Pagamento de emendas parlamentares é liberado pelo STF. Mas agora com regras mais claras.

Pagamento de emendas parlamentares é liberado pelo STF. Mas agora com regras mais claras.

*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.

Entenda o caso

Em dezembro de 2022, ao julgar o mérito da ADPF 854, a Corte declarou inconstitucional todas as práticas orçamentárias viabilizadoras do chamado “orçamento secreto”.

Assim, vejamos trecho relevante do acórdão:

"5. O elevado coeficiente de discricionariedade existente na definição dos programas e ações estatais, assim como na escolha dos gastos necessários a sua execução, acentua ainda mais o ônus pertencente aos Poderes Públicos de observarem o dever de transparência na execução do orçamento e a obrigatoriedade da divulgação de informações completas, precisas, claras e sinceras quanto ao seu conteúdo, de modo a viabilizar a atuação efetiva e oportuna dos órgãos de controle administrativo interno, dos órgãos de fiscalização externa (Ministério Público, Tribunais de Contas e Poder Judiciário) e da vigilância social exercida pelas entidades da sociedade civil e pelos cidadãos em geral..."

Após o trânsito em julgado da ADPF 854, um amici curiae apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) elementos indicadores da persistência do descumprimento da decisão de mérito, em razão da alta opacidade e do baixo controle da execução das emendas parlamentares.

Diante do cenário de descumprimento da decisão proferida pelo STF, proferiram-se algumas decisões (na ADPF 854 e ações conexas). Elas podem ser sumarizadas da seguinte forma:

“16. ... II) que, doravante, a execução da RP 8 e dos "restos a pagar" referentes às emendas RP 9 ("emendas de relator") somente sejam pagos pelo Poder Executivo mediante prévia e total transparência e rastreabilidade.” (e-doc. 482 da ADPF 854)
3. Decisão liminar obriga a existência prévia de planos de trabalho, com o registro em plataforma eletrônica sobre a destinação e aplicação de parcela muito expressiva do Orçamento da União. No mesmo sentido de obediência à Constituição Federal, a decisão liminar dispõe sobre a incidência plena dos controles externo e interno constantes dos artigos 70, 71 e 74 da Carta Magna. 4. Tutela liminar deferida não é impeditiva de realização de transferências especiais (“emendas PIX”), desde que observados os trilhos constantes da Constituição Federal. 5. Medida cautelar referendada.” (e-doc. 49 da ADI 7688)
Tutela liminar deferida que não impede a realização de transferência especiais (“emendas PIX”), desde que observados os trilhos constantes da Constituição Federal. Medida cautelar referendada.” (e-doc. 32 da ADI 7695)
Probabilidade do direito verificada a partir da necessidade do estabelecimento de procedimento de verificação do atendimento dos critérios de ordem técnica para a execução das emendas impositivas, à luz da Constituição Federal, normas legais e regulamentares. Perigo na demora decorrente do fato de que as normas orçamentárias já em vigor exprimem um expressivo quantitativo de emendas parlamentares de execução impositiva. 4. Não é compatível com a Constituição Federal a execução de emendas ao orçamento que não obedeçam a critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade, de modo que fica impedida qualquer interpretação que confira caráter absoluto à impositividade de emendas parlamentares.

(...)

7. Sustada a execução de emendas impositivas até que os poderes Legislativo e Executivo, em diálogo institucional, regulem os novos procedimentos conforme a presente decisão, sem prejuízo de obras efetivamente já iniciadas e em andamento, conforme atestado pelos órgãos administrativos competentes, ou de ações para atendimento de calamidade pública formalmente declarada e reconhecida. 8. Medida cautelar referendada.” (e-doc. 32 da ADI 7697)

Em decisão proferida no dia 02 de dezembro de 2024, o relator do caso no Supremo, ministro Flávio Dino determinou que se retomasse o pagamento de emendas parlamentares. Ele estabeleceu, no entanto, diversas regras de transparência e o modo de fazer as destinações.

Os demais ministros do Supremo analisarão a decisão monocrática do ministro Flávio Dino em julgamento no Plenário Virtual para referendo ou alteração da decisão.

Análise Jurídica

Na sistemática constitucional brasileira, a competência para elaborar o projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) é do Poder Executivo. Mas cabe ao Presidente da República a iniciativa legislativa para deflagar o processo legislativo referente à LOA.

Emendas parlamentares

Após o envio para o Poder Legislativo, o projeto de orçamento consolidado será objeto de análise conjunta das duas casas que compõe o Congresso Nacional. Deve-se fazer a apreciação na forma do Regimento Comum do Congresso Nacional.

Durante a tramitação dos projetos das leis orçamentárias é possível que o Poder Legislativo apresente emendas parlamentares para alteração do projeto das leis orçamentárias em discussão. Essa possibilidade reforça o caráter democrático que se busca emprestar à elaboração das leis orçamentárias, aumentando a legitimidade das leis aprovadas pelo Parlamento.

A apresentação das emendas será na Comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional.

Requisitos

As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem sofrem algumas restrições. A Constituição prevê os requisitos formais e materiais para sua aprovação.

Restrições para emenda parlamentar ao PLOA
  Âmbito MaterialAs emendas devem: (i) ser compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias e (ii) indicar os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre  dotações para pessoal e seus encargos; serviço da dívida; transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal.
 Âmbito FormalSó podem ser aceitar emendas relacionadas com (i) correção de erros ou omissões ou (ii) os dispositivos do texto do projeto de lei.

De acordo com o artigo 166, §3º da CF/88 os requisitos materiais são cumulativos e o requisito formal é autônomo. Ou seja, para obter a aprovação, a emenda parlamentar deve:

Ser compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias  EIndicar os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre  dotações para pessoal e seus encargos; serviço da dívida; transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal

OU

Ser relacionadas com (i) correção de erros ou omissões ou (ii) os dispositivos do texto do projeto de lei.

A Constituição Federal de 1988 traz, também, as emendas parlamentares individuais e as de bancada, sendo ambas marcadas pela impositividade. Ou seja, o Poder Executivo deve, obrigatoriamente, executá-las com a liberação dos valores previstos nas emendas.

Tipos de emendas

As emendas parlamentares individuais estão previstas no §9º do artigo 166 da CF/88, que determina que serão aprovadas no limite de 2% (dois por cento) da receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto, observado que a metade desse percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.
As emendas de bancada estão previstas no §12 do artigo 166, sendo garantida a execução das emendas de iniciativa de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal, no montante de até 1% (um por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior.

As emendas individuais impositivas apresentadas ao projeto de lei orçamentária anual poderão alocar recursos a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios das seguintes formas:

  • Transferência especial; ou
  • Transferência com finalidade definida.

As transferências especiais, previstas no artigo 166-A da CF/88 e detalhado em seu §2º são conhecidas por “emendas pix”, dadas as seguintes características:

  • Terão repasses diretos ao ente federado beneficiado, independentemente de celebração de convênio ou de instrumento congênere;
  • Pertencerão ao ente federado no ato da efetiva transferência financeira.
Ou seja, tais emendas foram duramente questionadas por possuírem rastreabilidade dificultada, tendo a grave situação de que bilhões do Orçamento da Nação tiveram origem e destino incertos e não sabidos, na medida em que tais informações, até o momento, estão indisponíveis no Portal da Transparência ou instrumentos equivalentes (afirmou o Ministro relator).

Condições

Como uma das condições impostas pelo Poder Judiciário, em legítimo debate interinstitucional com os Poderes para a retomada da execução das emendas parlamentares ao orçamento, há a existência de instrumento legislativo para regular as emendas. Então, em 25 de novembro de 2024, houve a publicação da Lei Complementar nº 210 que dispõe sobre a proposição e a execução de emendas parlamentares na lei orçamentária anual.

Por fim, na decisão proferida pelo Ministro Flávio Dino, na ADPF 854, que liberou o pagamento das emendas parlamentares ao projeto de Lei Orçamentária Anual, houve a imposição de algumas condições. Elas podem ser sumarizadas da seguinte forma:

 Emendas Pix É possível a realização do pagamento, desde que seja elaborado e apresentado plano de trabalho prévio para as emendas apresentadas a partir do ano que vem.No caso foram tratadas as emendas anteriores à decisão, sendo aberto prazo de 60 dias para a apresentação do plano.
Emendas de bancada São as emendas destinadas a obras e projetos de grande vulto. Elas não poderão ser fragmentadas, sendo que a destinação deverá ser feita em conjunto pelos congressistas.
Emendas de relatorTrata-se das emendas conhecidas como “orçamento secreto”, elas poderá ser liberadas desde que haja identificação do congressista que as indicou, cabendo ao Poder Executivo aferir a transparência e liberar o pagamento caso a caso.
Emendas destinadas a saúdeImposta a condição de necessária aprovação nas comissões bipartite e tripartite do Sistema Único de Saúde.
Emendas destinadas a ONGsEssas emendas só poderão ser liberadas quando as Organizações não governamentais e entidades do terceiro setor publicarem na internet, com total transparência, os valores oriundos de emendas parlamentares.

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