Forçar cartão amarelo não configura crime? O STF e a atipicidade da conduta no caso Igor Cariús

Forçar cartão amarelo não configura crime? O STF e a atipicidade da conduta no caso Igor Cariús

Ora, vamos comentar o seguinte caso divulgado:

STF decide que forçar cartão a pedido de apostadores não basta para manipular evento esportivo

Isso mesmo, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal proferiu decisão que repercutirá nos debates sobre integridade esportiva e apostas.

Foi o seguinte, no julgamento do habeas corpus de Igor Cariús, lateral que hoje defende o Sport, os ministros concluíram que forçar um único cartão amarelo a pedido de apostadores não configura o crime previsto no artigo 198 da Lei Geral do Esporte.

Perceba, veja que a decisão, embora se restrinja ao caso concreto, cria precedente relevante e exige análise cuidadosa de suas implicações jurídicas.

O contexto

STF decide trancar ação contra Igor Cariús por manipulação em jogos

Ora, Igor Cariús foi denunciado pelo Ministério Público de Goiás sob a acusação de ter recebido trinta mil reais de apostadores para forçar um cartão amarelo durante partida entre Cuiabá e Atlético-MG, válida pelo Campeonato Brasileiro de 2022.

Perceba que, na esfera desportiva, o jogador já havia sido condenado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, recebendo suspensão de um ano.

Contudo, a questão penal apresentava contornos mais complexos.

Com efeito, o Ministério Público fundamentou a denúncia no artigo 198 da Lei nº 14.597/2023, que tipifica a conduta de "solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado".

Destarte, a questão central transformou-se em definir se forçar um cartão amarelo individual subsume-se ao tipo penal mencionado.

A tese da atipicidade

Nesse sentido, a defesa do atleta, composta pelos advogados Vinicius Costa Rocha, Ademar Rigueira e Rafael Carneiro, sustentou a atipicidade da conduta.

Argumentaram que o tipo penal restringe sua incidência a comportamentos destinados a alterar ou falsear o resultado da competição esportiva, e que tomar um único cartão amarelo não possui essa capacidade.

O Ministro Gilmar Mendes, cujo entendimento prevaleceu, acolheu integralmente essa tese defensiva.

cartão amarelo

Veja que seu voto estabeleceu distinção fundamental: a intenção do atleta teria sido promover o êxito de apostas esportivas específicas, e não alterar o resultado da partida ou do campeonato.

Ora, essa diferenciação mostra-se crucial para compreender o raciocínio jurídico adotado.

Perceba o argumento central: embora cartões amarelos possam, em tese, servir como critério de desempate no Campeonato Brasileiro, a obtenção artificiosa de uma única punição desse tipo não possui potencialidade concreta para influenciar a classificação final das equipes.

Com efeito, o Ministro Gilmar Mendes foi categórico ao afirmar que “a conduta de tomar um único cartão amarelo não é suficiente para alterar o resultado de uma competição”.

Destarte, o ministro estabeleceu distinção importante: situação completamente diversa configurar-se-ia caso o atleta promovesse reiteradamente e sistematicamente a obtenção artificiosa de cartões amarelos.

Nesse cenário hipotético, haveria efetivamente influência no resultado da competição e, consequentemente, relevância penal.

Cuidado com o STJ

Nesse sentido, cabe registrar que a decisão da Segunda Turma do STF contrariou frontalmente o posicionamento anteriormente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Isto porque, veja que o STJ havia negado o habeas corpus justamente argumentando que cartões constituem critério de desempate no Campeonato Brasileiro e que, portanto, forçar punições desse tipo alteraria o resultado do evento.

Contudo, o Ministro Gilmar Mendes rejeitou expressamente esse raciocínio.

Perceba que sua fundamentação pautou-se pela análise da potencialidade concreta da conduta, não meramente abstrata.

Ora, entre a possibilidade teórica de cartões influenciarem o desempate e a efetiva capacidade de um único cartão alterar uma competição inteira, há distância considerável.

Divergência

Com efeito, o julgamento não foi unânime.

Isto porque, o Ministro André Mendonça, relator originário do caso, votou pela denegação do habeas corpus, mantendo o andamento da ação penal. Contudo, sua posição restou vencida.

Assim, o Ministro Gilmar Mendes inaugurou divergência, sendo acompanhado pelo Ministro Dias Toffoli, que fundamentou seu voto na “atipicidade em razão do déficit de posicionamento que comprometesse o resultado do campeonato”.

Ademais, os ministros Nunes Marques e Luiz Fux não participaram do julgamento, o que torna ainda mais relevante observar como essa questão poderá ser enfrentada futuramente pelo Plenário do Supremo.

E os outros casos?

Ora, embora formalmente a decisão restrinja-se ao caso concreto de Igor Cariús, ela indubitavelmente cria precedente persuasivo para situações análogas.

Veja que outros atletas, como Bruno Henrique do Flamengo, enfrentam acusações similares de terem forçado cartões amarelos para beneficiar apostadores. Perceba que a tese da atipicidade acolhida pelo STF poderá ser invocada por suas defesas.

Nesse sentido, a decisão suscita questionamentos relevantes sobre a tutela penal da integridade esportiva. Com efeito, se forçar cartões individuais não configura crime por ausência de potencialidade lesiva ao resultado da competição, qual seria o instrumento jurídico adequado para coibir essas práticas? A resposta parece residir na esfera administrativa-desportiva e cível, mas não na criminal…

Análise do tipo penal

Perceba que o artigo 198 da Lei Geral do Esporte exige, para sua configuração, que o ato ou omissão seja “destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”.

Ora, a interpretação desse elemento normativo do tipo tornou-se o cerne da controvérsia.

Veja que duas leituras mostram-se possíveis.

A primeira, mais ampla e adotada pelo STJ, considera que “evento associado à competição” abrange apostas esportivas, e que qualquer manipulação destinada a influenciar mercados de apostas configuraria o crime.

A segunda, mais restritiva e acolhida pelo STF, interpreta que apenas condutas efetivamente aptas a alterar o resultado esportivo propriamente dito subsumem-se ao tipo penal.

Com efeito, o Supremo optou pela hermenêutica restritiva, em consonância com o princípio da taxatividade penal. Destarte, prevaleceu o entendimento de que tipos penais devem ser interpretados de forma estrita, não cabendo analogias in malam partem ou extensões interpretativas que ampliem o alcance da norma incriminadora.


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