Hoje vamos analisar uma decisão do STF que trata da tributação sobre aposentadorias e pensões recebidas por brasileiros residentes no exterior.
Esse caso é muito interessante porque envolve diversos princípios constitucionais importantes no Direito Tributário, como a isonomia tributária, a capacidade contributiva, a progressividade e a vedação ao confisco.
Contexto da Norma
Até recentemente, a Lei nº 9.779/99, em seu art. 7º, estabelecia que aposentadorias e pensões pagas a brasileiros residentes no exterior estavam sujeitas a uma alíquota fixa de 25% de Imposto de Renda retido na fonte. O que significa isso?
- Basicamente, qualquer aposentado ou pensionista que vive fora do Brasil tinha que pagar 25% de imposto sobre o valor total de sua aposentadoria, independentemente de quanto ele ganhasse.
- Não importa se a pessoa recebia uma aposentadoria de valor baixo, que no Brasil poderia estar até isenta ou com uma alíquota reduzida. Estava automaticamente sujeita a esses 25%.
E é aí que começam os problemas constitucionais. Vamos entender por quê.
Trata-se, na origem, de ação ordinária de obrigação de fazer c/c restituição tributária ajuizada contra a União por brasileira aposentada residente em Portugal.
A autora relatou ser segurada da previdência social, titular de benefício de aposentadoria com renda mensal equivalente ao salário mínimo, concedido em dezembro de 2018, com data retroativa a março do mesmo ano. Por residir em Portugal, a União retinha imposto de renda na fonte na ordem de 25% sobre seus proventos, tributação esta que a autora defendeu ser inconstitucional.
O voto do Ministro Relator Dias Toffoli
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal gerando o Tema 1174 de Repercussão Geral, sob relatoria do Ministro Dias Toffoli. Em seu voto, o Ministro desenvolveu uma análise sobre os princípios constitucionais tributários envolvidos, começando pela progressividade do imposto de renda.
Capacidade contributiva e progressividade
De início, o Ministro argumento que o texto constitucional é claro ao estabelecer que o imposto de renda “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”.
Assim, a progressividade, como bem destacou o Ministro, não é mera opção legislativa, mas comando constitucional cogente que deve orientar toda a tributação da renda.
Conforme pontuou Dias Toffoli, a progressividade tem íntima conexão com o princípio da capacidade contributiva, servindo como instrumento para sua concretização.
Vale recordar as palavras do constituinte Bernardo Cabral nos debates durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88:
“pensamos também que a progressividade é critério que deve presidir a aplicação do tributo, a fim de torná-lo mais justo e equitativo para todos os contribuintes”.
No caso em análise, a legislação questionada (art. 7º da Lei nº 9.779/99) instituiu tributação simplesmente proporcional, e não progressiva, ao fixar alíquota única de 25% sobre a totalidade dos rendimentos de aposentadoria e pensão pagos a residentes no exterior.
Nessa linha isso viola frontalmente o comando constitucional da progressividade.
Em outras palavras, quem mora no exterior e recebe pensão no Brasil sempre pagava 25% o que seria um valor fixo, que não cumpre a progressividade do imposto de renda.
Realidade dos aposentados e pensionistas no Brasil
Ademais, o Min. Ressaltou que a gravidade dessa violação fica ainda mais evidente quando analisamos os dados sobre a realidade dos aposentados e pensionistas no Brasil.
Isto porque, foi trazido em seu voto números impressionantes da pesquisa Raio X do Investidor Brasileiro, realizada pela ANBIMA. Segundo o levantamento, para 92% dos aposentados, o INSS é a principal fonte de sustento, sendo esse índice muito semelhante entre a classe A/B (94%) e a C (93%).
De acordo com o Boletim Estatístico da Previdência Social de dezembro de 2020, o valor médio total dos benefícios de aposentadoria por idade era de R$ 1.076,02, o de aposentadoria por invalidez R$ 1.318,59, e o de pensão por morte R$ 1.239,64.
Todos esses valores estariam dentro da faixa de isenção do imposto de renda se pagos a residentes no Brasil. Esse valor, em 2020, era de R$ 1.903,98.
Por outro lado, se esse aposentado estivesse ganhando R$ 1.000,00 e fosse morar fora do Brasil, pagaria R$ 250,00 de imposto de renda.
Ao passo que o brasileiro que fosse aposentado e morasse no Brasil não pagaria imposto de renda.
Além disso, um aspecto crucial da análise do Ministro foi a atenção dedicada aos grupos vulneráveis atingidos pela tributação questionada. O voto destaca que as aposentadorias e pensões são, frequentemente, recebidas por pessoas em situação de especial vulnerabilidade: idosos, crianças e adolescentes pensionistas, pessoas com deficiência.
Nessa linha, em relação aos idosos, a Constituição estabelece em seu art. 230 o dever do Estado de ampará-los, “defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
Não confisco
Por fim, a violação ao princípio do não confisco é outro ponto central da análise. Como bem registrou o Ministro Celso de Mello, citado no voto, a proibição constitucional do confisco representa a interdição de qualquer pretensão governamental que possa conduzir à injusta apropriação estatal do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes o exercício do direito a uma existência digna.
No caso em exame, a tributação de 25% sobre a totalidade dos rendimentos, incluindo a parcela que estaria na faixa de isenção se paga a residente no Brasil, representa clara violação a este princípio. A gravidade é ainda maior quando consideramos que muitos dos atingidos são pessoas que dependem exclusivamente desses rendimentos para sua subsistência.
Ademais, o argumento da União de que a residência no exterior justificaria o tratamento diferenciado foi cuidadosamente analisado e refutado. Como bem apontou o Juiz Federal Gilson Jacobsen, citado no voto, “o simples fato de se residir fora do Brasil não é indicativo suficiente do aumento da capacidade contributiva do segurado contribuinte, até porque, na grande maioria das vezes, devido à idade avançada ou à incapacidade laboral, não há revelação de riqueza diversa”.
Adequações
Vale destacar que tramita na Câmara dos Deputados um conjunto de proposições apensadas ao PL nº 1.418/07 que buscam adequar essa tributação aos princípios constitucionais. A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa já se manifestou pela modificação do tratamento tributário, reconhecendo sua desproporcionalidade.
Como bem destacou o relator da Comissão, Deputado Felício Laterça,
“enquanto um aposentado ou pensionista residente no exterior paga 25% de imposto de renda sobre todo o valor recebido, aquele que reside no Brasil contribui sobre uma base de cálculo menor e se submete a alíquotas em regra inferiores, o que resulta em uma alíquota efetiva de imposto de renda bem menor”.
Diante desses robustos fundamentos, o Supremo Tribunal Federal, por meio do voto do Ministro Dias Toffoli, fixou a tese de que
"é inconstitucional a sujeição, na forma do art. 7º da Lei nº 9.779/99, com a redação conferida pela Lei nº 13.315/16, dos rendimentos de aposentadoria e de pensão pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 25%".
Não temos dúvida de que essa decisão cairá nas provas!
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