STJ decide que crime de falsa identidade é formal e se consuma com a simples declaração – Tema 1255

STJ decide que crime de falsa identidade é formal e se consuma com a simples declaração – Tema 1255

Falsa identidade

Imagine a seguinte situação: João é abordado em uma blitz policial e, sabendo que possui antecedentes criminais, se identifica como “Pedro Silva” para evitar problemas. Minutos depois, a polícia descobre a mentira e João confessa sua verdadeira identidade. Houve crime mesmo sem nenhum prejuízo efetivo?

A resposta é sim, e agora o Superior Tribunal de Justiça deixou isso cristalino. No dia 14 de maio, a Terceira Seção julgou o Tema 1255 e estabeleceu de forma definitiva que o crime de falsa identidade é formal, consumando-se no exato momento da declaração falsa, independentemente de qualquer resultado prático.

A decisão foi unânime, relatada pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, e resolve uma controvérsia que vinha gerando divergências nos tribunais brasileiros há anos.

O crime de falsa identidade na prática

Antes de entendermos a decisão, é importante compreender exatamente o que configura o crime de falsa identidade. O artigo 307 do Código Penal é claro:

"Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem".

Na prática, isso acontece quando alguém:

  • Se identifica com nome diferente do verdadeiro;
  • Fornece dados pessoais incorretos (data de nascimento, naturalidade, etc.);
  • Atribui identidade falsa a outra pessoa;
  • Tudo isso com a finalidade específica de obter vantagem ou causar dano.

Perceba, o bem jurídico protegido é a fé pública.

Mais especificamente, a confiança que temos nas relações sociais quanto à identidade das pessoas.

É diferente do uso de documento falso (artigo 304), pois aqui não há necessariamente um documento envolvido – basta a declaração verbal falsa.

A controvérsia que dividia os tribunais

Até a decisão do STJ, existia uma divergência fundamental sobre quando exatamente o crime se consumava. Assim, havia duas correntes principais:

Primeira corrente: o crime só se consumaria quando houvesse efetivo prejuízo ou vantagem obtida. Ou seja, se a polícia descobrisse imediatamente a mentira, não haveria crime consumado.

Segunda corrente: o crime se consuma no momento da declaração falsa, independentemente de qualquer resultado posterior.

No entanto, essa divergência criava situações estranhas.

Isto porque, em alguns tribunais, réus eram absolvidos porque a polícia havia descoberto rapidamente a mentira. Em outros, pessoas eram condenadas mesmo sem qualquer prejuízo efetivo. A insegurança jurídica era evidente.

A solução do STJ

O Ministro Joel Ilan Paciornik construiu fundamentação sólida para resolver definitivamente a questão. A análise partiu da própria estrutura do tipo penal e da natureza jurídica do crime.

Crime formal vs. crime material

Para entender a decisão, é essencial compreender a diferença entre crimes formais e materiais:

Crimes materiais: exigem um resultado naturalístico para a consumação. Por exemplo: no homicídio, é preciso que a vítima efetivamente morra.

Crimes formais: consumam-se com a simples prática da conduta descrita no tipo, independentemente de resultado naturalístico. Exemplo: na extorsão, o crime se consuma com a ameaça, mesmo que a vítima não pague.

O STJ analisou cuidadosamente a redação do artigo 307 e concluiu que se trata de crime formal.

A razão é técnica: embora o tipo mencione finalidades específicas (“obter vantagem” ou “causar dano”), essas são elementos subjetivos do injusto – ou seja, devem estar presentes na intenção do agente, mas não precisam ser efetivamente alcançadas.

Elementos essenciais do crime

Conforme a decisão do STJ, para a configuração do crime de falsa identidade são necessários:

Elemento objetivo: conduta comissiva de atribuir dados inexatos sobre identidade (própria ou alheia). O verbo “atribuir” exige uma ação positiva – não há falsa identidade por omissão.

Elemento subjetivo: consciência e voluntariedade na atribuição da identidade falsa, além da finalidade específica de obter vantagem ou causar dano.

Momento da consumação: exato instante em que o agente fornece os dados inexatos, sendo irrelevante se:

  • O destinatário acredita ou não na informação;
  • Há efetivo prejuízo a terceiros;
  • O agente obtém a vantagem pretendida;
  • A mentira é descoberta posteriormente.

Relação com a Súmula 522 do STJ

A decisão do Tema 1255 se harmoniza perfeitamente com a Súmula 522 do STJ, aprovada em 2015: “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”.

Ora, a Súmula já havia resolvido a questão da autodefesa, deixando claro que o direito constitucional de não se autoincriminar não autoriza fornecer identidade falsa. Como explicam os tribunais superiores, a autodefesa permite:

  • Permanecer em silêncio;
  • Mentir sobre os fatos (sem imputá-los a terceiros inocentes);
  • Não colaborar com as investigações.

Mas não permite usar documentos falsos ou atribuir identidade falsa. Esses são crimes autônomos que ofendem a fé pública e não se confundem com o exercício da autodefesa.

Casos práticos ilustrativos

Para tornar a decisão mais clara, vejamos então alguns exemplos práticos:

Caso 1 – Crime consumado:

Maria é abordada em uma operação policial e se identifica como “Ana Santos”, fornecendo dados pessoais falsos. Segundos depois, um policial que a conhece revela sua verdadeira identidade.

Resultado: Crime consumado no momento da declaração falsa.

Caso 2 – Crime consumado:

Carlos apresenta-se como “José Silva” em uma delegacia, mas esquece de trazer documentos. O delegado desconfia e pede para ele voltar no dia seguinte com documentos. Carlos não retorna.

Resultado: Crime consumado, mesmo sem documentos e sem vantagem obtida.

Caso 3 – Crime consumado:

Durante uma blitz, Roberto diz chamar-se “Paulo” e fornece outros dados falsos. A operação termina sem que a polícia descubra a mentira, e Roberto segue viagem normalmente.

Resultado: Crime consumado, independentemente de a mentira ter sido descoberta

Impactos na jurisprudência

Com a definição do Tema 1255, espera-se significativa uniformização da jurisprudência nacional. Tribunais que vinham absolvendo réus pela ausência de resultado naturalístico deverão revisar sua orientação.

A decisão também pode influenciar a análise de outros crimes formais contra a fé pública, reforçando a interpretação de que a consumação independe de resultados práticos quando a própria estrutura do tipo assim indica.

Diferenciação com crimes conexos

Inclusive, é importante não confundir a falsa identidade com outros crimes similares:

CrimeDiferença principalExemplo
Uso de documento falso (art. 304)Exige documento material falsificadoApresentar RG falso
Falsidade ideológica (art. 299)Falsidade em documento verdadeiroDeclarar renda falsa em formulário
Denunciação caluniosa (art. 339)Imputação de crime a inocenteAcusar falsamente alguém de roubo

Na falsa identidade, basta a declaração verbal de dados incorretos sobre identidade, sem necessidade de documentos ou imputação de crimes.

A tese aprovada – “O delito de falsa identidade é crime formal, que se consuma quando o agente fornece, consciente e voluntariamente, dados inexatos sobre sua real identidade, e, portanto, independe da ocorrência de resultado naturalístico”.


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