A infiltração do crime organizado em órgãos públicos e as falhas nos processos de Estágio – o que podemos fazer?

A infiltração do crime organizado em órgãos públicos e as falhas nos processos de Estágio – o que podemos fazer?

O caso envolvendo Elaine Souza Garcia, conhecida como “Patroa do PCC“, expôs uma vulnerabilidade preocupante nos processos seletivos de estágio em órgãos públicos, sobretudo na possibilidade de infiltração do crime organizado.

Infiltração

Elaine, que havia sido aprovada para um estágio no Ministério Público de São Paulo (MP-SP), foi presa no mesmo dia em que tomaria posse.

Nessa linha, esse fato levanta questões sobre a eficiência das triagens dos “estagiários” realizadas no serviço público. Isso também leva a refletir sobre como a legislação vigente pode ser aprimorada para evitar situações semelhantes, isto é, de pessoas do crime organizado ingressando no serviço público através do estágio.

Vamos refletir sobre questões que poderiam evitar que acontecesse tal fato.

Falhas legislativas e processuais nos estágios da administração pública

De acordo com a Lei nº 11.788/2008 (Lei do Estágio), que regulamenta os estágios tanto no setor público quanto no privado, não há exigência de certidões de antecedentes criminais para candidatos a estágio em órgãos públicos.

Embora a Lei nº 8.112/1990, que regula o regime jurídico dos servidores públicos federais, exija que os candidatos a cargos efetivos apresentem certidões negativas de antecedentes criminais, essa mesma exigência não se estende aos estagiários.

Assim, a falta dessa exigência cria uma lacuna que pessoas envolvidas em atividades ilícitas podem explorar, como no caso de Elaine.

Elaine, ao ter sido aprovada no processo seletivo organizado pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), foi chamada a ocupar um cargo de estágio. Porém, não se verificou, rigorosamente, sua conduta criminal.

Dessa forma, foi possível que alguém com comprovados vínculos com o crime organizado tivesse sido convocada para um órgão que lida diretamente com a investigação e combate a tais crimes.

Portanto, é evidente que o processo de verificação de antecedentes deveria ter sido mais rigoroso, especialmente em áreas sensíveis como o Ministério Público.

Exigência de certidões de antecedentes criminais: uma medida necessária

No contexto dos servidores públicos, a Lei nº 8.112/1990 estabelece que qualquer indivíduo que queira tomar posse em um cargo público deve apresentar certidões de antecedentes criminais.

Esse requisito é crucial para garantir que pessoas sem histórico criminal ocupem funções de confiança na administração pública.

No entanto, como mencionado, a Lei nº 11.788/2008 não estende essa exigência aos estagiários.

Nesse sentido, a implementação de uma nova norma seria fundamental, exigindo que estagiários também apresentassem certidões de antecedentes criminais.

Isso porque a ausência dessa exigência abre uma brecha para que criminosos possam ocupar cargos públicos, o que coloca em risco a integridade das instituições.

Além disso, a adoção dessa medida traria mais segurança para o processo seletivo, tornando-o mais rigoroso e protegendo o interesse público.

Possibilidade de estagiários praticarem improbidade administrativa

Ainda que estagiários não ocupem cargos efetivos, eles desempenham funções relevantes dentro dos órgãos públicos, como auxiliar na redação de documentos ou até no manejo de informações sensíveis.

Assim, mesmo que a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) não se aplique explicitamente aos estagiários, existe a possibilidade de enquadrar suas ações em atos de improbidade administrativa. Assim, isso vale caso causem prejuízo ao erário ou atentem contra os princípios da administração pública.

Nessa linha, eis o entendimento do STJ:

O estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado ou não, está sujeito a responsabilização por ato de improbidade administrativa. Isso porque o conceito de agente público para fins de improbidade abrange não apenas os servidores públicos, mas todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública.

Além disso, é possível aplicar a lei de improbidade mesmo para quem não é agente público, mas induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta. É o caso do chamado “terceiro”, definido pelo art. 3º da Lei nº 8.429/92.


STJ. 2ª Turma. REsp 1352035-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/8/2015 (Informativo 568).

Dessa forma, estagiários podem, sim, ser responsabilizados se comprometerem a administração pública de alguma maneira.  Portanto, é necessário que haja um controle mais eficaz e uma supervisão rigorosa sobre as atividades dos estagiários. Isso deve acontecer principalmente em órgãos públicos que lidam com informações estratégicas e confidenciais.

Logo, a ausência de mecanismos de controle pode expor esses órgãos a riscos consideráveis.

Medidas preventivas para evitar a infiltração de criminosos

Para enfrentar a questão da infiltração de organizações criminosas em órgãos públicos, é essencial adotar medidas preventivas mais eficazes.

Primeiramente, deve-se exigir que estagiários também apresentem certidões de antecedentes criminais, assim como os servidores públicos. Com isso, o processo seletivo se tornaria mais rigoroso e garantiria maior segurança.

Além disso, fica patente que é necessário implementar verificações de segurança mais amplas, que incluam consultas a bases de dados criminais e investigações sobre possíveis vínculos com organizações criminosas. Por conseguinte, a triagem se tornaria mais completa e impediria que pessoas com passado criminal entrassem em órgãos públicos.

Outro ponto relevante é a necessidade de monitoramento contínuo dos estagiários, mesmo após sua admissão. Auditorias internas e relatórios de conformidade seriam úteis para garantir que os estagiários estejam desempenhando suas funções de maneira adequada e que não haja comportamentos suspeitos.

Como o tema já caiu em concursos

Prova: CESPE - 2015 - TJ-DFT - Técnico Judiciário - Administrativa

Julgue o item seguinte, com base no disposto na Lei de Improbidade Administrativa.

O estagiário de órgão público não pode ser sujeito ativo de ato de improbidade administrativa, em virtude do vínculo precário e transitório que mantém com a administração pública. (Errado)
Provas: CESPE - 2019 - PGE-PE - Conhecimentos Básicos - Cargos: 1, 2, 3 e 4 

Acerca da responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa, julgue o item a seguir, à luz da Lei n.º 8.429/1992.

Estudante maior de vinte e um anos de idade que estagia sem remuneração em empresa pública estadual estará sujeito a responder por ato de improbidade administrativa caso se utilize de sua condição de estagiário para auferir vantagem econômica indevida. (Certo)

Conclusão

O caso de Elaine Souza Garcia evidencia uma lacuna nos processos seletivos de estágio na administração pública. E isso, sobretudo, pela falta de exigência de certidões de antecedentes criminais e de verificações de segurança adequadas.

Portanto, como sugerimos, ao implementar exigências de certidões de antecedentes, um monitoramento contínuo e regras mais rígidas para estágios em áreas sensíveis, será possível mitigar os riscos de infiltração de organizações criminosas.


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