Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução: quando as Forças Armadas vão às ruas – GLO na COP-30
Em 3 de novembro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou no Diário Oficial da União decreto autorizando o emprego das Forças Armadas em operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em Belém do Pará, durante a realização da COP-30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas). A medida, válida de 2 a 23 de novembro de 2025, prevê a presença de 8 mil militares na capital paraense e em municípios estratégicos como Altamira e Tucuruí, com atuação em infraestruturas críticas e perímetros de segurança do evento.
Mas o que significa, afinal, decretar uma GLO? Por que essa competência é exclusiva do Presidente da República? E, principalmente, como esse tema aparece em provas de concursos jurídicos de alto nível?
A Garantia da Lei e da Ordem representa uma das mais sensíveis atribuições constitucionais das Forças Armadas brasileiras e é tema recorrente em provas de Direito Constitucional, especialmente nas questões sobre papel das Forças Armadas, Poder Moderador Presidencial, e limites entre segurança pública e defesa nacional. Entender a fundo esse instituto é essencial para candidatos a Juiz, Promotor, Delegado, Defensor e Procurador.
Neste artigo, vamos desvendar a GLO desde seus fundamentos constitucionais até suas implicações práticas, com foco direto no que é cobrado nos concursos mais competitivos do país.
Fundamento constitucional e legal: a base normativa da GLO
O artigo 142 da Constituição Federal
A competência para operações de GLO encontra seu fundamento primário no artigo 142, caput, da Constituição Federal:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Observe que o dispositivo estabelece três destinações constitucionais das Forças Armadas:
- Defesa da Pátria – proteção contra ameaças externas
- Garantia dos poderes constitucionais – preservação do funcionamento harmônico entre Executivo, Legislativo e Judiciário
- Garantia da lei e da ordem – atuação subsidiária em situações de grave perturbação da ordem pública
A expressão “por iniciativa de qualquer destes” refere-se aos Poderes da República (Executivo, Legislativo ou Judiciário), mas a decisão final sobre o emprego das tropas é sempre do Presidente da República, na qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas.
Regulamentação infraconstitucional
O arcabouço normativo da GLO é complementado por:
a) Lei Complementar nº 97/1999 – Dispõe sobre as normas gerais para organização, preparo e emprego das Forças Armadas. Em seu artigo 15, § 2º, estabelece que o emprego das Forças Armadas na defesa da lei e da ordem constitui atribuição subsidiária de natureza excepcional.
b) Decreto nº 3.897/2001 – Regulamenta as hipóteses e condições de emprego das Forças Armadas em GLO, detalhando procedimentos operacionais e limites de atuação.
c) Manual MD33-M-10 (2ª edição, 2014) – Documento técnico-doutrinário que padroniza procedimentos, estabelece normas de conduta e regras de engajamento para as tropas empregadas em operações de GLO.
Características essenciais das operações de GLO
Para que uma operação seja considerada GLO, deve reunir as seguintes características:
Excepcionalidade e subsidiariedade
A GLO não é instrumento ordinário de segurança pública. Seu emprego pressupõe o esgotamento dos meios tradicionais de manutenção da ordem (polícias federal, civil, militar e demais órgãos de segurança). Trata-se de medida de último recurso, quando as forças de segurança convencionais se mostram insuficientes para enfrentar situações de grave perturbação da ordem pública.
Temporariedade
As operações de GLO são episódicas e limitadas no tempo. Não se trata de substituição permanente das forças de segurança pública, mas de intervenção provisória até o restabelecimento da normalidade. No caso da COP-30, por exemplo, o decreto presidencial estabeleceu prazo determinado: 2 a 23 de novembro de 2025.
Delimitação espacial

A atuação das Forças Armadas ocorre em área geograficamente delimitada. No decreto para Belém, foram especificados: o perímetro do Parque da Cidade (Green Zone e Blue Zone), infraestruturas críticas (portos, subestações de energia, estações de tratamento de água, aeroporto), principais avenidas de acesso e municípios estratégicos (Altamira e Tucuruí).
Autoridade presidencial exclusiva
A decisão de decretar GLO é prerrogativa indelegável do Presidente da República, exercida na condição de Comandante Supremo das Forças Armadas. Embora possa haver provocação por parte de governadores ou presidentes dos demais Poderes, a decisão final compete exclusivamente ao chefe do Executivo federal.
Poder de polícia provisório
Durante a GLO, os militares atuam com poder de polícia, podendo realizar prisões em flagrante, revistas, apreensões e outras medidas típicas de segurança pública, sempre respeitando os limites legais e constitucionais. Essa atribuição é provisória e instrumental, destinada exclusivamente ao cumprimento da missão constitucional.
Coordenação operacional: estrutura e comando
Papel do Ministério da Defesa
O Ministério da Defesa, por meio do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), é responsável pelo planejamento estratégico e pela coordenação das três Forças (Marinha, Exército e Aeronáutica). Para operações de maior envergadura, como a GLO da COP-30, cria-se o Centro de Coordenação de Operações (CCOp), estrutura temporária que centraliza o comando e controle das tropas empregadas.
Coordenação interagências
Um dos pilares da doutrina de GLO é a integração com outras agências governamentais. As Forças Armadas não atuam isoladamente, mas em coordenação estreita com:
- Órgãos de segurança pública (Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar)
- Agências de inteligência (ABIN, setores de inteligência das polícias)
- Defesa Civil
- Autoridades de saúde
- Órgãos de fiscalização e controle
Essa abordagem multissetorial garante eficácia operacional e evita conflitos de atribuição ou duplicidade de esforços.
Emprego da força: princípios e limites
Uso proporcional, razoável e legal da força
O Manual MD33-M-10 estabelece princípios rígidos para o emprego da força em operações de GLO:
a) Proporcionalidade – A força empregada deve ser compatível com a ameaça e o objetivo a ser alcançado. Não se admite excesso.
b) Razoabilidade – A decisão de usar força deve ser justificada pelas circunstâncias, sendo a opção menos gravosa possível para cumprimento da missão.
c) Legalidade – Todas as ações devem estar em estrita conformidade com a lei, respeitando direitos fundamentais e os tratados internacionais de direitos humanos.
Regras de Engajamento e Normas de Conduta
As Regras de Engajamento (RE) são diretrizes operacionais que determinam quando, onde, como e contra quem o uso da força é permitido. Elas são formuladas caso a caso, considerando as especificidades de cada operação, e visam proteger tanto os militares quanto os civis.
As Normas de Conduta estabelecem os princípios éticos que devem guiar o comportamento de cada militar, assegurando respeito aos direitos humanos, dignidade da pessoa humana e legalidade das ações.
Presença, dissuasão e negociação
Nem sempre a GLO significa confronto. A doutrina militar valoriza:
- Presença ostensiva – o mero posicionamento de tropas pode ter efeito dissuasório
- Táticas de negociação – em situações de crise (reféns, barricadas), a negociação é ferramenta prioritária
- Comunicação social – informar a população sobre objetivos da operação, promover colaboração e mitigar rumores
Exemplos históricos de GLO no Brasil
A GLO não é novidade no ordenamento brasileiro. Vejamos alguns precedentes:
a) Pacificação de comunidades no Rio de Janeiro – Tropas federais atuaram em favelas cariocas para combater organizações criminosas e permitir a retomada territorial pelo Estado.
b) Rio Grande do Norte (2017) e Espírito Santo (2017) – Intervenção federal decretada devido a greves de policiais militares e grave colapso da segurança pública.
c) Grandes eventos internacionais – Rio+20 (2012), Copa das Confederações (2013), visita do Papa Francisco (2013), Copa do Mundo (2014), Olimpíadas Rio 2016. Em todos esses casos, as Forças Armadas foram empregadas para garantir segurança de autoridades, delegações estrangeiras e infraestruturas críticas.
d) Processos eleitorais – GLO pode ser decretada para assegurar tranquilidade e lisura de eleições em municípios sob risco de perturbação da ordem.
GLO e concursos públicos: como o tema é cobrado
A Garantia da Lei e da Ordem é tema clássico em provas de Direito Constitucional para carreiras jurídicas de alto nível. Veja os principais enfoques em questões sobre:
Competência
- Quem pode decretar GLO? (Resposta: Presidente da República)
- Quem pode provocar a GLO? (Resposta: Presidente da República, governadores, presidentes dos Poderes Legislativo e Judiciário)
- A GLO pode ser decretada de ofício pelo Presidente? (Resposta: Sim)
Natureza jurídica
- A GLO é atribuição principal ou subsidiária das Forças Armadas? (Resposta: Subsidiária)
- É medida ordinária ou excepcional? (Resposta: Excepcional)
- Pressupõe esgotamento dos meios tradicionais de segurança? (Resposta: Sim)
Limites temporais e espaciais
- A GLO pode ser permanente? (Resposta: Não, deve ser episódica e temporária)
- Deve haver delimitação geográfica? (Resposta: Sim, área restrita)
Poder de polícia
- Durante a GLO, militares exercem poder de polícia? (Resposta: Sim, provisoriamente)
- Esse poder é definitivo ou transitório? (Resposta: Transitório)
Questão comentada de concurso público
(Simulado Inédito – Estilo CESPE/FCC/VUNESP) O Presidente da República, atendendo a pedido do Governador do Estado Alfa, decretou operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em determinada região metropolitana, diante de grave perturbação da ordem pública causada por organizações criminosas. Durante a operação, militares das Forças Armadas realizaram patrulhamento ostensivo, prisões em flagrante e revistas em veículos. Considerando a disciplina constitucional e legal das operações de GLO, assinale a alternativa correta: A) A GLO constitui atribuição principal das Forças Armadas, podendo ser decretada diretamente pelo Ministro da Defesa em casos de urgência, dispensada autorização presidencial. B) Durante operações de GLO, as Forças Armadas exercem, de forma permanente e definitiva, as atribuições de segurança pública em substituição às polícias estaduais. C) A GLO é medida de natureza excepcional e subsidiária, pressupondo o esgotamento dos meios tradicionais de segurança pública, sendo sua decretação competência exclusiva do Presidente da República. D) A Constituição Federal veda expressamente o emprego das Forças Armadas em atividades de segurança pública, reservando-lhes exclusivamente a defesa externa do território nacional. E) O decreto de GLO dispensa delimitação temporal e espacial, permitindo atuação das Forças Armadas em todo o território nacional por prazo indeterminado. GABARITO: C.
COMENTÁRIO:
Alternativa A – INCORRETA: A GLO é atribuição subsidiária (e não principal) das Forças Armadas (LC 97/1999, art. 15, § 2º). Além disso, a competência para decretá-la é exclusiva e indelegável do Presidente da República, na condição de Comandante Supremo das Forças Armadas (CF, art. 142, caput, e art. 84, XIII). O Ministro da Defesa não possui essa atribuição.
Alternativa B – INCORRETA: A atuação das Forças Armadas em GLO é episódica, temporária e limitada, não substituindo de forma permanente as forças de segurança pública. Trata-se de medida provisória até o restabelecimento da normalidade.
Alternativa C – CORRETA: Esta alternativa resume perfeitamente a natureza jurídica da GLO: medida excepcional (não ordinária), subsidiária (pressupõe esgotamento dos meios tradicionais), de competência exclusiva do Presidente da República. Está em conformidade com o art. 142, caput, da CF, a LC 97/1999 e o Decreto 3.897/2001.
Alternativa D – INCORRETA: A Constituição não veda o emprego das Forças Armadas em segurança pública. Ao contrário, o art. 142 prevê expressamente a destinação das Forças Armadas à “garantia da lei e da ordem”, que é exatamente atuação em segurança pública de forma subsidiária. A defesa externa é apenas uma das atribuições constitucionais, não a única.
Alternativa E – INCORRETA: O decreto de GLO deve estabelecer delimitação temporal (prazo determinado) e espacial (área restrita de atuação). A ausência dessas delimitações violaria o caráter excepcional e episódico da medida.
Conclusão estratégica: o que memorizar para sua prova
Para fixação e revisão estratégica, grave os seguintes pontos-chave sobre GLO:
1. Base constitucional: Art. 142, caput, CF – destinação das Forças Armadas à defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem.
2. Natureza jurídica: Medida excepcional e subsidiária (pressupõe esgotamento dos meios tradicionais de segurança pública).
3. Competência: Exclusiva do Presidente da República (pode haver provocação, mas decisão é sempre presidencial).
4. Características: Episódica (temporária), delimitada espacialmente (área restrita), com poder de polícia provisório.
5. Regulamentação: LC 97/1999, Decreto 3.897/2001, Manual MD33-M-10.
6. Princípios do uso da força: Proporcionalidade, razoabilidade e legalidade.
7. Coordenação: Operação interagências (integração com órgãos de segurança pública e outras agências governamentais).
A GLO da COP-30 em Belém é exemplo concreto e atual de como esse instituto constitucional funciona na prática. Mais do que decorar artigos, compreenda a lógica do sistema: as Forças Armadas atuam em segurança pública quando e somente quando os meios ordinários se esgotam, por decisão do Presidente, de forma temporária e limitada, sempre respeitando direitos fundamentais.
Domine esse tema e você estará preparado para enfrentar qualquer questão sobre Forças Armadas, GLO e segurança pública nas provas mais exigentes do país. Afinal, quem domina a Constituição, domina o concurso.
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