A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) , no julgamento do REsp 2.185.814-RS, decidiu por unanimidade que pessoas com visão monocular têm direito à isenção de IPI na aquisição de veículos, independentemente de possuírem CNH sem restrições.
No caso, o contribuinte teve seu pedido de isenção negado pela Receita Federal. O argumento foi de que sua habilitação para dirigir sem restrições seria incompatível com a condição de deficiente visual para fins do benefício fiscal.
Diante deste embate entre a administração tributária e o cidadão com deficiência, qual deve prevalecer: a interpretação restritiva da autoridade fiscal ou a leitura sistemática e inclusiva das normas que tratam das pessoas com deficiência?
O caso concreto e sua relevância
De início, a controvérsia teve origem em mandado de segurança impetrado por Dorval Luiz Silveira Soares contra ato da Receita Federal que indeferiu seu pedido de isenção de IPI para aquisição de veículo novo.
O impetrante, portador de visão monocular (significativa diminuição de acuidade visual no olho esquerdo em razão de miopia patológica, estrabismo e catarata densa), teve seu pleito negado pela Fazenda Nacional sob dois argumentos:
a) sua condição não configuraria deficiência visual para fins da isenção prevista na Lei 8.989/1995; e
b) o fato de possuir CNH sem restrições seria incompatível com a condição de deficiente visual.
Ora, o cerne da discussão residia na interpretação do art. 1º, IV, da Lei 8.989/1995. O dispositivo concede isenção do IPI na aquisição de automóveis por "pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista".
Princípio da legalidade e ausência de restrições legais
De início, o STJ reafirmou a vinculação estrita da administração tributária ao princípio da legalidade. A Corte destacou que sua atuação deve ocorrer nos limites do que determina a lei.

Nesse sentido, constatou-se que a Lei 8.989/1995 não estabelece qualquer exigência de restrição na CNH do requerente de isenção do IPI.
O acórdão afastou o entendimento de que a ausência de restrições na habilitação para dirigir seria impedimento para a concessão do benefício fiscal.
Isto porque, o relator destacou que tal interpretação criava requisito não previsto em lei, em clara violação ao princípio da legalidade tributária.
"Ocorre que a Lei 8.989/1995 não faz qualquer exigência de restrição em relação à CNH daquele que pleiteia a isenção do IPI, bastando, para a concessão do benefício, a demonstração do quadro de deficiência, nos termos da lei", consignou o ministro Afrânio Vilela em seu voto.
A visão monocular como deficiência visual
Perceba, um dos aspectos mais relevantes do julgado está na análise da classificação da visão monocular como deficiência visual para fins de isenção tributária. O STJ destacou dois pontos essenciais para sua conclusão favorável ao contribuinte:
- A revogação expressa do § 2º do art. 1º da Lei 8.989/1995 pela Lei 14.287/2021, dispositivo que anteriormente definia os critérios para aferição da condição de deficiência visual para fins de isenção de IPI;
- A entrada em vigor da Lei 14.126/2021, que classificou expressamente a visão monocular como deficiência sensorial do tipo visual “para todos os efeitos legais”.
Dessa maneira, o STJ adotou interpretação teleológica e sistêmica, privilegiando a finalidade social da norma isentiva e a maior garantia de direitos às pessoas com deficiência.
Assim, o aspecto humanitário do benefício fiscal foi ressaltado, reforçando o entendimento de que "a garantia da concessão da isenção do IPI incidente sobre a aquisição de veículo destinado à pessoa com deficiência é interpretada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de privilegiar a inclusão da pessoa com deficiência e não a restrição ao pleito ao benefício tributário".
Reconhecimento consistente da visão monocular como deficiência
Lado outro, o acórdão também fez importante conexão com a jurisprudência consolidada do STJ. A Corte já considera o portador de visão monocular como pessoa com deficiência para fins de concurso público, nos termos da Súmula 377/STJ:
“O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”.
Dessa forma, invocando o brocardo jurídico “ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio” (onde há a mesma razão, deve ser aplicado o mesmo direito), o relator reforçou a necessidade de tratamento isonômico às pessoas com visão monocular nas diversas esferas do ordenamento jurídico.
Decisão do STJ
Em síntese, a decisão do STJ mostra-se relevante em diversos aspectos:
- Reafirma a impossibilidade de criação administrativa de requisitos não previstos em lei para a fruição de benefícios fiscais;
- Consolida a interpretação de que as pessoas com visão monocular são consideradas pessoas com deficiência visual para todos os efeitos legais, inclusive para fins de isenção tributária;
- Reforça a necessidade de interpretação teleológica e sistêmica das normas tributárias, especialmente quando envolvem grupos vulneráveis.
Assim, no entendimento do Relator, o julgamento do REsp 2.185.814-RS ao afastar exigências não previstas em lei e privilegiar a interpretação inclusiva da legislação, o STJ cumpre relevante papel na concretização dos direitos fundamentais e na promoção da isonomia material.
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!