Latam recorre ao STF para tentar impedir cachorro de suporte emocional de viajar com sua tutora na cabine do avião.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
A companhia aérea LATAM pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para não ser obrigada a transportar, na cabine de um voo comercial, uma cachorra que serve de apoio emocional à sua tutora. Um detalhe: a pet pesa quase 20kg.
Vamos entender melhor o caso.
O caso
Em novembro de 2023 a jornalista Cris Berger conseguiu na Justiça de Santa Catarina uma liminar autorizando-a a levar sua cachorra, Ella, uma Shar-pei de 18 quilos, na cabine de passageiros. Essa decisão é válida para todas as passagens que ela adquirir da companhia aérea até setembro de 2024.
Assim, para isso, Cris Berger comprovou ser portadora de transtorno de ansiedade generalizada, déficit de atenção e hiperatividade, justificando a necessidade do cão como apoio emocional durante as viagens.
Mas o que são esses animais de suporte emocional?
Erika Zanoni, médica veterinária especializada em direito dos animais, esclarece que os animais de suporte emocional são aqueles que auxiliam pessoas com transtornos mentais. Desse modo, eles precisam ser dóceis, de comportamento previsível e que não incomodem ou ameacem outras pessoas.
Legislação
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) publicou, em agosto de 2023, a Portaria nº 12.307, que estabelece regras para o transporte aéreo de animais de estimação e de apoio emocional em voos domésticos e internacionais. O objetivo é reunir os regramentos num só dispositivo e tornar mais claras, para os consumidores, as condições e obrigações que as companhias aéreas devem seguir ao oferecer esse tipo de serviço.
Assim, segundo o artigo 2º, I, da Portaria, considera-se animal de assistência emocional “o animal de companhia, isento de agressividade, que ajuda um indivíduo a lidar com aspectos associados às condições de saúde emocional e mental, proporcionando conforto com sua presença”.
Ainda segundo a portaria, o transporte tanto de animais de estimação como de suporte emocional na cabine de passageiros seria uma mera liberalidade da companhia aérea. Inclusive, a companhia poderia cobrar pelo serviço, restringi-lo ou mesmo negá-lo. Vejamos:
Portaria ANAC 12.307/2023 Art. 3º O transportador aéreo poderá ofertar o serviço de transporte de animal de estimação ou de assistência emocional na cabine de passageiros ou despachado no compartimento de bagagem e carga da aeronave, nos termos do contrato de transporte. ... Art. 5º O transportador aéreo poderá determinar o preço a ser pago por seus serviços de transporte de animais de estimação ou de assistência emocional. ... Art. 7º Mesmo nos casos em que é oferecido o serviço de que trata o art. 3º, o transportador aéreo poderá restringir a quantidade ou negar o transporte de animal de estimação ou de assistência emocional por motivo de capacidade da aeronave, incompatibilidade com o espaço disponível na cabine da aeronave ou capacidade de atendimento da tripulação da cabine nas situações de emergência ou nos casos em que haja risco à segurança das operações aéreas.
Portanto, o transporte desses animais de suporte emocional não é um direito garantido ao passageiro, mas uma opção concedida à critério da companhia aérea. Os motivos para a recusa são:
- Capacidade da aeronave;
- Incompatibilidade com o espaço disponível na cabine da aeronave;
- Capacidade de atendimento da tripulação da cabine nas situações de emergência;
- Risco à segurança das operações aéreas.
Ademais, há estudos comprovando que esses animais de suporte emocional podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida de pacientes que sofrem com ansiedade, pânico, TDHA, hiperatividade, ou que tenham determinada deficiência.
Para a regularização do pet como animal de suporte emocional o paciente precisa obter um laudo médico que ateste o transtorno mental e a necessidade do apoio emocional proporcionado pelo pet. Assim, o animal, que deverá ser identificado com coletes especializados para quando estiver em trabalho, poderá ser cadastrado.
Argumentos da LATAM
Porte do animal
No caso específico da jornalista Cris Berger, a LATAM tentou impedir o embarque do pet alegando que o porte do animal (quase 20 quilos) colocaria em risco a segurança do voo (a possibilidade de um cão de grande porte dificultar a evacuação da aeronave em caso de emergência) e o conforto dos demais passageiros:
“Levar dentro da cabine um cachorro que pesa quase 20kg é totalmente inaceitável, considerando que haveria transtornos à tripulação, que ficaria impossibilitada de executar seus serviços com maestria, como também aos demais passageiros”.
As regras da companhia são no sentido de que se seu animal de estimação de pequeno porte couber, na caixa ou bolsa de transporte, debaixo do banco dianteiro, você poderá levá-lo na cabine do avião.
Porém, se o tamanho do animal for maior que o permitido, ele deverá viajar em uma caixa de transporte rígida no bagageiro do avião.
Real necessidade da presença do animal na cabine
Além disso, a LATAM ainda pôs em dúvida o fato da pet ser mesmo um animal de assistência emocional:
“Atualmente existe uma alta demanda de processos relativos ao transporte de animais de assistência emocional, contudo, na maioria das vezes, o que se observa é a desvirtuação do instituto, pois os passageiros não possuem nenhuma dependência emocional, mas desejam somente levar os seus animais dentro da cabine, mesmo que para isso tenham que desrespeitar as normas e procedimentos adotados pela companhia aérea, como é o caso da presente demanda”.
Custos adicionais
Posteriormente, a companhia também destacou possíveis custos adicionais com limpeza e manutenção do interior dos aviões, eventuais reembolsos ou compensações para passageiros insatisfeitos e até pagamentos por danos morais. Quanto à raça do animal (Shar-pei), a LATAM afirmou que é conhecida por ser bastante agressiva. Argumentou ainda que pessoas com cinofobia, medo irracional de cães, poderiam ficar profundamente incomodadas com o animal na cabine.
Por último, a empresa informou que a decisão seria uma “grave violação ao princípio da livre iniciativa”.
A cliente, ante a recusa inicial da Latam, ajuizou ação na justiça catarinense e obteve o direito de embarcar com seu pet de assistência emocional. A decisão judicial determinou que a companhia deveria permitir que o animal de estimação viajasse com ela na cabine, em vez de ser transportado no compartimento de carga. Dessa decisão a aérea recorreu ao Supremo Tribunal Federal, reforçando os argumentos já levantados nas instâncias inferiores.
Temos, portanto, um choque de princípios e interesses envolvidos. De um lado, a saúde emocional e psíquica da passageira. De outro, o conforto e a segurança de um voo comercial.
Ambos os argumentos e interesses são válidos, são albergados pelo direito, mas um deles deve prevalecer no caso concreto. Acompanhemos qual o desfecho que a Suprema Corte dará a esse caso que acabou por ganhar uma grande repercussão.
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