Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução
Se você estuda para Magistratura, Ministério Público ou Defensoria Pública, precisa estar atento: o direito da pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) deixou de ser um tema periférico e se tornou protagonista em provas discursivas e peças práticas. A razão é simples: trata-se de matéria que cruza direito civil, consumidor, constitucional e até penal, com jurisprudência recente, consolidada e de alta incidência no cotidiano forense.
A Edição 259 do Jurisprudência em Teses do STJ, publicada em maio de 2025, sistematizou 11 teses fundamentais sobre os direitos das pessoas com TEA, especialmente na relação com planos de saúde. Paralelamente, a Lei 12.764/2012 estabelece a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, equiparando-a juridicamente à pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.
Neste artigo, você vai dominar a estrutura normativa, os principais julgados do STJ e, principalmente, como esse conteúdo pode aparecer na sua prova.
Lei 12.764/2012: o marco legal da pessoa com TEA
A Lei 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, representa o primeiro reconhecimento formal, no ordenamento brasileiro, dos direitos específicos da pessoa com TEA. Seu grande diferencial está na equiparação expressa: a pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais (art. 1º, § 2º).
Definição legal de TEA
O §1º do art. 1º traz critérios diagnósticos baseados em duas dimensões:
I – Deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação social, manifestada por:
- Deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social;
- Ausência de reciprocidade social;
- Falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento.
II – Padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por:
- Comportamentos motores ou verbais estereotipados ou comportamentos sensoriais incomuns;
- Excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados;
- Interesses restritos e fixos.
Atenção para concursos: A definição legal dialoga com os critérios do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), mas não exige diagnóstico médico específico para o reconhecimento de direitos. Basta a caracterização clínica.
Direitos fundamentais assegurados
A lei assegura diversos direitos, entre os quais destacam-se:
a) Educação inclusiva (art. 7º): O gestor escolar que recusar matrícula de aluno com TEA está sujeito a multa de 3 a 20 salários-mínimos. Trata-se de norma penal em branco, que tutela o direito à educação e à não discriminação.
b) Acesso à saúde suplementar (art. 5º): A pessoa com TEA não pode ser impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição, conforme dispõe o art. 14 da Lei 9.656/1998. Esse dispositivo é a porta de entrada para as teses jurisprudenciais do STJ sobre cobertura de tratamentos.
Jurisprudência em Teses do STJ – Edição 259: as 11 teses que você precisa memorizar
A Edição 259 do Jurisprudência em Teses, publicada em maio de 2025, consolida o entendimento do STJ sobre os direitos da pessoa com TEA. Vamos analisar cada tese com foco estratégico para concursos.
TESE 1: Abusividade da recusa ou limitação de terapia multidisciplinar
📄 Enunciado: É abusiva a recusa de cobertura pela operadora do plano de saúde de terapia multidisciplinar, bem como a limitação do número de sessões, aos beneficiários com diagnóstico de TEA.
Contexto: O STJ afetou o tema como repetitivo (Tema 1295 – REsp 2167050/SP), reconhecendo a relevância da questão. Até a publicação do acórdão paradigmático, a jurisprudência já pacificou: planos de saúde não podem limitar sessões de terapia para TEA.
Fundamento: A limitação de sessões configura abuso de direito e viola o equilíbrio contratual, pois o tratamento de TEA exige continuidade e multidisciplinaridade. A ANS, por meio da RN 465/2021 (alterada pela RN 539/2022), tornou obrigatória a cobertura de qualquer método ou técnica indicada pelo profissional de saúde.
TESE 2: Obrigatoriedade de cobertura conforme indicação médica
📄 Enunciado: A ANS tornou obrigatória a cobertura, pela operadora de plano de saúde, de qualquer método ou técnica indicada pelo profissional de saúde responsável para o tratamento de Transtornos Globais do Desenvolvimento, entre os quais o TEA, Síndrome de Asperger e Síndrome de Rett.
Dispositivo normativo: Art. 6º, § 4º, da Resolução Normativa ANS n. 465/2021 (alterada pela RN nº 539/2022).
Palavra-chave: Indicação médica. Não cabe à operadora questionar a técnica escolhida pelo profissional habilitado. O controle é posterior e excepcional, jamais prévio e automático.
TESE 3: Cobertura obrigatória de equoterapia, musicoterapia e hidroterapia
📄 Enunciado: A equoterapia, a musicoterapia e a hidroterapia são de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para o tratamento de TEA.

Estratégia de estudo: Memorize essas três terapias. Elas aparecem frequentemente em questões de concurso como exemplos de terapias de suporte, que devem ser custeadas quando prescritas para tratamento de TEA.
Julgados de referência: AgInt no REsp 2161153/SP, AgInt no REsp 2130831/SP, AgInt no REsp 2113334/SC.
TESE 4: Psicopedagogia dentro das sessões de psicologia
📄 Enunciado: Deve-se contemplar a psicopedagogia nas sessões de psicologia, as quais, de acordo com a ANS, têm cobertura obrigatória e ilimitada pelas operadoras de planos de saúde, especialmente no tratamento multidisciplinar do beneficiário com TEA.
Detalhe importante: A psicopedagogia não é tratada como área autônoma para fins de cobertura, mas sim como método integrante da psicologia clínica. Essa distinção é relevante para evitar recusa de cobertura com base em “especialidade não prevista”.
Julgados: REsp 2064964/SP, AgInt no REsp 2122472/SP.
TESE 5: Método ABA com sessões ilimitadas
📄 Enunciado: Os beneficiários de plano de saúde diagnosticados com TEA têm direito a sessões ilimitadas de terapia pelo método de análise de comportamento aplicada (ABA).
O que é ABA? Applied Behavior Analysis (Análise do Comportamento Aplicada) é o método mais utilizado no tratamento de TEA, baseado em ciência comportamental. O STJ reconhece que a limitação de sessões inviabiliza o tratamento, pois a eficácia do método depende de intensidade e continuidade.
Julgados: AgInt no AREsp 2663353/SP, AgInt no REsp 2010170/DF, AgInt no REsp 2140939/SP.
TESE 6: Tratamento no município de residência e reembolso integral
📄 Enunciado: A pessoa diagnosticada com TEA tem direito a tratamento multidisciplinar no município de residência e ao ressarcimento integral das despesas realizadas em rede não credenciada, na hipótese de inexistência de profissionais conveniados na localidade.
Fundamento: Princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. Se o plano não oferece rede credenciada adequada, não pode exigir que o beneficiário se desloque ou arque com custos adicionais.
Julgados: AgInt no REsp 2113334/SC, AREsp 2751626/BA.
TESE 7: Reembolso integral até julho de 2022 (marco temporal)
📄 Enunciado: Até 1º/7/2022, início da vigência da Resolução Normativa n. 539/2022 da ANS, o reembolso integral de tratamento multidisciplinar para beneficiários com TEA realizado fora da rede credenciada somente será devido se for descumprida ordem judicial que determine a cobertura ou se for violada obrigação contratual assumida.
Marco temporal relevante: A partir de 1º/7/2022, a RN 539/2022 passou a prever expressamente a obrigatoriedade de cobertura. Antes dessa data, o reembolso integral só era devido em caso de descumprimento de decisão judicial ou de cláusula contratual específica.
Julgado paradigmático: REsp 2043003/SP.
TESE 8: Exclusão de acompanhamento escolar e domiciliar
📄 Enunciado: O custeio de tratamento multidisciplinar para beneficiário com TEA não se estende ao acompanhamento em ambiente escolar ou domiciliar, ou ao acompanhamento realizado por profissional do ensino.
Distinção crucial: A cobertura obrigatória refere-se a terapias de saúde, não a acompanhamento pedagógico ou suporte escolar. O acompanhante terapêutico (AT) é coberto quando vinculado ao tratamento clínico, mas não quando sua função é exclusivamente educacional.
Julgados: AREsp 2833886/BA, AgInt no REsp 2144824/RN, REsp 2064964/SP.
TESE 9: Supressão excepcional do direito de visita entre avós e neto com TEA
📄 Enunciado: É possível suprimir, em caráter excepcional, o exercício do direito à visitação entre avós e neto diagnosticado com TEA, em razão do princípio do melhor interesse do menor.
Aplicação: Direito de Família. Em situações excepcionais, comprovado que a convivência com determinados parentes agrava o quadro clínico da criança com TEA, é possível a supressão do direito de visita, sempre com base em laudo técnico e observância do melhor interesse da criança.
Julgado: REsp 1573635/RJ.
TESE 10: Isenção de IPI na aquisição de veículo independe de quem conduz
📄 Enunciado: Pode-se conduzir a isenção tributária na aquisição de automóveis por pessoas com TEA independentemente de uma terceira pessoa conduzir o veículo.
Relevância: Direito Tributário. A isenção de IPI e ICMS para pessoas com deficiência (incluindo TEA) não exige que o próprio beneficiário conduza o veículo, bastando a comprovação da condição e da necessidade do automóvel para sua mobilidade.
Julgado: RMS 51424/RJ.
TESE 11: Prisão domiciliar para genitores de pessoa com TEA
📄 Enunciado: É possível substituir a pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semiaberto, por prisão domiciliar para genitores de pessoa com TEA, durante a execução provisória ou definitiva da pena, desde que demonstrada a imprescindibilidade dos cuidados.
Fundamento: Art. 318, VI, do CPP (incluído pela Lei 13.769/2018). A substituição da pena por prisão domiciliar é cabível quando demonstrado que a presença do genitor é imprescindível aos cuidados da pessoa com TEA, comprovada por laudo médico.
Cuidado: Não é automática. Exige prova efetiva da indispensabilidade, não bastando a mera existência da condição.
Julgados: AgRg no HC 764603/SC, HC 943246/SP.
Como esse tema aparece em concursos: questão comentada
QUESTÃO INÉDITA – ESTILO CESPE/FGV/VUNESP
João, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), é beneficiário de plano de saúde operado pela empresa Alpha Saúde S.A. Seu médico prescreveu tratamento multidisciplinar envolvendo 40 sessões mensais de terapia ABA, além de musicoterapia e psicopedagogia. A operadora autorizou apenas 12 sessões mensais de ABA e negou cobertura para musicoterapia, alegando ausência de previsão contratual e limitação prevista no Rol de Procedimentos da ANS. Considerando a jurisprudência consolidada do STJ, assinale a alternativa correta:
a) A operadora agiu corretamente, pois o Rol de Procedimentos da ANS é taxativo e não prevê cobertura ilimitada para terapia ABA.
b) A musicoterapia não possui cobertura obrigatória, pois se trata de terapia alternativa sem respaldo científico reconhecido pela ANS.
c) A limitação de 12 sessões mensais de ABA é legítima, desde que fundamentada em auditoria médica independente.
d) É abusiva tanto a limitação do número de sessões de ABA quanto a recusa de cobertura para musicoterapia, devendo prevalecer a indicação médica para tratamento de TEA.
e) A psicopedagogia somente será coberta se houver cláusula contratual específica, pois não integra as sessões de psicologia previstas pela ANS.
GABARITO: Letra D
Por que a alternativa D está correta?
Conforme as Teses 1, 3 e 5 do Jurisprudência em Teses nº 259 do STJ, é abusiva qualquer limitação de sessões de terapia multidisciplinar para beneficiários com TEA, incluindo o método ABA, que deve ser ilimitado quando prescrito. Além disso, a musicoterapia possui cobertura obrigatória para tratamento de TEA, independentemente de previsão expressa no rol da ANS, pois prevalece a indicação do profissional de saúde responsável (Tese 2).
Por que as demais estão incorretas?
a) INCORRETA. O STJ consolidou entendimento de que o Rol da ANS é exemplificativo, não taxativo, especialmente para tratamento de TEA. A limitação de sessões de ABA é abusiva (Tese 5).
b) INCORRETA. A musicoterapia possui cobertura obrigatória para TEA (Tese 3), sendo reconhecida como método terapêutico válido pela jurisprudência do STJ.
c) INCORRETA. A limitação de sessões, mesmo fundamentada em auditoria, é considerada abusiva quando contraria prescrição médica fundamentada para tratamento de TEA (Tese 1).
e) INCORRETA. A psicopedagogia deve ser contemplada nas sessões de psicologia, que têm cobertura obrigatória e ilimitada para TEA, independentemente de cláusula específica (Tese 4).
Dicas estratégicas para memorização
Mnemônico para as principais terapias obrigatórias: “EMH é obrigatório para TEA”
- Equoterapia
- Musicoterapia
- Hidroterapia
Marco temporal relevante: 1º/7/2022 (início da vigência da RN 539/2022 da ANS) – antes dessa data, reembolso integral só era devido se houvesse descumprimento de ordem judicial ou obrigação contratual.
Tema repetitivo: Tema 1295 do STJ (REsp 2167050/SP) – questão federal afetada sobre limitação/recusa de terapia multidisciplinar para TEA.
Conclusão: o que você não pode esquecer na prova
O direito da pessoa com TEA é tema consolidado, atual e de alta densidade em concursos jurídicos. Dominar a Lei 12.764/2012 e as 11 teses do STJ significa estar preparado para questões de Direito Civil (contratos), Direito do Consumidor (abusividade), Direito Constitucional (direitos fundamentais da pessoa com deficiência) e até Direito Penal (prisão domiciliar do genitor).
Lembre-se: a indicação médica é soberana. Sempre que houver prescrição fundamentada para tratamento de TEA, prevalece sobre limitações contratuais ou administrativas. Esse é o norte interpretativo que orienta toda a jurisprudência do STJ.
Estude com estratégia, revise as teses numeradas e simule questões. Esse tema pode ser o diferencial entre você e a aprovação.
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