Um assunto muito importante foi destaque no Informativo 829 do STJ, de 15 de outubro de 2024.
Isto porque, a Primeira Seção decidiu uma questão bem relevante sobre honorários advocatícios quando uma execução fiscal extingue-se por prescrição intercorrente. O caso, julgado em 9 de outubro de 2024, envolveu três recursos especiais (REsp 2.046.269-PR, REsp 2.050.597-RO e REsp 2.076.321-SP), todos relatados pelo Ministro Gurgel de Faria.
Trata-se de um tema que provoca emoção em todos os lados, rsrs.
A questão central é: quando o juiz manda arquivar uma execução fiscal por conta da prescrição intercorrente (aquela do famoso artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais), e mesmo depois que o devedor apresente uma exceção de pré-executividade alegando o tema, até se houver resistência da Fazenda Pública, o advogado do devedor tem direito a receber honorários?
Logo, a questão era determinar se caberia a fixação de honorários advocatícios quando uma exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, conforme previsto no art. 40 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais).
Antes, vamos aprofundar o que é a exceção de pré-executividade.
Exceção de pré-executividade
A exceção de pré-executividade é um meio de defesa do executado contra a execução fiscal, permitindo que ele intervenha no curso do processo para comunicar ao juiz a existência de algum óbice ao seu prosseguimento.
Inicialmente, as matérias passíveis de serem alegadas eram apenas aquelas que o magistrado poderia reconhecer de ofício. Esse fundamento está previsto no Código de Processo Civil (CPC), especialmente no § 3º do art. 485:
Art. 485, § 3º: "O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado."
Esse instituto tornou-se conhecido a partir de parecer de Pontes de Miranda em casos envolvendo execuções baseadas em títulos nulos. Foi inclusive pela ausência de uma dessas condições que o instituto tornou-se conhecido: a partir do parecer de Pontes de Miranda, no caso da indústria siderúrgica Manesmann, no qual a empresa foi alvo de diversas execuções fundadas em títulos nulos.
Contudo, sua origem remonta ao Decreto Imperial nº 9.885/18881, que permitia a defesa nas execuções propostas pela Fazenda sem prévia garantia de juízo, e ao Decreto nº 5.225/1932 do Estado do Rio Grande do Sul, que criou a exceção de impropriedade do meio executivo2.
Atualmente, pode-se arguir qualquer matéria de ordem pública desde que exista prova pré-constituída, vedando-se a dilação probatória:
Súmula 393-STJ: A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.
Como tema já caiu em provas
(CESPE / CEBRASPE - 2024 - Prefeitura de Camaçari - BA - Procurador do Município) O manejo da exceção de pré-executividade comporta dilação probatória sobre a questão controvertida. (Errado)
(CESPE / CEBRASPE - 2024 - Prefeitura de Mossoró - RN - Procurador Jurídico) A exceção de pré-executividade é mecanismo de defesa do executado na ação de execução fiscal, mesmo nos casos que demandem dilação probatória. (Errado)
(FCC – PGE-GO 2024) A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente as matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória. (Certo)
Assim, a exceção de pré-executividade é uma forma de defesa do executado que, por meio de uma simples petição3, alega ao juízo da execução matérias que podem ser provadas documentalmente, não necessitando de outras provas.
Nas palavras da Min. Assussete Magalhães:
“Construção doutrinária e jurisprudencial, a Exceção de Pré-Executividade consiste em meio de defesa do executado, tal qual os Embargos à Execução. Difere deste último, sobretudo, pelo objeto: enquanto os Embargos à Execução podem envolver qualquer matéria, a Exceção de Pré-Executividade limita-se a versar sobre questões cognoscíveis ex officio, que não demandem dilação probatória.”
Assim, perceba uma característica importante: há ampla discussão probatória nos embargos à execução fiscal, diferentemente do que existe na exceção de pré-executividade.
A terminologia “exceção de pré-executividade”, apesar de ser bastante conhecida e utilizada nos julgados do STJ, é criticada por alguns autores. Assim, você pode encontrar em alguns livros esta defesa sendo chamada de “objeção de pré-executividade”, “objeção de não-executividade” ou “exceção de não-executividade”.
Perceba, a exceção não tem previsão no ordenamento jurídico, fruto de criação jurisprudencial.
(CESPE / CEBRASPE - 2024 - Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim - ES – Procurador) A exceção de preexecutividade é incidente processual previsto em lei como meio de defesa formulado na própria execução fiscal. (Errado)
Então, caberia usar a exceção de pré-executividade para alegar prescrição intercorrente?
Depende.
Se não houver produção probatória, pode.
Mas, caso haja produção probatória, não é possível.
Perceba, o cerne é de dupla admissibilidade: “questão de ofício/ordem pública” + não ter dilação probatória, caso contrário, não é possível alegar.
Agora, vamos ao caso concreto.
O que é a prescrição intercorrente?
Prescrição intercorrente é aquela que ocorre durante o processo judicial em virtude da demora em se prolatar uma decisão pondo fim à causa:
“Revela-se a prescrição intercorrente em uma sanção civil pela inércia à continuidade do processo. Penaliza-se o autor da pretensão pela sua inércia, após o ajuizamento da ação, defendendo-se a tese de que o processo teria certo prazo para ser impulsionado. Configura-se, portanto, quando o autor de um processo judicial em curso permanece inerte, de modo contínuo, durante o prazo estipulado em lei para a perda da pretensão. A prescrição intercorrente é aquela que ocorre dentro do processo. É uma prescrição de meio, no curso de um processo.” FIGUEIREDO, Luciano; FIGUEIREDO, Roberto. Manual de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 367.
Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:
“A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.”
O CPC/2015 disciplinou a prescrição intercorrente nos §§ 1º a 5º do art. 921.
A Lei nº 14.195/2021 promoveu alterações nessas regras, acrescentando ainda os §§ 4º-A, 5º, 6º e 7º.
Ok, mas qual era o entendimento do STJ, haveria honorários se houvesse resistência (se negasse a concordar) com a prescrição intercorrente nos Embargos à Execução Fiscal?
Não.
Já era entendimento, plenamente aplicado aos Embargos à Execução fiscal:
A resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente não é capaz de afastar o princípio da causalidade na fixação dos ônus sucumbenciais, mesmo após a extinção da execução pela prescrição.
STJ. Corte Especial. EAREsp 1.854.589-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 9/11/2023 (Informativo 795).
Ok, e o que fez o STJ, agora?
Ele basicamente pegou o mesmo entendimento e aplicou também para a exceção de pré executividade:
“À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da Lei n. 6.830/1980.”
REsp n. 2.076.321/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 9/10/2024, DJe de 15/10/2024.
Qual foi o fundamento?
O STJ, ao analisar o tema, confrontou dois princípios fundamentais do direito processual: o princípio da sucumbência e o princípio da causalidade. O princípio da sucumbência, previsto no art. 85 do CPC/2015, determina que a parte vencida deve arcar com os honorários do advogado da parte vencedora. Já o princípio da causalidade busca responsabilizar aquele que deu causa à necessidade da ação judicial.
No caso específico da prescrição intercorrente em execuções fiscais, o STJ entendeu que o reconhecimento dessa prescrição não elimina as premissas que autorizavam o ajuizamento da execução fiscal. Isto é, a certeza e liquidez do título executivo e a inadimplência do devedor permanecem como fatos geradores da ação, mesmo que posteriormente ocorra a prescrição intercorrente.
O Ministro Gurgel de Faria, em seu voto, destacou que a prescrição intercorrente, diferentemente da prescrição ordinária, ocorre já no curso da execução fiscal, geralmente devido à não localização do devedor ou de seus bens. Essa circunstância, segundo o entendimento do STJ, não pode ser atribuída à inércia do credor (Fazenda Pública), mas sim à conduta do próprio devedor.
Assim, a Corte concluiu que, mesmo nos casos em que a Fazenda Pública se opõe ao reconhecimento da prescrição intercorrente, não seria justo condená-la ao pagamento de honorários advocatícios. O raciocínio é que o executado, ao não cumprir sua obrigação original e dificultar sua localização ou a de seus bens, foi o verdadeiro causador da lide.
Como o tema já caiu em provas
CESPE / CEBRASPE - 2024 - Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim - ES - Procurador Em atenção ao princípio da sucumbência, a extinção da execução, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente arguida em embargos à execução opostos pelo devedor, deve resultar na condenação do exequente em honorários advocatícios. (Errado)
- NOLASCO, Rita. Exceção de pré-executividade. São Paulo: Método, 2003, p. 170. ↩︎
- Fredie Didier explica que, quando a exceção de pré-executividade foi idealizada, ela somente servia para alegar matérias que pudessem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Contudo, com o tempo, a doutrina e a jurisprudência passaram a aceitá-la mesmo quando a matéria deduzida não fosse de ordem pública (cognoscível de ofício), desde que houvesse prova pré-constituída da alegação feita pelo executado.
Assim, segundo informa o autor baiano, o critério passou a ser o seguinte: qualquer alegação de defesa pode ser veiculada por meio de exceção de pré-executividade, desde que possa ser comprovada por prova pré-constituída (DIDIER JR., Fredie; et. al. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 5. Execução. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 403). ↩︎ - Na jurisprudência do STF, a exceção de pré-executividade teria natureza jurídica de direito de petição (direito fundamental). ↩︎
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