude à relação laboral e o Princípio da Primazia da Realidade

De acordo com os arts. 2º e 3º da CLT, exige-se o preenchimento simultâneo dos elementos da relação empregatícia para que esta seja reconhecida. Caso algum desses elementos esteja ausente, não haverá reconhecimento do vínculo empregatício.

Todavia, com o objetivo de reduzir encargos trabalhistas, tem sido comum a adoção de formas contratuais que simulam autonomia. Exemplos disso são a pejotização, contratos de prestação de serviços com autônomos, parcerias e franquias. Dessa forma, mesmo diante da presença dos requisitos da relação de emprego, transfere-se a prestação de serviços para o campo civil ou comercial, gerando controvérsias quanto à licitude desses vínculos e à ocorrência de fraude.

Diante dessas práticas, a Justiça do Trabalho, amparada pelo princípio da primazia da realidade, tem reconhecido o vínculo empregatício sempre que demonstrada a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, com base no art. 9º da CLT, que dispõe:

"Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."

É nesse cenário que se insere o debate trazido pelo Tema 1389 do STF. Ele trata da competência da Justiça do Trabalho para analisar essas controvérsias, e visa definir, ainda, quem deve suportar o ônus da prova quando há alegação de fraude contratual.

Pejotização e decisões recentes do STF em Reclamações Constitucionais

Como visto, a Justiça do Trabalho, com base no princípio da primazia da realidade, tem reiteradamente reconhecido o vínculo empregatício nas situações de contratação de pessoa jurídica em fraude aos preceitos trabalhistas (art. 9º da CLT).

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), no RE 958252 fixou a tese de repercussão geral, constante do tema 725:  

Tese: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.

Embora o RE 958252 (leading case do Tema 725) tenha tratado especificamente da licitude da terceirização para a atividade-fim, a tese nele fixada — no sentido de que é válida “qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas” — passou a ser invocada em uma variedade de casos envolvendo contratos civis e comerciais de prestação de serviços, inclusive a chamada pejotização.

Essa ampliação interpretativa reacendeu o debate sobre os limites entre a liberdade de contratar e a fraude à relação de emprego. Isso acabou provocando uma série de Reclamações Constitucionais no STF, sobretudo contra decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculo empregatício mesmo diante de contratos de natureza civil.

Suspensão dos processos no Tema 1389

Diante desse cenário, no ARE 1532603, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da controvérsia envolvendo três aspectos centrais:

(i) a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações que discutem a existência de fraude em contratos civis ou comerciais de prestação de serviços; (ii) a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade; e (iii) a definição de quem deve arcar com o ônus da prova nessas situações.

A matéria passou a compor o Tema 1389 da sistemática da repercussão geral. Assim, com base no art. 1.035, § 5º, do CPC, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos em curso que versem sobre a questão até o julgamento definitivo pelo Plenário.

A medida, segundo o relator, visa conter o crescente número de reclamações constitucionais originadas por decisões da Justiça do Trabalho que, em variados graus, deixam de aplicar a orientação do STF sobre a liberdade de organização produtiva e divisão contratual do trabalho. A suspensão busca, assim, preservar a segurança jurídica, uniformizar o entendimento constitucional e evitar a sobrecarga do STF, que tem sido chamado a revisar reiteradamente decisões trabalhistas sobre o tema.

Trata-se de controvérsia que produz impacto direto em setores como advocacia associada, corretagem de imóveis, tecnologia da informação, saúde, logística e arte. Todos eles têm práticas frequentes de contratação via pessoa jurídica ou vínculos autônomos.

Nos próximos meses, os olhos do mundo jurídico estarão voltados ao Supremo. A decisão a se tomar no Tema 1389 vai além de definir a licitude da pejotização. Isto é, ela tem o potencial de redesenhar os limites entre o Direito do Trabalho e o Direito Civil e de impactar diretamente a competência da Justiça do Trabalho em um tema que, até aqui, tem sido seu campo natural de atuação.

Para os concurseiros, fica o recado: esse é um tema quente, que mistura CLT, Constituição e precedentes do STF. Pode (e deve!) aparecer nas próximas provas — tanto objetivas quanto discursivas. Vale a pena acompanhar de perto!


  1. Disponível em <https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-suspende-processos-em-todo-o-pais-sobre-licitude-de-contratos-de-prestacao-de-servicos/>. Acesso em 21/04/2025. ↩︎

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