Meu médico do nariz fala direto para mim: “Felipe, seu nariz é ideal para fazermos uma plástica”.
E eu já disse a ele: “Olhe, eu tô satisfeito com ele… quero cirurgia plástica nenhuma“. Na verdade, meu nariz é todo ruim, eu já operei umas 3 (três) vezes porque tenho problema crônico de septo… Ah, e o que isso tem relação com o que vamos discutir aqui, professor?
Tudo…
Veja, por exemplo, o Ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) no meio da discussão disse num comentário espirituoso aqui que “foi eleito o Ministro mais bonito”, após outro dizer que a cirurgia dele foi um grande sucesso, será que ele fez plástica?
“Fui eleito o ministro mais bonito do STJ”, diz João Otávio de Noronha
Bixo, professor, mas qual é a relação com o tema?
Veja, o que chegou no STJ sobre as cirurgias plásticas. E você sabe, elas não são baratas, por isso há algo diferente.
Tanto é assim que, geralmente, o médico promete um resultado específico, acaba mostrando fotos de outros pacientes e garante que sua aparência será exatamente como o planejado (ou pelo menos parecida)…
No entanto, após a cirurgia, o resultado ficou bem longe do prometido. Vamos lá.
Primeira pergunta: o médico tinha obrigação de entregar aquele resultado?
Segunda pergunta: de quem é a culpa ou melhor, quem deve provar que houve falha no procedimento?
Neste descortínio, os temas acima chegaram ao STJ através do REsp 1.395.254, que aprofundou em uma decisão relevante sobre a responsabilidade médica em procedimentos estéticos.
Aliás, pode ser que a cirurgia deu errado porque o paciente não fez um “bom pós operatório”, ou seja, descumpriu as regras do médico também, e isso acontece em cirurgias estéticas…
Mas, o fato é que precisamos resolver uma coisa.
Quem deve provar que o procedimento médico deu errado? Antes, vamos diferenciar uma coisa…
Quanto ao ônus da prova da culpa, a obrigação pode se dividir em:
a) Obrigação de meio: ocorre quando o devedor não se responsabiliza pelo resultado e se obriga apenas a empregar todos os meios ao seu alcance para consegui-lo. Se não alcançar o resultado, mas for diligente nos meios, o devedor não será considerado inadimplente (exs: advogados, médicos como regra).
b) Obrigação de resultado: ocorre quando o devedor se responsabiliza pelo atingimento do resultado. Se o resultado não for obtido, o devedor será considerado inadimplente (ex: médico que faz cirurgia plástica embelezadora; se a cirurgia plástica for para corrigir doença, será obrigação de meio).
Assim, como regra geral segundo o STJ temos que:
- Na obrigação de meio, o credor (consumidor) deverá comprovar que o devedor falhou ao não empregar todos os meios ao seu alcance para conseguir atingir o resultado.
- Na obrigação de resultado, presume-se a culpa do devedor e incumbe a ele afastar a sua culpa, demonstrando a existência de uma causa diversa que impediu que ele alcançasse o resultado prometido. Há, portanto, responsabilidade do devedor com culpa presumida.
No pertinente, a Ministra Nancy Andrighi , registrou essa observação interessante: em cirurgias estéticas, diferentemente de outros procedimentos médicos, a obrigação assumida é de resultado, não apenas de meio. Perceba, esta distinção é fundamental porque altera a dinâmica probatória do processo.
Neste contexto, para entendermos melhor esta diferença, imaginemos dois cenários.
No primeiro, um paciente busca tratamento para uma apendicite. Assim, o médico se compromete a usar as melhores técnicas disponíveis para tratar o problema, mas não pode garantir o resultado. Perceba que estamos diante de uma obrigação de meio.
Por outro lado, em outro caso estamos diante de uma rinoplastia estética (meu médico querendo me operar, rsrs), e aí o médico se compromete com um resultado específico, mostrando inclusive como ficará o nariz após a cirurgia (nariz retinho lindo). Esta é uma obrigação de resultado.
Qual a diferença?
Quando a obrigação é de resultado, não cabe ao paciente provar que o médico agiu com negligência. Se algo deu errado, o médico que comprove porque deu errado.
Para o consumidor, basta demonstrar que o resultado prometido não foi alcançado.
Repito, cabe ao médico, então, provar que o insucesso ocorreu por fatores alheios à sua atuação profissional. Então, cabe, por exemplo, ao médico dizer que o paciente não seguiu o “protocolo” pós-operatório, não fez determinada fisioterapia, ou compareceu ao seu escritório para tratar das recomendações pós cirúrgicas…
Logo, segundo o entendimento do STJ, a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética (REsp 819.008/PR).
Nessa linha, a obrigação nas cirurgias meramente estéticas é de resultado, comprometendo-se o médico com o efeito embelezador prometido.
Vale ressaltar, no entanto, que, embora a obrigação seja de resultado, a responsabilidade do médico permanece subjetiva, com inversão do ônus da prova, cabendo-lhe comprovar que os danos suportados pelo paciente advieram de fatores externos e alheios à sua atuação profissional.
Trata-se, portanto, de responsabilidade subjetiva com culpa presumida. Não é caso de responsabilidade objetiva. Aplica-se, na hipótese, o § 3º do art. 14 do CDC:
Art. 14 (...) § 4º - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
A responsabilidade com culpa presumida permite que o devedor (no caso, o cirurgião plástico), prove que ocorreu um fato imponderável que fez com que ele não pudesse atingir o resultado pactuado. Conseguindo provar esta circunstância, ele se exime do dever de indenizar.
O caso fortuito e a força maior, apesar de não estarem expressamente previstos no § 3º do art. 14 do CDC, podem ser invocados como causas excludentes de responsabilidade dos fornecedores de serviços.
Desse modo, se o cirurgião conseguir provar que não atingiu o resultado por conta de um caso fortuito ou força maior, ele não precisa indenizar o paciente.
Como é a responsabilidade do médico nos casos de cirurgia que seja tanto reparadora como também estética?
Nas cirurgias de natureza mista (estética e reparadora), como no caso de redução de mama, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, conforme cada finalidade da intervenção. Assim, a responsabilidade do médico será de resultado em relação à parcela estética da intervenção e de meio em relação à sua parcela reparadora (STJ. 3ª Turma, REsp 1.097.955-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/9/2011).
Veja como já decidiu o STJ:
I — A obrigação nas cirurgias meramente estéticas é de resultado, comprometendo-se o médico com o efeito embelezador prometido. II — Embora a obrigação seja de resultado, a responsabilidade do cirurgião plástico permanece subjetiva, com inversão do ônus da prova (responsabilidade com culpa presumida) (não é responsabilidade objetiva). III — O caso fortuito e a força maior, apesar de não estarem expressamente previstos no CDC, podem ser invocados como causas excludentes de responsabilidade. STJ. 4ª Turma. REsp 985888-SP, Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/2/2012 (Info 491).
Como o tema já caiu em provas
Prova: FCC - 2022 - DPE-CE - Defensor(a) Público(a) de Entrância Inicial Adriana se submeteu a uma cirurgia plástica de abdominoplastia de fins meramente estéticos, a qual foi executada pelo médico Tiago. Após a realização do procedimento, o resultado não saiu como o esperado, e seu abdômen ficou com assimetrias e diversas cicatrizes com formação de queloide. Considerando o posicionamento majoritário do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto, em eventual demanda de reparação civil dos danos decorrentes dessa situação hipotética, Alternativas A) Adriana deverá demonstrar que o médico agiu com imperícia, negligência ou imprudência, tendo em vista que a aludida relação contratual encerra obrigação de meio. B) será possível a inversão do ônus da prova, por se tratar de obrigação de resultado. C) a relação, caracterizada como obrigação de meio, deverá ser regida exclusivamente pelo Código Civil, porquanto as disposições do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam aos contratos celebrados entre médicos e pacientes. D) haverá presunção absoluta de culpa do médico, já que se trata de obrigação de resultado. E) Adriana fará jus aos danos materiais, independentemente da demonstração de culpa de Tiago. No entanto, a paciente deverá comprovar que o médico agiu com imprudência, negligência ou imperícia para a obtenção dos danos morais. Gabarito: B.
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