Medidas executivas atípicas: STJ define requisitos para suspender CNH, passaporte e cartões do devedor

Medidas executivas atípicas: STJ define requisitos para suspender CNH, passaporte e cartões do devedor

Prof. Gustavo Cordeiro

Tema 1137: Segunda Seção fixa tese vinculante e estabelece que medidas coercitivas exigem subsidiariedade, proporcionalidade e contraditório

Introdução

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em dezembro de 2025, fixou tese vinculante de enorme repercussão prática para o processo de execução civil brasileiro. O Tema 1137, de relatoria do Ministro Marco Buzzi, definiu os requisitos cumulativos para a adoção de medidas executivas atípicas previstas no art. 139, IV, do CPC/2015, como suspensão de passaporte, apreensão de CNH e bloqueio de cartões de crédito.

O julgamento encerra uma das maiores controvérsias do processo civil contemporâneo: até onde pode ir o juiz para forçar o devedor a cumprir a obrigação? A resposta do STJ equilibra dois valores em tensão permanente — a efetividade da execução e a menor onerosidade do executado — e estabelece balizas claras para a atuação judicial.

Para candidatos de concursos jurídicos, o tema é absolutamente prioritário: envolve poderes do juiz, princípios processuais, direitos fundamentais, execução civil e precedente vinculante. Vamos destrinchar o julgamento e preparar você para as provas.

O caso concreto e a controvérsia

O Tema 1137 foi afetado a partir de recursos repetitivos nos quais se discutia a possibilidade de adoção de medidas executivas atípicas em execuções civis. Em um dos casos paradigmas, um banco recorreu contra acórdão do TJ/SP que havia barrado a suspensão do passaporte e da CNH de um devedor, por entender que tais medidas violariam a proporcionalidade e a razoabilidade. O Tribunal paulista admitiu apenas o bloqueio de cartões de crédito, desde que não relacionados à compra de alimentos.

A questão submetida a julgamento foi objetiva: é possível o magistrado, com base no art. 139, IV, do CPC, adotar meios executivos atípicos de modo subsidiário, observando fundamentação, contraditório e proporcionalidade?

A resposta foi afirmativa, mas condicionada ao preenchimento de requisitos cumulativos rigorosos.

Desenvolvimento técnico: o poder geral de efetivação

O art. 139, IV, do CPC e as medidas atípicas

O CPC/2015 inaugurou uma nova era na execução civil brasileira ao conferir ao juiz um verdadeiro poder geral de efetivação. O art. 139, IV, estabelece que incumbe ao juiz:

"determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária."

A norma rompe com o modelo tradicional de tipicidade dos meios executivos e autoriza o magistrado a adotar medidas não expressamente previstas em lei, desde que adequadas e necessárias à satisfação do crédito. São exemplos de medidas atípicas que passaram a ser discutidas nos tribunais: suspensão da CNH, apreensão do passaporte, bloqueio de cartões de crédito, proibição de participação em licitações e cancelamento de cartões de acesso a clubes e academias.

A controvérsia, porém, sempre residiu nos limites dessa atuação judicial. Até onde o juiz pode ir sem violar direitos fundamentais do devedor?

A tese vinculante do Tema 1137

Por unanimidade, a Segunda Seção fixou a seguinte tese:

"Nas execuções civis submetidas exclusivamente ao Código de Processo Civil, a adoção judicial de meios executivos atípicos é cabível, desde que, cumulativamente, sejam ponderados os princípios da efetividade e da menor onerosidade do executado, seja realizada de modo prioritariamente subsidiário, a decisão contenha fundamentação adequada às especificidades do caso, sejam observados os princípios do contraditório, da proporcionalidade e da razoabilidade, inclusive quanto à sua vigência temporal."

(Tema 1137 – REsp 1.955.539-SP e REsp 1.955.574-SP, 2ª Seção, j. 4/12/2025)

Os requisitos cumulativos

O STJ estabeleceu que a adoção de medidas executivas atípicas exige o preenchimento simultâneo de todos os seguintes requisitos:

REQUISITOCONTEÚDO
Ponderação de princípiosBalanceamento entre efetividade da execução e menor onerosidade do executado
SubsidiariedadeEsgotamento prévio dos meios típicos ou demonstração de sua ineficácia
Fundamentação específicaDecisão com motivação adequada às particularidades do caso concreto
ContraditórioOportunidade de manifestação do devedor antes da adoção da medida
ProporcionalidadeAdequação entre a medida e o fim pretendido
RazoabilidadeVedação de excessos e de medidas manifestamente desproporcionais
Vigência temporal definidaA medida não pode ser imposta por prazo indeterminado

O debate sobre indícios de patrimônio

Um ponto de discussão relevante durante o julgamento foi a exigência de indícios de patrimônio expropriável do devedor como pressuposto para a medida atípica. O relator inicialmente incluiu esse requisito na tese, mas a Ministra Nancy Andrighi propôs sua retirada.

medidas executivas atípicas

A Ministra Isabel Gallotti foi a única a defender a manutenção expressa dessa exigência, argumentando que ela funciona como salvaguarda para evitar que medidas restritivas recaiam sobre quem não tem condições reais de cumprir a obrigação, preservando o caráter coercitivo (e não punitivo) do instituto.

Prevaleceu, contudo, o entendimento dos Ministros Marco Buzzi e Raul Araújo de que tal requisito poderia limitar indevidamente a eficácia das medidas, especialmente quando o devedor oculta bens ou adota condutas que esvaziam a execução. A tese final foi aprovada sem a obrigatoriedade de indícios prévios de patrimônio.

Natureza jurídica: coerção, não punição

O Ministro Marco Buzzi enfatizou que as medidas atípicas têm natureza coercitiva, e não punitiva. Seu objetivo é pressionar o devedor a cumprir voluntariamente a obrigação, e não castigá-lo pelo inadimplemento. Por isso, tais medidas não violam o direito de locomoção, desde que não impeçam a circulação física do devedor — a suspensão da CNH, por exemplo, não impede que o devedor se locomova por outros meios.

Síntese: quando a medida atípica é cabível?

MEDIDA ATÍPICA É CABÍVELMEDIDA ATÍPICA NÃO É CABÍVEL
Meios típicos esgotados ou comprovadamente ineficazesComo primeira medida, sem tentativa dos meios tradicionais
Decisão com fundamentação específica ao casoDecisão genérica ou com fundamentação abstrata
Contraditório prévio assegurado ao devedorMedida de surpresa, sem oitiva do executado
Proporcionalidade entre medida e créditoMedida desproporcional ao valor da dívida
Prazo de vigência definidoMedida por tempo indeterminado
Finalidade coercitiva (forçar cumprimento)Finalidade punitiva (castigar o devedor)

Como o tema pode aparecer em concursos

(Simulado – Estilo FGV) Em execução de título extrajudicial no valor de R$ 150.000,00, após frustradas tentativas de penhora pelo sistema BacenJud, Renajud e pesquisa de bens imóveis, o credor requereu a suspensão da CNH e do passaporte do devedor, bem como o bloqueio de seus cartões de crédito. O magistrado, sem intimar o executado para manifestação prévia, deferiu integralmente o pedido, fundamentando que "as medidas atípicas são expressamente autorizadas pelo art. 139, IV, do CPC, sendo desnecessária qualquer outra justificativa". À luz da jurisprudência do STJ (Tema 1137), a decisão judicial está:

A) Correta, pois o art. 139, IV, do CPC confere ao juiz ampla discricionariedade para adotar quaisquer medidas necessárias à efetivação da execução, independentemente de fundamentação específica.

B) Correta, pois as medidas atípicas podem ser adotadas de ofício pelo juiz, sendo o contraditório diferido para momento posterior à sua implementação.

C) Incorreta, pois a suspensão de CNH e passaporte viola o direito constitucional de locomoção, sendo medidas absolutamente vedadas no ordenamento jurídico brasileiro.

D) Incorreta, pois não foi observado o contraditório prévio e a fundamentação foi genérica, em desconformidade com os requisitos cumulativos fixados pelo STJ.

E) Incorreta apenas quanto à suspensão do passaporte, pois o bloqueio de cartões e a apreensão de CNH prescindem de fundamentação específica por expressa previsão legal.

GABARITO: D

Comentários às alternativas

Alternativa A – INCORRETA. O art. 139, IV, do CPC não confere discricionariedade ampla e irrestrita. Conforme o Tema 1137, as medidas atípicas exigem fundamentação adequada às especificidades do caso, não bastando a mera invocação genérica do dispositivo legal.

Alternativa B – INCORRETA. O STJ exige contraditório prévio como requisito cumulativo para a adoção de medidas executivas atípicas. O devedor deve ter oportunidade de manifestação antes da implementação da medida, e não apenas posteriormente.

Alternativa C – INCORRETA. O STJ expressamente reconheceu que medidas como suspensão de CNH e passaporte não violam o direito de locomoção, pois não impedem a circulação física do devedor. Tais medidas são válidas desde que preenchidos os requisitos legais.

Alternativa D – CORRETA. A decisão violou dois requisitos cumulativos do Tema 1137: (i) não assegurou contraditório prévio ao devedor; (ii) utilizou fundamentação genérica e abstrata, sem adequação às especificidades do caso concreto. Ambas as omissões tornam a decisão incorreta.

Alternativa E – INCORRETA. Não há distinção de regime entre as diferentes medidas atípicas. Todas exigem o preenchimento dos mesmos requisitos cumulativos: subsidiariedade, fundamentação específica, contraditório, proporcionalidade, razoabilidade e vigência temporal definida.

Fechamento estratégico: o que memorizar

PONTOS DE MEMORIZAÇÃO
▶ Art. 139, IV, CPC: poder geral de efetivação — medidas atípicas são cabíveis
▶ Exemplos: suspensão de CNH, apreensão de passaporte, bloqueio de cartões
▶ Requisitos cumulativos: subsidiariedade + fundamentação específica + contraditório + proporcionalidade + razoabilidade + prazo definido
▶ Natureza: coercitiva (forçar cumprimento), não punitiva
▶ Não viola direito de locomoção (desde que não impeça circulação física)
▶ Tema 1137/STJ: precedente vinculante (art. 927, III, CPC)

O julgamento do Tema 1137 representa a consolidação de uma nova cultura executiva no Brasil: o Judiciário dispõe de ferramentas poderosas para vencer a resistência do devedor recalcitrante, mas seu uso exige responsabilidade, fundamentação e respeito aos direitos fundamentais. Como destacou o próprio STJ, a efetividade da execução é compatível com o Estado Democrático de Direito — desde que exercida dentro de limites constitucionais.

Para a prova, grave o “checklist” das medidas atípicas: subsidiária, fundamentada, com contraditório, proporcional, razoável e com prazo. Faltou um requisito? A medida é inválida.

Bons estudos e rumo à aprovação!


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