*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou denúncia contra o ex-Presidente Jair Bolsonaro imputando-o a prática de cinco crimes, todos ligados à suposta trama golpista durante as eleições de 2022. De acordo com a denúncia, o denunciado praticou os seguintes delitos:
- Liderar organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º, 3º e 4º, II, da Lei nº 12.850/2013);
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal);
- Golpe de Estado (art. 359-M do CP);
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP);
- Deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998).
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Investigações da Polícia Federal
A elaboração da peça acusatória do Ministério Público Federal foi com base em procedimento investigativo da Polícia Federal, que encontrou a existência de uma organização criminosa no ano de 2022 atuando de forma coordenada para manter o então Presidente da República Jair Bolsonaro no cargo de chefe do Poder Executivo.
Em 2024, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro após uma investigação de dois anos que reuniu múltiplas evidências. Estas incluíram dados obtidos através de quebras de sigilo (telemático, telefônico, bancário e fiscal), depoimentos de colaboradores premiados e materiais coletados em operações de busca e apreensão.
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A investigação focou na suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. Na ocasião, teria havido um plano para manter Bolsonaro na presidência mesmo após sua derrota nas eleições para Luiz Inácio Lula da Silva.
Junto com Bolsonaro, também houve a denúncia de outras 33 pessoas, pela prática de diversos crimes, todos com o objetivo de romper com a ordem democrática prevista na Constituição. A denúncia foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) e distribuída para a 1ª Turma da Corte.
A denúncia ainda indica o vínculo do ex-Presidente da República e dos demais denunciados com os manifestantes favoráveis ao golpe de Estado e as manifestações antidemocráticas do dia 08/01/2023.
Especificamente no núcleo criminoso de Bolsonaro foram denunciados o general Braga Netto, candidato a vice na chapa do ex-presidente, em 2022; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier; Mauro César Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; o ex-ministro da defesa Paulo Sérgio e Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro.
Análise Jurídica
Estado Democrático de Direito
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil constitui-se num Estado Democrático de Direito. A democracia, portanto, foi o regime político escolhido pelo Poder Constituinte quando da edição da Constituição Federal de 1988 e é definida, desde a Grécia antiga, com o “governo do povo” ou “governo popular”.
O Estado Democrático de Direito é alicerçado na obediência em seu âmbito de atuação à legalidade, mas também e principalmente, na existência da necessidade de legitimidade de suas decisões. Legitimidade esta que só se alcança quando respaldada pela vontade do povo, o que se dá mediante a participação na formação da vontade estatal, individualmente, ou por meio de organizações sociais ou profissionais. É a participação que proporciona à população a oportunidade de manifestar livremente, sem restrições, sua própria vontade.
Como forma de tutelar mais fortemente o Estado Democrático de Direito, dada a natureza de ultima ratio do Direito Penal, a Lei 14.197/2021 acrescentou o Título XII da Parte Especial do Código Penal relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
O Título XII divide-se nos seguintes capítulos:
- Capítulo I – Dos crimes contra a soberania nacional;
- Capítulo II – Dos crimes contra as instituições democráticas;
- Capítulo III – Dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral;
- Capítulo IV – Dos crimes contra o funcionamento dos serviços essenciais.
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Crimes imputados a Bolsonaro
A PGR imputa a Bolsonaro a prática de 2 crimes previstos no Título XII do Código Penal, quais sejam:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Golpe de Estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
De acordo com a denúncia, a consumação do crime do artigo 359-M do Código Penal ocorreu por meio de sequência de atos que visavam romper a normalidade do processo sucessório. Esse propósito ficou evidente nos ataques recorrentes ao processo eleitoral, na manipulação indevida das forças de segurança pública para interferir na escolha popular, bem como na convocação do Alto Comando do Exército para obter apoio militar a decreto que formalizaria o golpe. A organização criminosa seguiu todos os passos necessários para depor o governo legitimamente eleito, objetivo que, buscado com todo o empenho e realizações de atos concretos em seu benefício, não se concretizou por circunstância que as atividades dos denunciados não conseguiram superar — a resistência dos Comandantes do Exército e da Aeronáutica às medidas de exceção.
Por sua vez, tipificou-se o crime do artigo 359-L do Código Penal por conta de manobras sucessivas e articuladas para minar os poderes constitucionais diante da opinião pública e incitar a violência contra as suas estruturas. Segundo a PGR, as instituições democráticas foram vulneradas em pronunciamentos públicos agressivos e ataques virtuais, proporcionados pela utilização indevida da estrutura de inteligência do Estado. O ímpeto de violência da população contra o Poder Judiciário foi exacerbado pela manipulação de notícias eleitorais baseadas em dados falsos.
Ademais, consta da peça acusatória apresentada pelo Ministério Público que em 7 de dezembro de 2022, Bolsonaro apresentou a minuta do golpe ao general Freire Gomes, comandante do Exército, ao Almirante Almir Garnier Santos, da Marinha, e ao ministro da Defesa Paulo Sergio Nogueira de Oliveira.
Organização criminosa e dano qualificado
Além dos delitos contra as Instituições Democráticas, imputou-se ao ex-Presidente a prática do crime de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º, 3º e 4º, II, da Lei nº 12.850/2013):
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.
§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
(...)
II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;
Ainda se atribuiu a Bolsonaro a prática do crime de dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP):
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o crime é cometido:
I - com violência à pessoa ou grave ameaça;
III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos;
IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
E por fim, imputou-se o crime de deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998):
Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Assim, caso condenado por todos os delitos apontados pela Procuradoria-Geral da República a pena unificada de Bolsonaro poderá ultrapassar a 8 anos de reclusão. O cumprimento deve ocorrer, em regra, em regime inicial fechado.
Como caiu nas provas?
(DPE – PR – 2024) Sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito, criados pela Lei nº 14.197/2021, assinale a alternativa INCORRETA.
A) É crime impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral.
B) Não constitui crime contra o Estado Democrático de Direito a manifestação crítica aos poderes constitucionais, a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.
C) Alguns dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 foram condenados pela prática dos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
D) O entendimento do STF para os atos de 8 de janeiro foi o de que, ao invadir os prédios dos três Poderes, os participantes estavam cometendo o crime “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, que tem pena de 4 a 8 anos de prisão, e, ao mesmo tempo, o crime de “Golpe de Estado”, cuja pena é de 4 a 12 anos de reclusão.
E) Deve incidir o princípio da consunção, devendo o crime de “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito” ser absorvido pelo crime de “Golpe de Estado”, cuja pena é maior.
Letra E.
A alternativa E está incorreta. Conforme entendimento do STF, é possível o concurso material entre os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal) e golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal), pois são delitos autônomos que demandam intenções distintas do agente. Portanto, não se aplica o princípio da consunção nesse caso.
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