De início, o tema de hoje é pauta dessa notícia aqui:
Juiz proíbe aluguel de imóvel via Airbnb em condomínio residencial
E consequentemente da sentença aqui divulgada:
De início, perceba que o instituto da convenção condominial constitui instrumento fundamental para a regulamentação da vida em condomínio edilício, estabelecendo diretrizes que harmonizam o exercício individual da propriedade com os interesses coletivos da comunidade condominial.
Com efeito, a força normativa deste documento, consagrada pelos artigos 1.333 e 1.334 do Código Civil, confere legitimidade às limitações impostas ao uso das unidades autônomas, sobretudo quando direcionadas à preservação da destinação originária do empreendimento.
Nesse diapasão, emerge questão de particular relevância jurídica: a compatibilidade entre a locação de unidades residenciais através de plataformas digitais de hospedagem e as disposições convencionais que vedam atividades comerciais.
Perceba, a percuciente análise desta problemática demanda exame detalhado dos contornos dogmáticos que distinguem a locação por temporada da hospedagem atípica, modalidades frequentemente confundidas na práxis forense.
Análise do caso concreto
O caso em apreço, tramitado sob o processo nº 5544128-41.2024.8.09.0051, perante a 21ª Vara Cível de Goiânia, apresenta controvérsia paradigmática sobre os limites do direito de propriedade em regime condominial.
Isto porque, o proprietário da unidade, após investir aproximadamente R$ 200.000,00 em reformas estruturais e mobília, passou a disponibilizar seu imóvel através da plataforma Airbnb desde 2020, sustentando tratar-se de locação por temporada amparada pelo artigo 48 da Lei nº 8.245/91.
Por conseguinte, o Condomínio, fundamentando-se nas disposições da Convenção e do Regimento Interno que estabelecem destinação exclusivamente residencial, notificou o proprietário em diversas oportunidades ao longo de 2024, culminando na aplicação de multa correspondente a 50% da taxa condominial.
Destarte, a resistência do proprietário ao cumprimento das normas condominiais ensejou o ajuizamento de ação judicial para dirimir a controvérsia.
Fundamentação do juízo
O juízo, alicerçou sua decisão no precedente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.819.075/RS, relatado pelo eminente Ministro Raul Araújo.
Isto porque, messa linha de intelecção, o acórdão paradigma estabeleceu distinção fundamental entre a locação por temporada e a hospedagem atípica exercida através de plataformas digitais.
Conforme asseverou o Relator, trata-se de “modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados”.
Ademais, o tribunal reconheceu que tal atividade “não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada”.
Questão central
Veja, a ratio decidendi da decisão em análise reside na caracterização da natureza jurídica da atividade desenvolvida pelo proprietário.
Nesse sentido, faz-se imperioso distinguir dois institutos jurídicos distintos: de um lado, a locação por temporada, que pressupõe “locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias”; de outro, a hospedagem atípica, caracterizada pela disponibilização fracionada do imóvel para pessoas estranhas entre si.
Outrossim, o magistrado observou que os investimentos significativos realizados pelo proprietário evidenciam o caráter comercial da atividade, desvirtuando a finalidade estritamente residencial estabelecida na Convenção do Condomínio.
Nessa esteira, a prática configura modalidade de hospedagem que, embora lícita, encontra vedação nas normas condominiais específicas.
Entendimento do STJ
O condomínio que possui destinação exclusivamente residencial pode proibir a locação de unidade autônoma por curto período de tempo.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.884.483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/11/2021 (Informativo 720).
Ora, a disponibilização de imóveis para uso de terceiros por meio de plataformas digitais de hospedagem, a depender do caso concreto, pode ser enquadrada nas mais variadas hipóteses existentes no ordenamento jurídico, sobretudo em função da constante expansão das atividades desenvolvidas por empresas do gênero, sempre em busca de maiores lucros e maiores condições de sobrevivência no mercado mundial.
Nessa medida, somente a partir dos elementos fáticos delineados em cada hipótese submetida à apreciação judicial – considerados aspectos relativos ao tempo de hospedagem, ao grau de profissionalismo da atividade, à destinação exclusiva do imóvel ao ocupante ou o seu compartilhamento com o proprietário, à destinação da área em que ele está inserido (se residencial ou comercial), à prestação ou não de outros serviços periféricos, entre outros – é que se afigura possível enquadrar determinada atividade em alguma das hipóteses legais, se isso se mostrar relevante para a solução do litígio.
Proprietário x condomínio

Diversa é a hipótese em que o conflito se verifica na relação entre o proprietário do imóvel que o disponibiliza para uso de terceiros e o próprio condomínio no qual o imóvel está inserido, atingindo diretamente os interesses dos demais condôminos. Nessa específica hipótese, impõe-se observar as regras relativas ao condomínio edilício, previstas no Código Civil.
O art. 19 da Lei nº 4.591/64 (Lei do Condomínio em Edificações) assegura aos condôminos o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionado às normas de boa vizinhança, podendo usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos:
Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interêsses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.
Sossego, segurança, salubridade e bons costumes
O art. 1.336, IV, do CC/2002, por seu turno, prescreve ser dever do condômino dar à sua parte exclusiva a mesma destinação que tem a edificação, utilizando-a de maneira a preservar o sossego, a salubridade, a segurança e os bons costumes:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
(...)
IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
Assim, chega-se à conclusão de que a exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizadas pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio.
Não há, portanto, nenhuma ilegalidade ou falta de razoabilidade na restrição imposta pelo condomínio, a quem cabe decidir acerca da conveniência ou não de permitir a locação das unidades autônomas por curto período, tendo como embasamento legal o art. 1.336, IV, do CC, observada a destinação prevista na convenção condominial.
A afetação do sossego, da salubridade e da segurança, causada pela alta rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a comunidade na qual estão temporariamente inseridas, é o que confere razoabilidade a eventuais restrições impostas com fundamento na destinação prevista na convenção condominial.
O direito de propriedade, assegurado constitucionalmente, não é só de quem explora economicamente o seu imóvel, mas sobretudo daquele que faz dele a sua moradia e que nele almeja encontrar, além de um lugar seguro para a sua família, a paz e o sossego necessários para recompor as energias gastas ao longo do dia.
Julgado correlato também já decidido pelo STJ
Existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidade condominial para fins de hospedagem remunerada, com múltipla e concomitante locação de aposentos existentes nos apartamentos, a diferentes pessoas, por curta temporada (ex: locação pelo Airbnb).
Vale ressaltar que existe a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (2/3 das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio.
STJ. 4ª Turma. REsp 1819075/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 20/04/2021 (Informativo 693).
Como o tema já caiu em concursos
Ano: 2024 Banca: VUNESP Órgão: TJ-SP Prova: VUNESP - 2024 - TJ-SP - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento
Proprietário de unidade autônoma em condomínio edilício passa a locar seu imóvel por meio de plataformas digitais, para hospedagens de curta duração, com menos de 90 (noventa) dias. Advertido pelo condomínio de que deverá cessar tal prática, sob pena de multa, uma vez que a respectiva convenção prevê a destinação exclusivamente residencial do edifício, o condômino ajuíza ação visando ao reconhecimento da legalidade da sua conduta. Nesse caso, a locação
Alternativas
a) não deve ser permitida, porquanto se trata de contrato atípico de hospedagem, que desvirtua a natureza exclusivamente residencial do edifício prevista na convenção do condomínio, devido à alta rotatividade de pessoas, que oferece riscos potenciais à segurança, ao sossego e à saúde dos demais condôminos.
B)deve ser permitida, pois, embora a hospedagem seja atípica e de curta duração, não desvirtua a natureza exclusivamente residencial do edifício, na medida em que os hóspedes utilizam a unidade autônoma locada da mesma forma que o proprietário a utilizaria, e não para outras finalidades, como a comercial.
C)deve ser permitida, pois, à falta de proibição expressa na convenção de condomínio, o proprietário pode usar, fruir e dispor livremente de sua unidade autônoma.
D)não deve ser permitida, pois, para tanto, a convenção do condomínio teria de ser previamente alterada para admitir expressamente essa possibilidade, por deliberação em assembleia tomada pela maioria simples dos condôminos.
Gab: A.
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