Norma local que inova na supressão de vegetação é inconstitucional

Norma local que inova na supressão de vegetação é inconstitucional

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STF

O Supremo Tribunal Federal, julgando a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 218, decidiu que a norma local que, contrariando o código florestal, cria novos requisitos para a supressão de vegetação nativa, é inconstitucional.

O caso envolveu o tema competência legislativa ambiental e legislação florestal.

Federalismo cooperativo

A forma de Estado adotada em nossa Carta Magna é o federalismo. Isso acarreta a coexistência de entes estatais autônomos (descentralização política), ou seja, cada ente possui capacidade para se auto-organizar e legislar.

E a própria Constituição Federal distribuiu competências legislativas e administrativas entre os diversos entes estatais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Supressão de vegetação

As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito.

Competência legislativa

A competência legislativa ambiental é concorrente, ou seja, cabe a União, Estados e Distrito Federal legislar sobre a matéria. É o que preconiza o art. 24, VI e VIII, da CF/88.

Mas o que isso significa? Simples: que a União deverá editar as normas gerais, e os Estados e DF irão suplementar tais normas. Os Municípios podem legislar sobre meio ambiente com base na competência dada pelo artigo 30, I e II, da CF.

E se a União se omitir em editar essas normas gerais, o que acontece? Neste caso específico, os Estados e o DF poderão exercer a competência legislativa plena (poderão editar normas gerais para aplicação em seus respectivos territórios).

Mas atenção: sobrevindo, posteriormente, lei federal sobre normas gerais, a eficácia da lei estadual ficará suspensa naquilo que lhe for contrário. Já os Municípios poderão suplementar a legislação Federal e Estadual, no que couber.

CF/88

Artigo 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

...     

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;     

 ...             

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;       

...       

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.                       

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.                                 

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.                 

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.                

Art. 30. Compete aos Municípios:         

 I - legislar sobre assuntos de interesse local;      

 II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

Podemos perceber que, dos entes maiores para os entes menores (União para Estados e Estados para Municípios) há uma decrescente abstração no conteúdo das normas. Ou seja, as leis federais são mais gerais e abstratas que as leis estaduais, que, por sua vez, são mais gerais e abstratas que as leis municipais, segundo bem ponderado por Marcelo Abelha Rodrigues.

As normas locais específicas devem obedecer às diretrizes lançadas pelas normas gerais federais, sob pena de vício de inconstitucionalidade formal.

Normas mais protetivas

O Supremo tem entendimento pacificado de que a lei local pode até divergir da norma geral federal, mas desde que seja para aumentar a proteção do meio ambiente. Exemplo disso são os julgados na ADI 5995 e ADI 5996.

Na ADI 5995, o STF considerou constitucional lei estadual do Rio de Janeiro que proíbe a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos. Isso ocorreu mesmo havendo norma federal permitindo sua utilização em casos específicos.

Já na ADI 5996, a Suprema Corte decidiu que a Lei 289/2015 do Estado do Amazonas, ao proibir a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e seus componentes, não invade a competência da União para legislar sobre normas gerais em relação à proteção da fauna, tendo em vista a competência legislativa concorrente dos Estados (art. 24, VI, da CF).

A sobreposição de opções políticas por graus variáveis de proteção ambiental constitui circunstância própria do estabelecimento de competência concorrente sobre a matéria. Portanto, admite-se que os Estados editem normas mais protetivas ao meio ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu interesse, conforme o caso.

Em seu art. 225, caput, a Constituição Federal atribui ao Poder Público e a toda a sociedade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Competência administrativa

A competência administrativa em matéria ambiental é do tipo comum, cumulativa ou paralela. Dessa forma, tanto a União, quanto os Estados e os Municípios podem tratar da mesma matéria em igualdade de condições. A atuação de um ente não exclui a atuação de outro ente em matéria ambiental (a atuação pode ser cumulativa). É o que prescreve o art. 23, VI e VII, da CF/88, in verbis:

CF/88

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:                         

...                

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos      

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;        

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

...               

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

No ano de 2011, foi publicada a Lei complementar nº 140/2011. Ela trata da cooperação entre os entes federados para o exercício da competência administrativa comum em matéria ambiental. Dentre os instrumentos previstos para referida cooperação destacamos os consórcios públicos, convênios, acordos, fundos públicos e privados, comissões, delegações de atribuições e execução, entre outros.

Poder de polícia

Todos os entes políticos possuem abstratamente competência para exercer o poder de polícia em sede ambiental (licenciamento, fiscalização, sanções administrativas etc.), pois é exemplo da competência administrativa, que é comum.

Supressão de vegetação

Área de Preservação Permanente – APP é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Segundo o art. 8º, do Código Florestal, é possível a supressão da vegetação nativa em área de preservação permanente nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental.

A lei municipal tratada na ADPF 218 (Lei 3.224/2008, de Ponte Nova/MG) fixa que somente em caso de “extrema necessidade e interesse social” será possível a supressão de vegetação no âmbito do Município de Ponte Nova/MG.

Além de estabelecer um qualificativo novo (“extrema”), o dispositivo estipula requisitos cumulativos, em absoluto descompasso com o quanto assentado pelas normas gerais editadas pela União (Código Florestal).

Além disso, o dispositivo ainda impõe, para constatação da “extrema necessidade e interesse social”, a elaboração de exaustivos estudos ambientais.

O Supremo entendeu, ao fim, que a norma local, mesmo que à primeira vista pareça ter aumentado a proteção ambiental, acabou contrariando o Código Florestal ao inovar nos requisitos para supressão de vegetação local.

Em síntese, a norma local foi considerada formalmente inconstitucional, na medida em que contraria as disposições constantes do Código Florestal, que, na hipótese, veicula normas de caráter geral.

Ótimo tema para provas de direito ambiental.


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