Foragido há 18 anos por assassinato surpreende ao chegar até a fase oral em concurso da Polícia Civil. Entenda os detalhes do caso!
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu
Um homem procurado pela Justiça de São Paulo desde 2007 por crime de homicídio prestou concurso para o cargo de investigador de polícia da Polícia Civil de São Paulo, e chegou até a fase de prova oral, oportunidade na qual foi finalmente preso.
O que mais chama a atenção é que o foragido, Cristiano Rodrigues da Silva, foi aprovado na fase de investigação social, etapa onde os antecedentes do candidato são analisados.
Cristiano foi acusado de matar o funcionário de uma pizzaria no bairro Cidade Líder, na zona leste da capital, em novembro de 2006, utilizando, para o cometimento do delito, uma falsa viatura policial.
Com a ajuda de um comparsa, a vítima foi algemada, colocada dentro da falsa viatura e encontrada morta com um tiro na cabeça, em Mairiporã, na Grande São Paulo.
De acordo com a investigação, a dupla usou um automóvel Gol caracterizado como viatura da Polícia Civil, nas cores preto e branco, e se apresentou na pizzaria onde estava a vítima como se fossem investigadores do 46.º Distrito Policial, em Perus.
Depois da execução, o veículo da vítima foi levado e incendiado em Guarulhos. Durante a investigação, a falsa viatura foi encontrada em um estacionamento alugado em nome do comparsa.
A Justiça decretou a prisão preventiva de Silva em 2007, a pedido do Ministério Público, mas ele não se apresentou para responder ao processo e foi considerado foragido.
Cristiano foi aprovado na fase de prova escrita e na fase de investigação social, sendo preso enquanto realizada a prova oral.
Na fase de investigação social os candidatos passam por uma apuração que busca identificar condutas inadequadas e reprováveis do candidato nos mais diversos aspectos da vida em sociedade, incompatíveis com o exercício da função de investigador de Polícia.
A comprovação de idoneidade e conduta escorreita mediante investigação social tem por objetivo a investigação sobre o comportamento ético, social e funcional dos candidatos, e a responsabilidade da apuração é da Academia de Polícia.
A fase de investigação social leva em consideração:
- Antecedentes profissionais e ocupacionais;
- Relações sociais incompatíveis com o exercício da função;
- Inadimplemento de obrigações contratuais;
- Uso de drogas ilícitas.
E a pesquisa em banco de dados abrange:
- Antecedentes criminais nas condições de investigado, autor, indiciado, réu ou condenado, em qualquer localidade nacional ou, se necessário, estrangeira;
- Envolvimento, atual ou pretérito, em ocorrências de natureza policial ou em ato de improbidade administrativa;
- Propriedade de arma de fogo;
- Participação societária;
- Propriedade de veículo automotor e pontuação no prontuário de condutor;
- Redes sociais.
Em nota, a Polícia Civil diz que, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a investigação social não pode ser usada para excluir um candidato de processo seletivo, a não ser no caso de a pessoa ter contra si sentença condenatória transitada em julgado, o que não era o caso de Silva. Conclui a nota:
“Após ser identificada na análise social e existência de mandado de prisão contra o candidato, ele foi preso, ficando impedido de realizar a etapa seguinte, o que resultou na desclassificação”
O que diz o STF
A investigação social em concursos públicos é uma fase do certame que, além de servir à apuração de infrações criminais, presta-se a avaliar idoneidade moral e lisura daqueles que desejam ingressar nos quadros da administração pública.
Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça entendem que o candidato não pode ser eliminado de concurso público, na fase de investigação social, em virtude da existência de termo circunstanciado, inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado ou extinta pela prescrição da pretensão punitiva.
A questão foi consolidada pelo Supremo no julgamento do TEMA 22, senão vejamos:
Tese fixada no TEMA 22, do STF:
“Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal”
A eliminação do candidato do concurso na fase de investigação social pressupõe, portanto:
- Condenação definitiva; e
- Relação de incompatibilidade entre a natureza do crime em questão e as atribuições do cargo concretamente pretendido, a ser demonstrada de forma motivada por decisão da autoridade competente”.
Entretanto, a lei pode instituir requisitos mais rigorosos para determinados cargos, em razão da relevância das atribuições envolvidas, como é o caso, por exemplo, das carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça e da segurança pública (CRFB/1988, art. 144), sendo vedada, em qualquer caso, a valoração negativa de simples processo em andamento, salvo situações excepcionalíssimas e de indiscutível gravidade.
Mas o Supremo não parou por aí, já que, posteriormente, consolidou um entendimento mais abrangente sobre o tema.
O artigo 15, III, da Constituição Federal, determina que em caso de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, os direitos políticos são suspensos.
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. (CF/88)
A interpretação predominante na doutrina e jurisprudência é no sentido de que, enquanto estiver sendo cumprida a pena imposta, o condenado criminalmente permanece com os direitos políticos suspensos.

Daí surge a pergunta: a suspensão dos direitos políticos pode ser invocada para impedir a nomeação e posse do condenado aprovado em concurso público? Muitos editais trazem esse requisito, tentando impedir a nomeação daquele que está cumprindo pena.
Requisito básico para investidura em cargo público
Em âmbito federal, a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, exige como requisito básico para investidura em cargo público, dentre outros, o gozo dos direitos políticos.
Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público: I - a nacionalidade brasileira; II - o gozo dos direitos políticos; III - a quitação com as obrigações militares e eleitorais; IV - o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo; V - a idade mínima de dezoito anos; VI - aptidão física e mental. (Lei nº 8.112/90)
Mas o STF tem entendimento pacificado sobre a questão em sentido contrário. E essa pacificação se deu no julgamento do TEMA 1.190, onde foi fixada a seguinte tese:
TEMA 1.190:
É inconstitucional, por violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (CF, artigo 1º, III e IV), a vedação a que candidato aprovado em concurso público venha a tomar posse no cargo, por não preencher os requisitos de gozo dos direitos políticos e quitação eleitoral, em razão de condenação criminal transitada em julgado (CF, artigo 15, III), quando este for o único fundamento para sua eliminação no certame, uma vez que é obrigatoriedade do Estado e da sociedade fornecer meios para que o egresso se reintegre à sociedade. O início do efetivo exercício do cargo ficará condicionado ao regime da pena ou à decisão judicial do juízo de execuções, que analisará a compatibilidade de horários.
Portanto, o STF decidiu que condenados aprovados em concursos públicos podem ser nomeados e empossados, desde que não haja incompatibilidade entre o cargo a ser exercido e o crime cometido nem conflito de horários entre a jornada de trabalho e o regime de cumprimento da pena.
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes explicou que a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal não alcança direitos civis e sociais.
“O que a Constituição Federal estabelece é a suspensão do direito de votar e de ser votado, e não do direito a trabalhar”, assinalou, ressaltando que a ressocialização dos presos no Brasil é um desafio que só pode ser enfrentado com estudo e trabalho.
Constou no acórdão que gerou o TEMA 1.190 que:
“o direito ao trabalho é um direito social (art. 6º da CF/1988) que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e IV, da CF/1988), sendo meio para se construir uma sociedade livre, justa e solidária; para se garantir o desenvolvimento nacional; bem como para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I, II, e III, da CF/1988); não se confundindo com os direitos políticos...
Não é razoável que o Poder Público, principal responsável pela reintegração do condenado ao meio social, obstaculize tal finalidade, impossibilitando a posse em cargo público de candidato que, a despeito de toda a dificuldade enfrentada pelo encarceramento, foi aprovado em diversos concursos, por mérito próprio.”
Conclusão – Foragido por assassinato
Em resumo, o STF, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, associado à ressocialização do condenado como uma das finalidades do cumprimento da pena, tem garantido a nomeação e posse de condenados aprovados em concurso público, desde que não haja incompatibilidade entre o cargo a ser exercido e o crime cometido nem conflito de horários entre a jornada de trabalho e o regime de cumprimento da pena.
No caso de Cristiano, é importante ressaltar que sobre ele pesava um mandado de prisão em aberto, o que justificou sua prisão imediata, durante a prova oral.
Ótimo tema para provas de direito constitucional, direito administrativo e direito processual penal. Importante acompanhar o desenrolar desse caso.
Foragido por assassinato
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Foragido por assassinato
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