* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que construção irregular em Área de Preservação Permanente (APP) deve ser demolida, ainda que seja pequena a construção realizada e mesmo sendo em área urbana antropizada (REsp nº 1.714.536).
O julgamento do recurso ocorreu em 04/02/2025, e representa um importante marco na defesa do meio ambiente como bem jurídico de natureza indisponível e intergeracional.
O caso diz respeito a dano ambiental resultante da reforma e ampliação de imóvel em área de preservação permanente urbana.
Mesmo diante de embargo administrativo da obra, houve a reforma do banheiro, de 4m² (quatro metros quadrados), com ampliação de laje. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou o pedido de demolição e restauração ambiental da área. A decisão teve como fundamento a condição antropizada do local, aliado ao fato da obra ser de pequeno porte, o que tornaria a demolição desproporcional.
O Ministério Público do Rio de Janeiro recorreu contra essa decisão. Assim, o STJ deu provimento ao recurso, estabelecendo uma tese clara e firme no sentido de garantir a proteção ambiental.
O Superior Tribunal de Justiça reiterou sua jurisprudência no sentido de considerar que a edificação ilícita em área de preservação permanente configura situação de dano ambiental presumido.
Teoria do fato consumado
Segundo a súmula 613 do STJ, a teoria do fato consumado é inaplicável em matéria ambiental. Desse modo, a antropização da área é irrelevante para a solução da lide que discute dano ambiental cometido por degradador individualizado. Não existe direito adquirido a poluir.

Súmula 613 do STJ: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental”.
A pequena extensão da área atingida não pode se sobrepor, como razão de decidir, ao comportamento flagrantemente ofensivo ao meio ambiente cometido pelo particular. A conduta desrespeitosa do degradador, que dá continuidade à obra sabidamente ilícita, após notificação estatal para paralisá-la, não pode ter guarida judicial.
Regra geral de direito é a de ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza.
Caso o particular não concorde com o embargo da obra, ele deve se utilizar dos meios administrativos ou judiciais disponíveis para externar seu inconformismo. Exemplo disso são os recursos administrativos, ações judiciais com pedido de liminar etc.
Não pode, porém, exercer por mão própria o que entende ser seu direito, tanto mais para violar bem jurídico ambiental, objeto de especial proteção normativa, e que é, inclusive, um bem inalienável e imprescritível, refletindo um direito humano fundamental de terceira geração, tornando-se verdadeira cláusula pétrea.
A evidente ilegalidade da continuação da obra degradadora do meio ambiente, mesmo após a devida notificação administrativa para paralisação da reforma, conduz à inafastabilidade da sanção do transgressor. Portanto, deve haver a demolição da parcela do imóvel objeto da autuação administrativa, com subsequente restauração integral da área protegida.
Área de preservação ambiental
A Área de Preservação Permanente – APP é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, que pode estar em área urbana ou rural. Ela possui importante papel na preservação dos elementos formadores do ecossistema (recursos hídricos, paisagem, estabilidade geológica, biodiversidade, solo), além de assegurar o bem-estar das populações humanas.
O artigo 4º, do Código Florestal, traz um extenso rol de áreas consideradas de preservação permanente.
CFlo
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º , equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º , as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.
Esse rol do artigo 4º não é exaustivo. Isso porque o Chefe do Executivo (Presidente da República, Governadores ou Prefeitos) poderá, por meio de ato do poder público, instituir novas APP’s em áreas cobertas por vegetação, cuja função [da vegetação] seja a de:
I - conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;
II - proteger as restingas ou veredas;
III - proteger várzeas;
IV - abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;
V - proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;
VI - formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
VII - assegurar condições de bem-estar público;
VIII - auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares.
IX - proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.
Em regra, veda-se a supressão de vegetação em APP (haja vista sua importância ambiental), e é dever do proprietário, possuidor ou ocupante manter tal vegetação. Caso haja desmatamento, o proprietário, possuidor ou ocupante é obrigado a recuperar a área, mesmo que não tenha sido ele o responsável pela degradação, pois a obrigação aqui é propter rem (direito real).
Só se permite intervenção ou supressão de vegetação nativa em APP nos casos de utilidade pública (hipóteses descritas no art. 3º, VIII), interesse social (hipóteses descritas no artigo 3º, IX), ou baixo impacto ambiental (hipóteses descritas no artigo 3, X).
A responsabilidade civil ambiental, ou seja, de reparar os danos causados ao meio ambiente, além de objetiva (independe de culpa ou dolo), é solidária e fundamentada na teoria do risco integral, que é uma teoria extremada do risco, onde o nexo de causalidade é fortalecido (ver informativo STJ nº 545).
Além do mais, a pretensão de reparação do dano ambiental é imprescritível, conforme jurisprudência pacificada dos tribunais superiores, em especial o tema 999 do Supremo Tribunal Federal.
TEMA 999 do STF: É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.
Ótimo tema para provas de direito ambiental.
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