De início, vamos comentar o informativo 861 do STJ no seguinte destaque:
A investigação social em concursos públicos para carreiras de segurança pública pode considerar condutas morais e sociais incompatíveis, além de antecedentes criminais, para exclusão de candidatos. RMS 70.921-PA, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 2/9/2025.

In casu, Mikenedy de Freitas Leão, candidato ao cargo de Escrivão de Polícia Civil do Estado do Pará, logrou aprovação nas quatro etapas iniciais do concurso regido pelo Edital nº 01/2020 – SEPLAD/DPCPA, sendo, todavia, desclassificado na quinta fase, correspondente à “Investigação Criminal e Social”.
Nessa linha, a controvérsia instaurada cingiu-se à legitimidade da exclusão de candidato aprovado em concurso público com fundamento em circunstâncias que não configuravam condenação criminal transitada em julgado.
Vamos analisar pormenorizadamente o caso.
O que pensa o STF?
Para o deslinde da questão, mostra-se imprescindível o exame da jurisprudência consolidada pelo Pretório Excelso no julgamento do Recurso Extraordinário nº 560.900/DF, sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, que fixou a tese de repercussão geral no Tema 22, assim enunciada:
"Sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal".
Ora, conquanto tal entendimento tenha estabelecido como regra geral a impossibilidade de eliminação de candidatos com base na mera existência de procedimentos investigativos ou processos penais em curso, o próprio acórdão paradigmático reconheceu expressamente a possibilidade de mitigação dessa orientação em virtude das circunstâncias específicas do caso concreto, mormente quando se tratar de concursos públicos para carreiras da segurança pública.
Nesse diapasão, conforme consignado na decisão do STF, “a lei pode instituir requisitos mais rigorosos para determinados cargos, em razão da relevância das atribuições envolvidas, como é o caso, por exemplo, das carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça e da segurança pública (CRFB/1988, art. 144), sendo vedada, em qualquer caso, a valoração negativa de simples processo em andamento, salvo situações excepcionalíssimas e de indiscutível gravidade”.
Destarte, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu balizas hermenêuticas que autorizam a flexibilização do princípio geral em situações excepcionais, especialmente quando as carreiras em questão ostentam natureza eminentemente estatal e envolvem o exercício de atividades típicas de Estado, com autoridade sobre a vida e a liberdade de toda a coletividade.
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o caso sub examine, firmou entendimento no sentido de que a investigação social transcende a mera análise de antecedentes criminais formais, abrangendo também a avaliação da conduta moral e social do candidato no decorrer de sua existência.
Nessa senda, conforme jurisprudência iterativa da Corte Superior, "a Investigação Social não se resume em analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que eventualmente tenha praticado, mas também quanto à conduta moral e social no decorrer de sua vida, objetivando examinar o padrão de comportamento do candidato à carreira policial em razão das peculiaridades do cargo, que exigem retidão, lisura e probidade do agente público" (AgInt no AREsp n. 2.490.416/DF, Relator o Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 4/6/2024).
Outrossim, o edital do concurso em questão dispunha expressamente, em seu item 16.1.1, que “a Investigação para verificação dos antecedentes pessoais do candidato dar-se-á durante todo o transcurso do concurso, incluindo 1ª e 2ª fases, por meio de investigação no âmbito social, funcional, civil e criminal, para aferição da conduta social irrepreensível e da idoneidade moral compatível com a função policial”.
Ademais, o item 16.2 estabelecia que “A Investigação Criminal e Social tem caráter eliminatório e visa apurar se o candidato ao cargo apresenta procedimento social e tem idoneidade moral compatíveis com a dignidade do cargo pretendido”.
Com efeito, a previsão editalícia revelou-se consonante com a jurisprudência consolidada, na medida em que conferiu amparo normativo para a avaliação multifacetada da personalidade e da conduta do candidato, não se limitando aos aspectos estritamente penais.
Fatos que ensejaram a exclusão no caso concreto
A investigação social levada a termo pelo Núcleo de Inteligência da Polícia Civil do Estado do Pará identificou um conjunto de circunstâncias que, analisadas em sua integralidade, demonstraram incompatibilidade manifesta entre o perfil do candidato e as exigências inerentes ao cargo pretendido. Segundo consta da Ficha de Avaliação de Investigação Social (fls. 420-432 dos autos), foram apurados os seguintes elementos desabonadores:
Primeiramente, restou consignado que o candidato “tentou suicídio utilizando a faixa de jiu-jitsu”, conforme registrado no Boletim de Ocorrência nº 00002/2018.105203-1, o que, na avaliação técnica da comissão examinadora, demonstrava “não ter capacidade de portar arma de fogo para exercer a carreira policial”. Nesse compasso, tal circunstância suscitou legítimas preocupações acerca da estabilidade psicológica necessária ao desempenho das funções policiais.
Em segundo lugar, verificou-se que o recorrente respondia ao Processo nº 0014838-88.2013.8.14.0401, na 1ª Vara do Tribunal do Júri de Belém, “por crime de duplo homicídio qualificado praticado contra os jovens Flávio dos Santos Miranda Júnior, 18 anos e Elliot Alves Pereira, 17 anos, mortos a tiros quando acompanhavam um velório realizado em um centro comunitário no conjunto providência, bairro Val-de-Cães, em Belém”.
Ademais, foi constatado que o candidato “foi preso temporariamente, por 30 dias, por homicídio qualificado em 24/02/2016, sendo convertida em prisão preventiva em 23/03/2016”, circunstância que evidenciou a gravidade das imputações penais.
Por derradeiro, e de especial relevância, apurou-se que o recorrente “foi julgado incapaz, definitivamente, aguardando o processo de reforma”, conforme informação obtida junto ao Centro de Inteligência da Polícia Militar do Pará, constante do Boletim Geral da PMPA nº 2097-25 MAIO 2020.
Parecer conclusivo da Polícia
O parecer conclusivo da investigação social, elaborado pelos órgãos competentes, consignou que “o acesso ao Cargo de policial civil de alguém que responde processo por homicídio duplamente qualificado, ter sido julgado pela Polícia Militar definitivamente incapaz para ser policial militar e seu histórico psicológico compromete uma das mais importantes instituições do Estado, e não pode ser tolerado a quem incumbe a manutenção da ordem pública”.
Nessa toada, a conclusão técnica fundamentou-se não apenas na existência de processo criminal em curso, mas no conjunto probatório que evidenciava um padrão comportamental incompatível com as exigências da carreira policial.
Sob essa ótica, não se tratava de questionar a culpabilidade ou inocência do candidato no âmbito criminal, mas de proceder à valoração de sua conduta moral e social.
E o que disse o STJ?
O eminente Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, ao proferir o voto condutor, destacou que “a investigação social em concursos públicos para carreiras de segurança pública pode considerar condutas morais e sociais incompatíveis, além de antecedentes criminais, para exclusão de candidatos”,
Nesse sentido, o acórdão enfatizou que “a exigência de idoneidade moral para ingresso em carreiras de segurança pública é legítima e consistente com o texto constitucional”, porquanto “as carreiras de segurança pública configuram atividade típica de Estado, com autoridade sobre a vida e a liberdade de toda a coletividade, em razão do que é imperativo que os ocupantes desses cargos estejam submetidos a critérios mais severos de controle”.
Outrossim, o julgado ressaltou que “não se trata, portanto, de verificar sobre eventual culpa ou inocência do impetrante em relação ao processo criminal a que respondeu, mas de valoração da conduta moral do candidato”, estabelecendo, assim, clara distinção entre os âmbitos penal e administrativo.
Nessa linha, a decisão do STJ reafirmou a legitimidade constitucional da aplicação de critérios mais rigorosos para o ingresso em carreiras de segurança pública.
Nessa esteira, conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, "as carreiras de segurança pública são atividades típica de Estado, com autoridade sobre a vida e a liberdade de toda a coletividade, em razão do que é imperativo que os ocupantes desses cargos estejam submetidos a critérios mais severos de controle" (RE 1.358.565-AgR/MG, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe de 8.3.2022).
Inobstante a força normativa do princípio da presunção de inocência, o ordenamento jurídico pátrio reconhece a necessidade de estabelecer salvaguardas especiais para o ingresso em carreiras que detêm o monopólio da força estatal. Assim sendo, a investigação social revela-se instrumento legítimo e necessário para assegurar que apenas indivíduos com perfil adequado ingressem em tais carreiras.
Ademais, a jurisprudência reconhece que “não se discute, aqui, a presunção de inocência, mas os requisitos de ordem moral indispensáveis ao desempenho das funções de natureza policial, podendo a Administração Pública concluir pela não classificação do candidato quando baseada em fatos concretos, atuais ou pregressos, que não recomendem o ingresso no cargo público”.
A absolvição posterior e a manutenção da exclusão
Malgrado o recorrente tenha informado, em petição posterior, que foi absolvido na Ação Penal n. 0014838-88.2013.8.14.0401 “por negativa de autoria, pelo Conselho de Sentença do 1º Tribunal do Júri da Comarca de Belém/PA”, tal circunstância não alterou o fundamento da exclusão.
Dessarte, conforme asseverado pelo Tribunal, a investigação social não se limita à verificação de eventual culpabilidade criminal, mas abrange a avaliação integral da conduta moral e social do candidato.
Por conseguinte, a absolvição criminal posterior não possui o condão de invalidar a decisão administrativa fundamentada em outros elementos desabonadores da conduta.
Ok, mas vamos conciliar tudo que se sabe do STJ e do STF?
Situação analisada | Pode eliminar? | Tribunal / Julgado | Fundamento central |
Inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado | Não | STF – RE 560.900/DF (Tema 22, RG, 2020) | Presunção de inocência. Só lei pode prever restrição. Exceções: cargos sensíveis (magistratura, MP, segurança pública). |
Inquérito, TCO ou ação penal sem trânsito | Não | STJ – Jurisprudência em Teses (Ed. 9, Tese 13) | Não pode eliminar por procedimento sem condenação definitiva ou extinto pela prescrição. |
Delegado ou funções típicas de Estado (“stricto sensu”) | Sim (exceção) | STJ – Jurisprudência em Teses (Ed. 9, Tese 14) | Maior rigor justificado para funções típicas de Estado. |
Uso de drogas há 7 anos (relato espontâneo), candidato já servidor público | Não | STJ – AREsp 1.806.617/DF, 2ª T., Rel. Og Fernandes, 01/06/2021 (Info 699) | Seria sanção perpétua (art. 5º, XLVII, b, CF). Proporcionalidade/razoabilidade. |
Fato desabonador antigo (10 anos antes do certame) | Não | STJ – REsp 817.540/RS, 6ª T., Rel. Maria Thereza, 01/10/2009 | Eliminação desarrazoada e desproporcional. |
Candidato com transação penal | Não | STJ – REsp 1302206/MG, 2ª T., 2013; AgInt no REsp 1453461/GO, 1ª T., 2018 | Transação penal não equivale a condenação (art. 76, Lei 9.099/95). |
Candidato com medida socioeducativa na adolescência | Não | STJ – RMS 48.568/RJ, 2ª T., Rel. Humberto Martins, 17/11/2015 | Excluir ressocializado afronta CF/88 e ECA (Lei 12.594/2012). |
Omissão de informações no formulário | Sim | STJ – AgRg no RMS 39.108/PE, 2ª T., Rel. Humberto Martins, 23/04/2013; Jurisprudência em Teses (Ed. 9, Tese 16) | Eliminação válida: violação do dever de veracidade. |
Nome em cadastros de crédito (SPC/Serasa) | Não | STJ – RMS 30.734/DF, 5ª T., Rel. Laurita Vaz, 20/09/2011; Jurisprudência em Teses (Ed. 9, Tese 15) | Critério desproporcional e irrazoável. |
Indiciamento por crime de menor potencial ofensivo com transação penal | Não | STJ – AgInt no REsp 1453461/GO, 1ª T., Rel. Regina Helena Costa, 09/10/2018 | Incompatível com razoabilidade e proporcionalidade. |
Como o tema já caiu em concursos
Provas: CESPE - 2014 - ANATEL - Conhecimentos Básicos - Cargos 13, 14 e 15
Julgue o item seguinte, referente a agentes públicos e poder de polícia.
Em um concurso público que requeira investigação social como uma de suas fases, a existência de inquérito policial instaurado contra o candidato não tem, por si só, o poder de eliminá-lo do certame. (Certo)
Prova: CESPE - 2017 - DPE-AC - Defensor Público
Com base nas disposições constitucionais e na jurisprudência do STF, julgue os itens a seguir, a respeito de concursos públicos.
II. Candidato condenado em ação penal, ainda que não transitada em julgado, poderá ser excluído do certame na fase de investigação social. (Gabarito da banca: errado)
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