A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta terça-feira (19/8) que a Editora Abril não indenizará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por danos morais decorrentes da polêmica capa da revista Veja que o retratava vestido de presidiário.
Nessa linha, por maioria de quatro votos a um, os ministros entenderam que a montagem conhecida como “Pixuleco”, publicada em novembro de 2015, estava protegida pela liberdade de imprensa e vinculada a fatos de interesse jornalístico.
Nesse sentido, relembre a capa da revista:

Fundamentos da decisão
Nessa linha, o Relator, Ministro João Otávio de Noronha, fundamentou sua decisão na jurisprudência consolidada de que “pessoas públicas estão sujeitas a maior grau de escrutínio por parte da imprensa, justamente pelo papel que exercem na sociedade”.
Há inclusive, um julgado correlato, mas que trata de pessoas jurídicas de direito público:
Em regra, não cabe indenização a título de dano moral a pessoa jurídica de Direito Público por ofensa à sua honra ou imagem em razão de publicação de matéria jornalística.
Ainda que admitida, em tese, a possibilidade de pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral por ofensa à honra objetiva, em tais casos é imprescindível a demonstração do efetivo prejuízo extrapatrimonial.
Mesmo que a matéria jornalística tenha apresentado tom de crítica à autarquia, seja mal redigida ou apresente eventuais imprecisões ou sensacionalismos, tais circunstâncias não são suficientes para atingir a honra e a imagem da autarquia estadual ou configurar abuso de direito.
A liberdade de imprensa, especialmente quando voltada à crítica de agentes ou entes públicos, goza de especial proteção no Estado Democrático de Direito e não se confunde com a prática de ilícito, salvo comprovação inequívoca de intenção difamatória e de prejuízo relevante.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.039.663-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 19/5/2025 (Informativo 26 - Edição Extraordinária).
Assim, para o magistrado, as matérias jornalísticas baseadas em fatos “verídicos ou ao menos verossímeis, ainda que delas constem manifestações severas, irônicas, impiedosas, por si sós, não ensejam dano indenizável”.
Por outro lado, a ministra Isabel Gallotti reforçou este entendimento ao destacar que “não se trata de uma falsificação de foto ou produção por inteligência artificial”, mas de uma crítica “ácida, ardente, veemente” que, embora causasse dissabor, estava dentro dos limites constitucionais.
Vale ressaltar o entendimento do STF sobre o tema:
Quando o entrevistado imputar falsamente a prática de um crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente pela divulgação da entrevista se comprovada sua má-fé, caracterizada por dolo ou culpa grave. Se a entrevista for realizada e transmitida ao vivo, o ato exclusivamente de terceiro exclui a responsabilidade do veículo de comunicação, que deverá assegurar o direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque, sob pena de responsabilidade (art. 5º, V e X, CF/88). Constatada a referida falsidade, a imputação deverá ser removida, de ofício ou por notificação da vítima, das plataformas digitais em que estiver disponível, sob pena de responsabilidade.
Nova tese fixada nos embargos de declaração:
1. Na hipótese de publicação de entrevista, por quaisquer meios, em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprovada sua má-fé caracterizada:
(i) pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou
(ii) pela culpa grave decorrente da evidente negligência na apuração da veracidade do fato e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou, ao menos, de busca do contraditório pelo veículo;
2. Na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivamente de terceiro quando este falsamente imputa a outrem a prática de um crime, devendo ser assegurado pelo veículo o exercício do direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque, sob pena de responsabilidade nos termos dos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal;
3. Constatada a falsidade referida nos itens acima, deve haver remoção, de ofício ou por notificação da vítima, quando a imputação permanecer disponível em plataformas digitais, sob pena de responsabilidade.
STF. Plenário. RE 1.075.412 ED/PE, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 20/03/2025 (Repercussão Geral – Tema 995) (Informativo 1170).
Isto é, a imprensa só responde por falsa acusação feita em entrevista se houver dolo ou culpa grave; em transmissão ao vivo, exclui-se a responsabilidade, mas deve haver direito de resposta e remoção do conteúdo falso.
Ademais, houve um caso interessante também noticiado no STJ que aborda o outro lado:
Caso concreto: em 21/02/2020, a revista “ISTO É” publicou uma nota intitulada “O esforço de Bolsonaro para vigiar a mulher de perto”. O texto publicado abordou aspectos da vida pessoal da então primeira-dama do Brasil (Michelle Bolsonaro), mencionando eventos e situações cotidianas particulares e referências à sua vida conjugal.
O modo como a nota foi estruturada deu à notícia um ar de “fofoca”.
A publicação revela tom sensacionalista e sugere que o casal estaria passando por certa crise no matrimônio.
Percebe-se, portanto, que não havia interesse público que justificasse a divulgação desse tipo de notícia pela imprensa. Além disso, não houve zelo na apuração dos fatos, carecendo de verossimilhança as informações relatadas. Logo, é possível concluir que houve abuso da liberdade de informar.
Diante disso, o STJ condenou a revista e o jornalista a pagarem R$ 40 mil em favor da autora, além de publicarem uma retratação.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.066.238-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 3/9/2024 (Informativo 825).
Em outras palavras, a nota jornalística que divulga informações estritamente pessoais da vida da primeira-dama. Aborda, assim, questões de ordem puramente privada do casal, aparta-se da legítima prerrogativa de informar, contrariando princípios fundamentais de direitos da personalidade.
Caso concreto
O caso tramitou por todas as instâncias ordinárias antes de chegar ao STJ.
Em primeira instância, a juíza Luciana Bassi de Melo, da 5ª Vara Cível de Pinheiros/SP, julgou improcedente o pedido, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
O desembargador Ronnie Herbert Barros Soares argumentou que a “fotografia, por si só, não justifica imposição de indenização, pois nada mais significou do que o indicativo de que a condição do autor poderia ser a mesma das pessoas nela indicada”.
A Corte Superior então analisou o recurso especial 1.824.219 e confirmou o entendimento das instâncias ordinárias.
Vale mencionar, o voto vencido do do ministro Antonio Carlos Ferreira, que considerou a publicação uma “narrativa visual artificialmente comprometedora” que extrapolou os limites da crítica legítima.
Assim, para o voto vencido, a capa criou uma “realidade alternativa” ao apresentar Lula “vestido com traje de presidiário” quando ele “não era investigado, denunciado e muito menos réu” na época. Logo, Ferreira votou por indenização de R$ 50 mil, argumentando que “o direito de informar não pode se transmudar no direito de desinformar, deturpar e degradar a imagem de quem quer que seja”.
Em breve resumo, o caso reafirma que figuras públicas devem suportar maior exposição crítica, especialmente quando relacionada ao exercício de suas funções. Dessa forma, consolidou-se a tese de que a liberdade de expressão prevalece sobre direitos da personalidade quando há pertinência temática com fatos de relevância social.
Como o tema foi cobrado em provas
(Exame Nacional da Magistratura – ENAM II – FGV– 2024)
Maria, política muito conhecida no cenário nacional, tendo ocupado por décadas inúmeros cargos de grande relevância nas estruturas estatais de poder, foi convidada, pelo editor de um conhecido e tradicional periódico, a participar de uma entrevista sobre sua vida profissional, com o objetivo de subsidiar reportagem que seria direcionada especificamente a ela. Como Maria protagonizara diversas controvérsias em sua atuação funcional e não mais ocupava qualquer cargo público, decidiu não conceder a entrevista de modo a preservar a sua esfera jurídica. Apesar disso, o referido periódico dedicou uma edição inteira à análise da vida pública de Maria, realizando críticas ácidas à sua atuação funcional, o que ocorreu sem que tivesse conhecimento prévio do teor da matéria, desagradando-a profundamente. Considerando os balizamentos oferecidos pela sistemática constitucional, assinale a afirmativa CORRETA.
Gabarito: As liberdades de pensamento e expressão devem preponderar na situação descrita, abrangendo a realização de críticas, ainda que sejam consideradas ácidas.
Ano: 2024 Banca: Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciências - FUNDATEC
Prova: FUNDATEC - SAAE Viçosa - MG - Procurador Jurídico - 2024
Um determinado veículo de comunicação realizou entrevista na qual o entrevistado forneceu informações falsas e ofensivas à honra de um de seus desafetos. Mesmo presentes indícios concretos sobre a inveracidade da acusação, em razão da grande visibilidade e expectativa do público, o veículo acabou por divulgar a entrevista na íntegra. Diante do caso apresentado, analise as seguintes assertivas:
I. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, admitida a censura prévia quando constatada a possibilidade de veiculação de informações injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas.
II. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
III. Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.
Quais estão corretas?
E) Apenas II e III.
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