Apropriação indébita ou estelionato? Dinheiro gasto para apostas!

Apropriação indébita ou estelionato? Dinheiro gasto para apostas!

Caso noticiado

Uma estudante de Direito da Unidade Central de Educação Faem (UCEFF), em Chapecó/SC, gastou todo o dinheiro arrecadado para a formatura da turma, quase R$ 77 mil, em apostas on-line, no conhecido jogo do Tigrinho.

Ela era presidente da comissão de formatura e, menos de um mês antes da festa, assumiu aos colegas que “se viciou”, perdendo todo o dinheiro.

"Eu perdi todo o dinheiro da formatura. Me viciei em apostas on-line, Tigrinho e afins, e quando perdi todo o dinheiro que eu tinha guardado, comecei a usar o da formatura para tentar recuperar. E aí, cada vez mais fui me afundando no jogo."

Após boletim de ocorrência registrado pelos colegas de turma, a Polícia Civil investiga o caso e disse que trabalha com duas linhas de investigação: apropriação indébita ou estelionato.

Segundo relatos, o dinheiro, acumulado ao longo de três anos de contribuições dos estudantes, estava sob a gestão da presidente da comissão, que se ofereceu voluntariamente para coordenar os recursos. Menos de um mês antes da celebração, marcada para 22 de fevereiro, ela revelou em uma mensagem a colegas que havia perdido a quantia em jogos online, especificamente no “Tigrinho”.

Apropriação indébita ou estelionato?

Sem receber o dinheiro, e após algumas tentativas de contato com a presidente da comissão, a empresa chamou os estudantes em um ultimato, em janeiro, e relatou que a mulher afirmou não ter mais o dinheiro para o pagamento.

A Polícia Civil de Chapecó abriu um inquérito para investigar o incidente, considerando possíveis crimes de apropriação indébita ou estelionato.

Assim, vamos fazer uma análise jurídica de como isso pode cair em provas.

Análise jurídica

Diferença entre apropriação indébita e estelionato

No caso em tela, há elementos que fortemente apontam para a configuração do delito de apropriação indébita, tipificado no art. 168 do Código Penal, ao qual iremos discorrer:

"Art. 168:

Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa."

Perceba, a ação nuclear é apropriar-se (apoderar-se, assenhorear-se, arrogar-se a posse) de coisa alheia móvel. Exige-se a anterior posse ou detenção lícita da coisa, em nome alheio. Ou seja, o agente deve ter, anteriormente à conduta típica, a posse justa ou a detenção lícita da coisa, sem que tenha a disponibilidade jurídica sobre ela.

Deste modo, a consumação do delito se dá com a inversão do título da posse, isto é, o agente deixa de possuir em nome alheio (alieno domine) para possuir como dono (causa dominii). Portanto, é um elemento subjetivo, que deve ser demonstrado por um ato exterior, algo que transcenda o simples elemento anímico, a mera vontade do agente.

A inversão do título ou da natureza da posse pode se consubstanciar na recusa em devolvê-la, quando o agente demonstra que a tomou para si, ou em algum ato de disponibilidade, em razão de só o proprietário poder dispor da coisa.

Crime doloso e material

A apropriação indébita é crime doloso, exigindo o animus rem sibi habendi, ou seja, o intuito de tomar a coisa para si.

Por exemplo, o atraso ou a demora na devolução da coisa não significam, por si sós, a configuração do delito, sendo imprescindível que demonstre a intenção do agente de modificar a natureza da posse, passando a possuir a coisa como dono.

Ademais, é crime material, pois exige que a coisa passe a ser possuída pelo agente a título de proprietário, o que acarreta o resultado naturalístico de lesão ao patrimônio da vítima.

Vale ressaltar que o STJ já aceitou a configuração do crime de apropriação indébita em caso de bem fungível:

(...) 1. Este Tribunal Superior já reconheceu a possibilidade de ocorrência do delito de apropriação indébita quando se trata de bem fungível. 2. É também entendimento deste Sodalício que o ressarcimento do prejuízo decorrente do desvio do bem depositado - inocorrente no caso - não descaracteriza o delito. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 528420/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 02/03/2018).

Ora, a presidente da comissão detinha legitimamente a posse do dinheiro, recebido dos colegas com destinação específica: a organização da festa de formatura.

Ao desviar essa quantia para uso pessoal em apostas online, promoveu a chamada inversão do ânimo da posse (animus rem sibi habendi), elemento subjetivo essencial para a caracterização deste crime.

Por que não é estelionato?

O estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal, exige a presença de fraude antecedente à obtenção da vantagem ilícita:

"Art. 171

Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa."

A prática da conduta se dá por meio de fraude, ou, como diz a lei, por meio de indução ou manutenção de alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. É crime de ação astuciosa.

Artifício é a astúcia ou dissimulação utilizada para que alguém interprete os fatos de forma errada.

Ardil é a sagacidade, o estratagema, a armação ou cilada.

Qualquer outro meio fraudulento representa a cláusula de interpretação extensiva, que deve ser feita com base nos exemplos de artifício e ardil.

A doutrina aponta haver a chamada dupla relação de causa de efeito: de início, o agente emprega o artifício, o ardil ou outro meio fraudulento para que o sujeito passivo seja induzido a erro ou mantido em erro; na sequência, em virtude do erro, há a obtenção de vantagem ilícita pelo agente e o consequente prejuízo para a vítima.

Para a caracterização do estelionato, seria necessário comprovar que, desde o início, a estudante já tinha a intenção de desviar os valores, utilizando-se de artifícios ou ardis para induzir os colegas a depositarem o dinheiro sob sua gestão.

A investigação policial precisará apurar se houve essa premeditação ou se a decisão de utilizar o dinheiro em apostas ocorreu posteriormente, quando já detinha legitimamente os valores.

A priori, pelas mensagens divulgadas não havia o intuito doloso desde o início da autora da ação.

Obviamente, sob a perspectiva da responsabilidade civil a autora deverá devolver o dinheiro das pessoas envolvidas. Por fim, vale salientar que a priori os crimes podem admitir a transação penal, por envolver delitos com pena mínima de 1 (um) ano.

Quadro comparativo

Guarde isso, para fins de concursos.

 Apropriação Indébita (Art. 168 CP)Estelionato (Art. 171 CP)
Posse inicial do bemLegítima (o agente recebe a posse licitamente)Obtida mediante fraude (artifício, ardil)
Momento da fraudePosterior à obtenção da posseAnterior ou concomitante à obtenção da posse
Comportamento típicoInverter o título da posse, atuando como proprietárioInduzir ou manter a vítima em erro
Consentimento da vítimaHá consentimento na entrega do bemConsentimento viciado pela fraude
Pena previstaReclusão de 1 a 4 anos e multaReclusão de 1 a 5 anos e multa


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