O foro por prerrogativa de função, popularmente conhecido como foro privilegiado, sempre foi tema de intensos debates no direito brasileiro. Seu propósito é garantir que tribunais superiores julguem as autoridades, reduzindo riscos de perseguição política e garantindo a imparcialidade dos julgamentos.

No entanto, ao longo dos anos, esse instituto passou por diversas mudanças interpretativas. Isso reflete, portanto, tentativas de equilibrar a proteção das funções públicas e a necessidade de evitar impunidade.
Nos últimos anos, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como na AP 937-QO (2018) e no HC nº 232.627 (2025), redefiniram os critérios de aplicação do foro especial. Essas mudanças consolidaram um novo entendimento sobre a competência para julgar crimes cometidos por autoridades, alterando o critério de “atualidade” para “contemporaneidade”. Mais recentemente, introduziu-se a prorrogação de competência mesmo após o afastamento do cargo.
A tese firmada foi (ainda não houve a conclusão do julgamento):
“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
Evolução do foro especial no STF
AP 937-QO (2018): restrição do foro a crimes cometidos no cargo
Em 2018, no julgamento da Questão de Ordem na AP 937, o STF limitou a aplicação do foro especial aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e que tivessem relação com suas funções. Além disso, estabeleceu que, caso a instrução processual já tivesse sido encerrada (com a intimação para alegações finais), o processo permaneceria na instância original, mesmo que a autoridade deixasse o cargo.
Essa decisão reduziu significativamente o número de processos em tribunais superiores, resultando na remessa de vários processos para a primeira instância. Fixou-se então o critério de “atualidade”:
O foro só existia enquanto a autoridade estivesse no cargo e caso o crime tivesse conexão direta com a função.
HC nº 232.627 (2025): a prorrogação da competência
No entanto, em 2025, nova mudança ocorreu no entendimento do STF. No julgamento do HC nº 232.627, o Tribunal, por maioria de votos, alterou parte da decisão tomada na AP 937.
O novo entendimento, conforme o voto do ministro Gilmar Mendes, estabeleceu que a prerrogativa de foro subsiste mesmo após o afastamento do cargo, desde que o crime tenha sido cometido no exercício da função e em razão dela.
Essa mudança trouxe de volta a ideia de “prorrogação de competência“, permitindo que processos continuassem nos tribunais superiores mesmo que a autoridade deixasse o cargo antes do início da investigação ou da ação penal.
O retorno da “Perpetuação da Competência”
O novo entendimento de 2025 resgatou, em parte, uma lógica já abordada no passado. O § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal (CPP), incluído pela Lei nº 10.628/2002, estabelecia que o foro por prerrogativa de função deveria permanecer válido mesmo que a autoridade deixasse o cargo antes do início da ação penal. Entretanto, o STF declarou essa norma inconstitucional na ADI 2.797, pois violava o princípio do juiz natural e ampliava indevidamente a prerrogativa.
Agora, com a decisão de 2025, o STF restaurou parcialmente essa regra, permitindo que autoridades que cometeram crimes no cargo e em razão dele permaneçam sendo julgadas nos tribunais superiores, mesmo após deixarem suas funções. Isso pode gerar impactos diretos na tramitação de processos envolvendo políticos e agentes públicos, evitando que seus casos sejam remetidos à primeira instância.
Principais consequências da nova interpretação
As mudanças no foro especial geraram efeitos importantes no sistema de justiça criminal. Entre os impactos mais relevantes, destacam-se:
- Maior estabilidade processual: a prorrogação da competência evita mudanças frequentes de foro que poderiam atrasar investigações e julgamentos.
- Redução da impunidade: com a nova regra, autoridades não podem mais evitar o julgamento em tribunais superiores simplesmente deixando o cargo antes da abertura de um inquérito.
- Risco de ampliação do foro especial: apesar da justificativa de estabilidade, pode-se interpretar a decisão como um retorno ao modelo mais abrangente de foro privilegiado, aumentando a carga processual dos tribunais superiores.
Histórico do tema
1964: a Súmula 394 e o foro após o mandato
O primeiro grande marco do foro especial foi a Súmula 394 do STF. Esse entendimento permitia que autoridades continuassem a ser julgadas pelo foro especial mesmo após o fim do mandato, desde que o crime tivesse sido cometido durante o período em que ocupavam o cargo. O argumento era proteger a continuidade da função pública e evitar o desvio de processos para instâncias inferiores, potencialmente sujeitas a influências locais.
1999: cancelamento da Súmula 394
A lógica da Súmula 394 foi revertida em 1999. O STF cancelou esse entendimento, determinando que, ao deixar o cargo, a autoridade perderia automaticamente o foro especial, e que se deveria remeter o processo à primeira instância.
Essa mudança foi um divisor de águas. Isso porque se interrompia a ligação entre a função exercida e o foro especial, limitando sua aplicação ao período do mandato.
2018: AP 937 – decisão limitou drasticamente o foro
O grande divisor de águas ocorreu em 2018. O STF decidiu que o foro especial só se aplicaria a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
Com essa decisão, consolidou-se a regra de “atualidade”: caso a autoridade deixasse o cargo, haveria o encaminhamento do processo à primeira instância.
Essa mudança reduziu significativamente o número de processos em tribunais superiores, levando ao julgamento de diversas autoridades na Justiça comum.
2025: a virada para a regra da contemporaneidade
Em 2025, nova mudança. O STF passou a adotar a regra da “contemporaneidade”, que difere da regra da “atualidade”. Agora, o foro especial se aplica não apenas enquanto a autoridade estiver no cargo, mas também se o crime tiver relação direta com o exercício da função.
Isso significa que, mesmo que a autoridade tenha deixado o cargo, poderá continuar sendo julgada em instância superior se o crime tiver sido cometido em razão da função pública.
Essa decisão representa um novo ajuste no entendimento do foro especial, buscando um meio-termo entre a necessidade de julgar autoridades em tribunais superiores e a necessidade de evitar o uso do foro como ferramenta de impunidade.
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