Lei de sigilo às vítimas de violência doméstica contra a mulher: uma proteção necessária

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Lei nº 14.857/2024

Em maio de 2024 foi publicada a Lei nº 14.857/2024. Ela altera a Lei Maria da Penha para determinar o sigilo do nome da ofendida nos processos em que se apuram crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.

O grande objetivo da lei é proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar da revitimização, através do sigilo de seu nome nos processos em que se apuram crimes praticados nesse contexto.

Com a alteração, foi acrescentado o art. 17-A à Lei Maria da Penha, para determinar que nome da ofendida deverá ficar sob sigilo nos processos em que se apuram crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Isso não abrange o nome do autor do fato, tampouco os demais dados do processo.

Portanto, o sigilo é restrito ao nome da mulher, vítima da violência doméstica e familiar.

Antes, a determinação do segredo de justiça em casos de violência doméstica dependia da avaliação do juiz, exceto nas situações já previstas em lei. O sigilo contribuirá para reduzir o sofrimento da vítima, protegendo-a.

Processo de vitimização

O autor do projeto foi o senador Fabiano Contarato, que foi incisivo:

“O processo de vitimização da mulher que sofre violência não ocorre somente no momento da consumação do crime. Ele se repete no olhar de alguns vizinhos, familiares, colegas de trabalho, que, imbuídos de uma cultura predominantemente machista, podem vir a culpá-la”.

Ainda segundo Contarato, esse processo de vitimização reincide no atendimento frio e mecânico em algumas delegacias não especializadas em Violência Contra a Mulher, que não detêm as técnicas corretas para a oitiva e acolhimento, causando, muitas vezes, imenso constrangimento em um momento em que a mulher acaba de passar por um dos momentos mais traumáticos de sua vida.

Ele (processo de vitimização) se alardeia em abordagens midiáticas sensacionalistas descompromissadas com a boa ética jornalística.

Lei de sigilo

Assim, evidencia-se que o processo de vitimização é constante e, com o advento dos mecanismos de pesquisa, ele se torna perene. Detalhes sórdidos dos mais variados abusos estarão disponíveis em redes sociais e meios de comunicação.

Portanto, toda e qualquer informação acerca de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher deve ser tratada com cuidado e de forma a dar o melhor tratamento processual para o feito em defesa da vítima.

Desse modo, deve-se dar a publicidade necessária ao atendimento do interesse público, sem perder de vista a necessidade de respeito à intimidade (art. 5º, LX, da Constituição Federal).

Essa mesma ideia permeia o código penal que, em seu art. 234-B, aduz que os processos em que se apuram crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça. 

Violência doméstica e familiar contra a mulher

O conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher é dado pelo artigo 5º, da Lei Maria da Penha. Temos:

Violência doméstica e familiar contra a mulher:

Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:     
       
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;


II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;


III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, e as relações pessoais envolvidas no crime independem da orientação sexual.

Tipos de violência

Dentre os vários tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher, podemos citar:

  • A violência física: entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
  • A violência psicológica: entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
  • A violência sexual: entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
  • A violência patrimonial: entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
  • A violência moral: entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Portanto, qualquer tipo de violência doméstica e familiar contra a mulher pode acarretar a proteção da vítima por meio do sigilo de seu nome.

Natureza jurídica da ação penal

Em relação à natureza jurídica da ação penal no crime de lesão corporal leve, praticado em contexto de violência doméstica contra a mulher, o STJ, no AgRg no REsp 1838611,conferiu interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei Maria da Penha, para assentar a natureza pública incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico.

Em consequência, não há mais que se falar em representação da ofendida como condição de procedibilidade da ação penal, muito menos em retratação dessa representação. Dessa forma, o Ministério Público pode dar início à persecução penal ao receber a notitia criminis.

Podemos concluir, ao final, que, com a nova lei, o sigilo do nome da vítima servirá para protegê-la da famigerada revitimização. Assim, permite-se que ela possa buscar justiça e iniciar o processo de recuperação sem ter que se preocupar com a exposição pública de sua vida privada, em consonância com o artigo 5º, LX, da CF/88, pelo qual a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

Ótimo tema para provas de direito constitucional e processual penal.


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