Em agosto de 2025, a juíza Karen Rick Danilevicz Bertoncello, da 13ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, julgou improcedente a ação ajuizada por Andressa de Faveri Urach em face da Igreja Universal do Reino de Deus.
Nessa linha, tratava-se de ação declaratória de nulidade de ato jurídico, cumulada com pedidos indenizatórios, em que a autora pretendia reaver cerca de R$ 2 milhões em doação entre 2015 e 2019.
Vale salientar que, a sentença não apenas afastou os fundamentos invocados pela requerente, como também fixou condenação em honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, além de revogar o benefício da justiça gratuita, concedido inicialmente em caráter precário.
Vamos aprofuntar o inteiro teor que foi aqui divulgado:
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5015183-29.2021.8.21.0001/RS
Da inicial
Trata-se de ação declaratória de nulidade de ato ajuizada por ANDRESSA DE FAVERI URACH em face de IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, partes já qualificadas. Para tanto, narrou, em síntese, após passar por procedimento cirúrgico, teve um agravamento do seu quadro de saúde e que, nos dias que esteve internada, recebeu visitas de pastores no hospital. Alegou que passou a ter contato frequente com a congregação, frequentando cultos e eventos da Igreja Universal. Ainda, sustentou que foi compelida moral e espiritualmente a fazer doações em troca de benefícios, por isso realizou inúmeras contribuições financeiras à parte ré. Discorreu, no entanto, que as doações acarretaram sua ruína financeira e, em razão disso, a Igreja deixou de ter interesse pela sua pessoa. Foi nesse momento que passou a perceber a realidade de outra forma, então rebelou-se contra os ensinamentos e deixou de seguir os conselhos e determinações dadas pelos líderes religiosos. Discorreu sobre o direito incidente. Ao final, requereu a procedência dos pedidos para anular as doações realizadas em favor da parte ré, condenando esta ao pagamento dos prejuízos materiais causados à autora e também ao pagamento de indenização por danos morais, danos emergentes e lucros cessantes, evento 1, INIC1.
Qual foi a fundamentação da sentença?
Veja, do ponto de vista normativo, a controvérsia envolvia dois dispositivos centrais do Código Civil:
- o artigo 151, que tipifica a coação como defeito do negócio jurídico;
- e o artigo 548, que estabelece a nulidade da chamada doação universal, isto é, aquela que deixa o doador sem meios de subsistência.
Assim, a autora sustentava que fora compelida moral e espiritualmente a doar, situação que caracterizaria vício de consentimento.
Todavia, o juízo foi categórico ao afirmar que “o conjunto probatório produzido nos autos, em especial a prova oral colhida em audiência, não oferece suporte fático à tese da autora”.

Em complemento, a magistrada destacou que os depoimentos indicaram a prática de pedidos coletivos de ofertas em cultos, sem demonstração de “ato concreto de ameaça ou pressão individualizada que pudesse ser enquadrado como coação”.
Ademais, o simples temor reverencial ou a adesão convicta a determinada fé não se equiparam ao requisito legal da coação, tal como exige o art. 153 do Código Civil.
Quanto ao argumento de doação universal, a sentença foi igualmente firme: “a quantia remanescente de aproximadamente R$ 1,8 milhão é manifestamente suficiente para garantir não apenas a subsistência, mas um padrão de vida confortável”.
Assim, não se configurou o despojamento absoluto que atrairia a nulidade.
Contexto jurisprudencial
Ora, o julgado insere-se em corrente jurisprudencial consolidada no STF e no STJ no sentido de que a liberdade religiosa, prevista no artigo 5º, VI, da Constituição Federal, abrange não apenas a crença e o culto, mas também a liberalidade patrimonial dos fiéis.
Não por acaso, a ré sustentou em sua defesa que a pretensão da autora, se acolhida, comprometeria a própria subsistência das instituições religiosas:
“Nenhuma igreja ou instituição assistencialista que depende de doações voluntárias poderia existir se a lei não a protegesse de supostos doadores arrependidos”.
Inclusive, esse raciocínio guarda consonância com a orientação já firmada pelo STF em hipóteses correlatas, segundo a qual o arrependimento subjetivo, desacompanhado de vício objetivo do consentimento, não legitima a restituição de doações feitas em contexto de fé.
Aspectos processuais
Sob a perspectiva processual, a decisão também enfrentou preliminar de prescrição arguida pela ré.
A Igreja invocava o prazo trienal do art. 206, § 3º, V, do CC, aplicável às pretensões de reparação civil.
O juízo, entretanto, rechaçou a tese, distinguindo a ação anulatória de negócio jurídico por coação – sujeita ao prazo de quatro anos, contado da cessação da coação (art. 178, II, do CC) – da ação de declaração de nulidade por doação universal, cuja imprescritibilidade decorre da natureza do vício.
Ademais, vale salientar os efeitos do julgamento:
Isto porque, para os fiéis, reforça-se a noção de que o Judiciário não acolherá alegações genéricas de manipulação espiritual sem prova robusta de atos de coação, afastando a ideia de arrependimento como causa de anulação.
Por outro lado, para as instituições religiosas, reafirma-se a segurança jurídica em torno das doações voluntárias, essenciais ao seu funcionamento.
Por fim, para a doutrina civilista, o caso reafirma a distinção entre vício de consentimento e simples temor reverencial, bem como a aplicação criteriosa do art. 548 do CC, exigindo-se prova de empobrecimento absoluto para configuração de nulidade.
Como o tema já caiu em provas
Prova: VUNESP - 2011 - CREMESP - Advogado
Analise as assertivas a seguir.
I. Se alguém foi vítima de ameaça, mas deu seu assentimento independente dela, não se configura coação. (certo)
II. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial. (certo)
III. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela. (certo)
IV. A coação, para viciar a declaração de vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família e aos seus bens.(certo)
Está correto o que se afirma em
Alternativas
A) I e III, apenas.
B) II e IV, apenas.
C) I e IV, apenas.
D) I, II, III e IV.
E) II, III e IV, apenas.
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