* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria, a omissão do Congresso Nacional em regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas.
A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 55, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que alegou que o imposto é crucial para reduzir as desigualdades e promover a justiça social.
O placar final da votação ficou em 8 a 1 a favor da declaração de omissão na taxação.
O caso foi originalmente relatado pelo ministro aposentado Marco Aurélio, que votou pelo reconhecimento da omissão do parlamento, e o ministro Cristiano Zanin redigirá o acórdão, por ter sido o primeiro a acompanhar o voto do relator.
| AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) é uma ação de controle concentrado de constitucionalidade que tem por objetivo o controle de omissões do Poder Público que possam ser contrárias à ordem constitucional. |
O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental.
Portanto, se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional.
Seu objetivo é tornar efetiva uma norma constitucional que não produz todos os seus efeitos por falta de regulamentação ou ação.
Como bem apontado pelo professor Frederico Tadeu Borlot Peixoto1:
“A ADO tem por objetivo provocar legítima reação jurisdicional que, expressamente autorizada e atribuída ao Supremo Tribunal Federal pela própria Carta Política, destina-se a impedir o desprestígio da Lei Fundamental, a neutralizar gestos de desprezo pela Constituição, a outorgar proteção a princípios, direitos e garantias nela proclamados e a obstar, por extremamente grave, a erosão da consciência constitucional (STF, ADO 26, Rel. Min. Celso de Mello).”
Competência
A obrigação de instituir o IGF está prevista no Artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, que estabelece que cabe à União instituir o imposto “nos termos de lei complementar estabelecer”.
CF
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
...
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
O ministro Alexandre de Moraes citou que, embora a União tenha estabelecido vários impostos, esta previsão constitucional (a do IGF) foi ignorada.
O ministro Flávio Dino pontuou que a questão é constitucional, frisando que se deve graduar os impostos de acordo com a capacidade contributiva. Dino descreveu a omissão como “gritante, eloquente e insuportável“, mantendo um sistema tributário desproporcional e configurando uma “situação inconstitucional“.
| A capacidade contributiva é um princípio que determina que a carga tributária deve ser distribuída de forma justa, fazendo com que aqueles com maior capacidade econômica paguem proporcionalmente mais impostos. Esse princípio garante que a tributação seja equitativa e reflita a situação financeira de cada contribuinte, garantindo que os mais ricos contribuam mais para financiar os serviços públicos e que os menos favorecidos tenham suas necessidades básicas atendidas. |
A capacidade contributiva busca a “equidade vertical”, ou seja, o tratamento de forma desigual para os desiguais, fazendo com que quem tem mais recursos financeiros pague mais tributos. O objetivo não é inverter a ordem das classes de renda, mas sim reduzir a diferença entre elas.
A capacidade contributiva se manifesta na progressividade tributária, onde a alíquota do imposto aumenta conforme a base de cálculo (a renda ou patrimônio) cresce. O exemplo mais claro é a tabela do Imposto de Renda, que possui alíquotas maiores para rendas mais altas.
Criação da Lei Complementar
Embora a maioria dos ministros tenha reconhecido a omissão, o entendimento firmado não estabelece prazo para que o Congresso Nacional crie a lei complementar.

O ministro Flávio Dino propôs, em seu voto, a fixação de um prazo de 24 meses para que o Congresso elaborasse a lei complementar.
Apenas o ministro Luiz Fux discordou do reconhecimento da omissão. Para ele, a ausência de regulamentação não configura omissão constitucional, e o tema é de debate legislativo.
Fux defendeu a “autocontenção judicial”, argumentando que a matéria deve permanecer sob avaliação política do Congresso e do Executivo.
| A autocontenção judicial é a prática de autolimitação do Poder Judiciário, onde juízes agem com discrição e responsabilidade, evitando interferir em questões que competem a outros poderes (Legislativo e o Executivo). Essa postura se opõe ao ativismo judicial e busca fortalecer o Estado de Direito, equilibrando a atuação do Judiciário com os demais poderes para garantir a harmonia democrática. |
Críticas à decisão
Após a decisão, especialistas levantaram preocupações sobre a eficácia e a legalidade da intervenção judicial. Vejamos os principais pontos de preocupação2:
1. Ineficiência prática: Cássio de Paula Xavier, advogado tributarista, considerou que o julgamento tem grande apelo simbólico, mas pouca eficiência prática. Ele citou que o IGF é um tributo em extinção, abandonado por países como França, Suécia e Alemanha, por se provar ineficiente, complexo de administrar e um incentivador da fuga de capitais.
2. Afronta à separação de poderes: Leonardo Roesler, advogado tributarista, avaliou a decisão como um desvio da competência tributária e uma afronta direta à separação dos poderes. Ele defende que a competência para criar o imposto é de caráter potestativo (facultativo) e não compulsório, significando que o ente federativo pode ou não instituir o tributo, conforme critérios de conveniência administrativa e política econômica.
3. Escolha político-legislativa: Marcelo John alertou que a ausência na tributação é, na verdade, uma “escolha político-legislativa da União dentro de sua autonomia constitucional”, e que isso não necessariamente afronta a Constituição.
4. Riscos de regulamentação: Roesler frisou que uma regulamentação precipitada, sem estudo econômico e coordenação, pode gerar bitributação, distorções federativas, evasão fiscal e fuga de capitais.
Como caiu na prova?
Veja então como o tema já foi cobrado em prova de concurso:
CESPE/CEBRASPE - OAB O imposto sobre grandes fortunas poderá ser instituído pelo exercício da competência: a) Residual da União. b) Extraordinária dos estados. c) Privativa da União. d) Privativa da União e dos estados. Gabarito: C.
Conclusão
A decisão do STF, portanto, autoriza a missão do Congresso de criar o IGF ao reconhecer sua omissão, mas não impõe um prazo para que esta lei complementar seja efetivamente criada. Importante acompanhar a discussão no Congresso Nacional.
- https://cj.estrategia.com/portal/acao-direta-inconstitucionalidade-omissao/ ↩︎
- https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-tem-maioria-para-omissao-do-congresso-em-taxar-grandes-fortunas/ ↩︎
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