Megaoperação policial no Rio à luz da ADPF nas favelas

Megaoperação policial no Rio à luz da ADPF nas favelas

Entenda o impacto da megaoperação policial no Rio sob a ótica da ADPF das favelas e o que isso revela sobre segurança pública e direitos humanos.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Megaoperação policial

Megaoperação contra o CV

O governo do estado do Rio de Janeiro conduziu uma grande operação policial contra o avanço territorial do Comando Vermelho na cidade do Rio.

A operação policial deflagrada foi antecedida por uma investigação que durou mais de um ano.

Essa investigação identificou 94 bandidos do Comando Vermelho que estariam escondidos nos complexos do Alemão e da Penha. Acusados de assassinatos, tráfico de drogas, roubos de carros, entre outros crimes, que, segundo a polícia, usam o local para se esconder.

Após um intenso confronto que mais parecia uma zona de guerra, o saldo parcial é de pelo menos 128 mortos, além da apreensão de drogas, armas, munição e veículos.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, atribuiu o crescimento do Comando Vermelho à ADPF 635 (ADPF das Favelas), que restringe operações policiais em comunidades do Rio:

“Depois de cinco anos de ADPF, muitas barricadas, muita dificuldade para polícia entrar. Ainda assim, é o que nós chamamos de filhotes dessa DPF maldita”

O governador do Rio também reclamou que não foi atendido em um pedido feito às Forças Armadas para usar os blindados em outras ações no Rio de Janeiro:

“Infelizmente, dessa vez, como ao longo desse mandato inteiro, não temos o auxílio nem de blindados, nem de nenhum agente das forças federais, nem de segurança, nem de defesa. Para uma guerra dessa, que nada tem a ver com a segurança urbana, realmente nós deveríamos ter um apoio muito maior. Talvez, até mesmo, nesse momento, até de Forças Armadas, porque essa é uma luta que já extrapolou toda ideia de segurança pública. Por isso, essa integração é tão importante. Isso aqui não é uma briga política. Na verdade, é um clamor por ajuda. As forças de segurança do Rio de Janeiro estão sozinhas”

Análise Jurídica

Vamos analisar essa operação policial à luz da ADPF das Favelas, já que o tema tem grande probabilidade de ser cobrado em provas, principalmente da Defensoria Pública e do Ministério Público.

ADPF das Favelas

A ADPF nº 635, também denominada “ADPF das Favelas”, discute medidas para reduzir a letalidade policial nas operações em comunidades do estado do Rio de Janeiro.

Em que pese o Supremo não ter reconhecido um estado de coisas inconstitucionais na segurança pública do estado, homologou parcialmente, em um processo estrutural, por meio de uma decisão “per curiam”, um plano do Estado do Rio de Janeiro para reduzir letalidade policial, retomar áreas ocupadas por organizações criminosas e permitir investigação pela polícia federal sobre crimes e violações de direitos humanos.

Processo estrutural

Processo estrutural é um tipo de ação judicial, complexa, que busca modificar uma realidade institucional, pública ou privada, em que há uma violação persistente de direitos fundamentais, não passível de solução por meio de ações judiciais tradicionais. Seu objetivo é reorganizar a estrutura e a gestão de órgãos públicos ou entidades, muitas vezes através de um plano de ação e negociação, em vez de uma única decisão que encerra o caso.

Decisão per curiam

É o voto conjunto, refletindo uma posição consensual entre os ministros da Suprema Corte. Esse voto conjunto é simbólico, demonstrando o compromisso do STF com os direitos humanos e a segurança pública.

Segundo o relator da ADPF, “o objetivo desta Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é a promoção do cumprimento de decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos mediante elaboração de um plano para a redução da letalidade policial”.

Importante destacar que, na ADPF das Favelas, o STF não reconheceu um Estado de Coisas Inconstitucional, mesmo diante do grave quadro na segurança pública do Rio de Janeiro.

Estado de Coisas Inconstitucional: O estado de coisas inconstitucional (ECI) é uma técnica jurídica usada para enfrentar violações massivas, generalizadas e sistêmicas de direitos fundamentais, decorrentes de falhas estruturais e persistentes do Estado. Ele reconhece que o problema não é um ato isolado, mas uma realidade inconstitucional que exige transformações estruturais e a atuação conjunta dos poderes públicos

O ECI teve origem na Corte Constitucional da Colômbia, e o Brasil já o reconheceu no sistema carcerário (ADPF 347) e discute o tema em outros casos, como violência policial e população em situação de rua.

Ao final do julgamento da ADPF das Favelas, mesmo não se reconhecendo um estado de coisas inconstitucional na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, a Suprema Corte determinou uma série de medidas a serem tomadas. Vejamos:

a) COMUNICAÇÃO IMEDIATA AO MINISTÉRIO PÚBLICO: o Ministério Público estadual deverá ser imediatamente comunicado das ocorrências, para que, se entender cabível, determine o comparecimento de um Promotor de Justiça ao local dos fatos. Essa comunicação deverá ser regulamentada entre a Procuradoria Geral de Justiça e a Secretaria de Segurança Pública.

b) ATUAÇÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA: o Delegado de Polícia responsável deverá dirigir-se, imediatamente ao local da ocorrência, apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; e, desde logo, identificar e qualificar as testemunhas presenciais do fato.

c) ATUAÇÃO DA POLÍCIA TÉCNICA: a Superintendência da Polícia Técnico-Científica enviará, imediatamente, uma equipe especializada para comparecer ao local devidamente preservado, para a realização das necessárias perícias, liberação do local e remoção de cadáveres. Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime.

d) ATUAÇÃO DAS CORREGEDORIAS DAS POLÍCIAS: as Corregedorias da Polícia Civil e Militar deverão acompanhar as ocorrências que envolvam seus respectivos policiais, objetivando a coleta de dados e de informações visando instruir os respectivos procedimentos administrativos.

e) COLETA ADEQUADA DE DADOS EM CASO DE LETALIDADE POLICIAL: que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública adote as providências cabíveis junto ao Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (SINESP) para que sejam abertos os campos necessários viabilizando a inserção, por parte de todos os entes federados, dos dados desagregados sobre as mortes decorrentes de intervenção policial.

f) CÂMERAS NAS FARDAS: o Estado do Rio de Janeiro, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, comprove a implantação das câmeras nas viaturas policiais da Polícia Militar e da Polícia Civil, quando não estiver em atividades investigativas, e nas fardas ou uniformes dos agentes da Polícia Civil nas hipóteses pertinentes, com a publicação da respectiva regulamentação, abrangendo somente os casos em que a Polícia Civil do Estado realiza diligências ostensivas ou operações policiais planejadas, afastada a obrigatoriedade de uso de equipamentos de geolocalização e gravação audiovisual em atividades e diligências investigatórias desempenhadas pela Polícia Civil, exclusivamente no exercício da função de polícia judiciária, em virtude do potencial comprometimento do caráter sigiloso e eficiência dessas atividades e da segurança de policiais e testemunhas.

g) FINANCIAMENTO DAS MEDIDAS AQUI DETERMINADAS: em complemento à aplicação de recursos do orçamento estadual, fica autorizado o recebimento de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública pelo Estado do Rio de Janeiro por meio de convênio, contrato de repasse ou instrumento congênere para viabilizar o cumprimento da presente decisão, ainda que distinto seja o prazo de preservação das imagens em relação à regulamentação do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, até o encerramento dos contratos vigentes na data deste julgamento.

h) APRESENTAÇÃO DE PLANOS PARA A SEGURANÇA PÚBLICA: os repasses somente serão realizados com a apresentação e aprovação de planos associados aos programas específicos de segurança pública, dos quais constarão a contrapartida do ente federativo, segundo critérios e condições definidos, quando exigidos em ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública e deverão ser fiscalizados por órgão específico responsável pela gestão do fundo, sem prejuízo da fiscalização pelos respectivos Tribunais de Contas e do Ministério Público.

i) REOCUPAÇÃO TERRITORIAL DAS ÁREAS DOMINADAS POR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: determinar a elaboração de um plano de reocupação territorial de áreas sob domínio de organizações criminosas pelo Estado do Rio de Janeiro e pelos municípios interessados, observando os princípios do urbanismo social e com o escopo de viabilizar a presença do Poder Público de forma permanente, por meio da instalação de equipamentos públicos, políticas voltadas à juventude e a qualificação de serviços básicos, devendo o plano ter caráter operacional, com cronograma objetivo, contando com alocação obrigatória de recursos federais, estaduais e municipais, inclusive oriundos de emendas parlamentares impositivas.

j) PROPORCIONALIDADE DO USO DA FORÇA: em substituição ao parâmetro da excepcionalidade, aplicado durante a pandemia, determinar a observância da Lei 13.060, de 2014, declarada constitucional pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.243/DF, e seu regulamento, cabendo às próprias forças de segurança avaliar e definir o grau de força adequado a cada contexto, com controle a posteriori, observando a proporcionalidade das ações e preferencialmente com planejamento prévio das operações.

Chacina ou combate ao crime?

A discussão que toma conta da opinião pública quanto à operação policial no Rio de Janeiro é acerca da violação ou não dos direitos humanos.

Parte dos especialistas em segurança pública apontam essa operação policial como a maior chacina do estado do Rio de Janeiro, em virtude da quantidade de mortos, da desproporcionalidade da violência e da violação de direitos humanos.

Essa é a opinião do diretor do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania do Rio de Janeiro), Pablo Nunes:

“Megaoperação amplia a já longa lista de operações megaletais, que podemos até chamar de massacres”

Essa mesma opinião é compartilhada pelo Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o deputado Reimont, que classificou a operação policial no Rio de Janeiro como “a maior chacina da história do estado”.

A Defensoria Pública da União repudiou a megaoperação mais letal da história do Rio de Janeiro, afirmando que a decisão do STF que estabeleceu parâmetros para a atuação das forças de segurança pública em territórios vulneráveis determina que tais operações devem ser excepcionais, devidamente justificadas e planejadas para minimizar riscos à população civil.

“O descumprimento dessas diretrizes representa grave violação a preceitos fundamentais e compromete a efetividade do Estado Democrático de Direito”, disse a DPU em nota.

Do outro lado, estão os defensores da medida, que veem a operação como bem-sucedida, ante a neutralização de dezenas de criminosos, além da apreensão de armas, drogas, munições e veículos roubados.

Ressaltam, ainda, o longo planejamento da operação (mais de 1 ano), e o baixo número de inocentes mortos.

Para estes, a operação foi um duro golpe no Comando Vermelho, e defendem mais operações como essa, já que a sociedade não pode ficar à mercê da criminalidade organizada.

O tema, que é extremamente polêmico, tem tudo para ser cobrado em provas de defensoria e ministério público, em especial nos concursos do rio de Janeiro. Portanto, muita atenção!

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