Nervosismo como fundada suspeita para abordagem policial: a virada jurisprudencial do STJ

Nervosismo como fundada suspeita para abordagem policial: a virada jurisprudencial do STJ

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos, defensor público e professor do Estratégia Carreira Jurídica.

Hoje vim comentar uma decisão recente do STJ que mudou por completo o entendimento atual sobre a abordagem policial, em especial quando constatado o nervosismo da pessoa a ser averiguada. Isso porque a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento recente do HC 888.216, alterou sua orientação sobre a validade da abordagem policial fundada no simples nervosismo do indivíduo diante da aproximação da polícia.

A decisão foi marcada pela estreia do ministro Carlos Brandão no colegiado e gerou intenso debate jurídico, reacendendo as preocupações em torno de abusos estatais, seletividade penal e impactos diretos sobre os direitos fundamentais. Esse tema é de suma importância para você que vem se preparando para as carreiras jurídicas, em especial para a defensoria pública, magistratura e Ministério Público.

Com efeito, mais do que um episódio pontual e isolado, o julgamento merece críticas porque evidencia um choque entre duas visões: de um lado, a ênfase no fortalecimento da segurança pública e no “tirocínio policial” defendido por parte da doutrina e acolhido pelo STF em precedentes recentes; de outro, a preocupação com a proteção da liberdade individual e com o risco de legitimar abordagens arbitrárias, denunciada pela corrente vencida liderada pelo ministro Rogerio Schietti.

A mudança de posição do STJ

Historicamente, em inúmeras decisões anteriores, a 6ª Turma vinha sendo mais rigorosa ao examinar justificativas de abordagens pessoais, anulando provas obtidas com base em intuições, denúncias anônimas não verificadas ou comportamentos subjetivos, como o mero nervosismo. Isso vinha ocorrendo para preservar e evitar abusos policiais, corriqueiros principalmente em espaço periféricos e em face de determinados estereótipos.

Porém, a mudança de entendimento começou em 2023. Na ocasião, passou-se a admitir o nervosismo ostensivo como elemento idôneo, em especial após decisões do STF nesse sentido e se consolidou em setembro de 2025, ao alinhar-se à 5ª Turma e ao Supremo Tribunal Federal.

Com isso, ambas as turmas criminais do STJ agora reconhecem que o nervosismo pode sim configurar fundada suspeita, dando suporte à abordagem policial e à busca pessoal, mesmo sem indícios objetivos de crime em andamento pela pessoa a ser averiguada.

A perspectiva constitucional e de direitos fundamentais estão em xeque?

O art. 5º, XI, da Constituição Federal assegura a inviolabilidade domiciliar e o art. 5º, X, CF protege a intimidade e a vida privada, limitando a atuação estatal sobre a esfera individual. Já o art. 5º, LIV, CF consagra o devido processo legal, que inclui a exigência de motivação e proporcionalidade nas intervenções policiais.

Nesse cenário, podem existir críticas à mudança do STJ porque abre uma margem bastante duvidosa de discricionariedade por parte dos agentes policiais. Isso pode abrir brechas para abordagens baseadas em critérios subjetivos, potencialmente violando os princípios da razoabilidade e da proibição do arbítrio estatal.

Nervosismo
Esse é o pensamento do ministro Schietti que, em seu voto vencido, alertou para o risco de se consolidar um “autoritarismo estrutural” em que qualquer reação nervosa — algo natural diante da presença policial, especialmente em um país marcado por seletividade penal e violência institucional — passa a legitimar revistas e constrangimentos.

Uma pergunta que eu faço aqui, para reforçar esse entendimento é: você, quando abordado pela polícia, mesmo sabendo que está tudo certo contigo, não sente um frio na barriga? Agora imagine pessoas que, corriqueiramente, sofrem com abordagens policiais lastreadas em elementos subjetivos, a exemplo de indivíduos negros e periféricos.

Direitos humanos e parâmetros internacionais

Sob o prisma do direito internacional, a decisão suscita questionamentos quanto ao respeito às garantias previstas em tratados ratificados pelo Brasil.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu art. 7º, assegura que ninguém pode ser privado de liberdade arbitrariamente, exigindo controle rigoroso sobre a legalidade das prisões e buscas pessoais.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU, em comentários gerais sobre o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, tem reafirmado que intervenções estatais na esfera individual devem se basear em critérios objetivos e previsíveis, não em impressões subjetivas.

Além disso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já consolidou que também se deve observar o princípio da legalidade em medidas cautelares restritivas, sob pena de configurar violação à integridade pessoal e ao direito à igualdade, uma vez que decisões baseadas em “nervosismo” tendem a atingir desproporcionalmente grupos marginalizados, sobretudo jovens negros e pobres.

Impactos práticos e riscos de seletividade penal

A decisão pode produzir efeitos imediatos no cotidiano forense. Abordagens baseadas em nervosismo tendem a multiplicar-se, e, em um país com profundas desigualdades raciais e sociais, é previsível que esse critério se aplique de maneira seletiva, reforçando o perfilamento racial e a criminalização da pobreza.

Nesse sentido, a crítica de Schietti merece relevo: legitimar abordagens subjetivas pode significar retorno a práticas abusivas que o próprio STJ vinha combatendo desde 2022, em especial no enfrentamento às provas ilícitas derivadas de buscas arbitrárias.

Como o tema pode cair em concursos

Os concursos públicos certamente explorarão o novo posicionamento do STJ, especialmente nas provas de Defensoria Pública, Ministério Público e Magistratura.

Assim, as bancas podem cobrar:

  • A evolução jurisprudencial do STJ e a influência dos precedentes do STF (RHC 229.514, voto do ministro Gilmar Mendes; votos do ministro Alexandre de Moraes sobre “tirocínio policial”).
  • O confronto entre princípios constitucionais da liberdade individual e a segurança pública.
  • O papel da Defensoria Pública na tutela dos direitos fundamentais frente a abusos de autoridade.
  • A compatibilidade (ou não) do entendimento com tratados internacionais de direitos humanos.
Questão Objetiva (Múltipla Escolha)

Assinale a alternativa correta sobre a atual posição do STJ a respeito da abordagem policial fundada em nervosismo:

A) A 6ª Turma do STJ mantém jurisprudência pacífica no sentido de que o nervosismo jamais pode configurar fundada suspeita.

B) O STJ passou a entender que o nervosismo do indivíduo, quando notório, pode justificar a abordagem policial, alinhando-se ao STF.

C) O STJ reconhece a ilicitude de todas as provas obtidas em abordagens baseadas em fuga, gestos ou nervosismo.

D) O entendimento do STJ não sofreu alterações recentes, permanecendo o mesmo desde 2022.

Gabarito: B – Com a posse do ministro Carlos Brandão, a 6ª Turma alterou seu posicionamento. Dessa forma, ambas as turmas criminais do STJ passaram a admitir o nervosismo como elemento suficiente para justificar a abordagem pessoal, em consonância com precedentes do STF.


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