*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso
O ex-jogador de futebol Daniel Alves foi absolvido, nesta sexta-feira (28/03) da acusação de estupro de uma mulher numa casa noturna na cidade de Barcelona. O crime teria ocorrido em dezembro de 2022.
Foi a 2ª Instância da Justiça Espanhola que proferiu a decisão. Lá, o Tribunal Superior da Catalunha decidiu anular a sentença de 1º grau que condenou Daniel Alves a uma pena de 4 anos e 6 meses pela suposta prática do crime de estupro.
O ex-jogador foi preso preventivamente, em janeiro de 2023, enquanto esperava o julgamento do seu processo. Ele ficou detido por mais de um ano, até pagar fiança no valor de 1 milhão de euros e obter a sua liberdade provisória. O acusado ainda teria que cumprir dois anos de prisão caso a Corte Superior confirmasse a sentença proferida.
Os magistrados acolheram a tese da defesa e entenderam que houve imprecisões na decisão proferida pelo juízo a quo, com “falta de fiabilidade” do depoimento da vítima, e segundo a decisão “indicando expressamente que o que relata não corresponde à realidade.”
Além disso, desproveram recurso da Promotoria de Barcelona que pedia o aumento da pena de Daniel Alves para 9 anos e o seu retorno imediato à prisão, sem a possibilidade de arbitramento de fiança.
O órgão julgador colegiado anulou a sentença, provendo o recurso da defesa e desprovendo dois recursos que buscavam a ampliação da penalidade imposta. Nesse sentido, extrai-se o seguinte trecho da decisão absolutória:
“O que foi explicado pela denunciante difere sensivelmente do que aconteceu de acordo com o exame do episódio registrado. A divergência entre o que a queixosa relatou e o que realmente aconteceu compromete seriamente a fiabilidade da sua história”.
A partir da decisão do Tribunal Superior da Catalunha o ex-lateral direito Daniel Alves está totalmente em liberdade. Portanto, não pende contra ele nenhuma acusação na Justiça Espanhola.
Análise Jurídica
A condenação do ex-jogador de futebol Daniel Alves, em 2024, foi à pena de prisão de 4 anos e 6 meses, além de outros 5 anos em liberdade vigiada por supostamente ter estuprado uma mulher numa casa noturna da cidade de Barcelona.
Em face da sentença foram interpostos 3 recursos:
- Recurso da defesa de Daniel Alves;
- Recurso da promotoria responsável pela denúncia criminal;
- Recurso da “acusação particular” interposto pela vítima do crime.
Após analisar todos os argumentos levados nos recursos a Câmara de Apelações do Tribunal de Justiça da Catalunha absolveu o ex-jogador ao concluir que o depoimento da jovem foi insuficiente para contrariar a presunção de inocência.
Assim disse o órgão julgador:
"A Divisão de Apelações do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha acolheu por unanimidade o recurso do jogador de futebol que foi condenado pela Seção 21 do Tribunal Provincial de Barcelona a quatro anos e seis meses de prisão por agredir sexualmente uma jovem em uma boate de Barcelona em 31 de dezembro de 2022. O Pleno do Tribunal de Apelações, composto pelas juízas María Àngels Vivas (relatora), Roser Bach e María Jesús Manzano, e pelo juiz Manuel Álvarez, não compartilha 'da convicção do Tribunal de Primeira Instância expressa em sua decisão, cuja exposição contém, ao longo de sua fundamentação, uma série de lacunas, imprecisões, inconsistências e contradições quanto aos fatos, à apreciação jurídica e suas consequências'. O tribunal, assim, negou provimento aos recursos do Ministério Público — que requereu a anulação parcial da pena e, subsidiariamente, a majoração da pena para 9 anos — e da acusação particular — que requereu a majoração da pena para 12 anos — e absolveu os acusados, revogando as medidas cautelares impostas e declarando ex officio as custas processuais."
Da fundamentação do decreto absolutório de Daniel Alves, pode-se destacar os seguintes pontos:
Presunção de inocência
De acordo com o entendimento exarado pelo Tribunal, as provas apresentadas pela acusação não foram suficientes para superar a presunção (relativa) de inocência, que demanda prova robusta do cometimento da infração penal.
Falta de confiabilidade
Segundo se extrai da fundamentação da decisão colegiada, não se pode extrair confiabilidade do depoimento da autora justamente na parte do relato fático objetivamente verificável (os registros em vídeo obtidos do circuito de câmeras da casa noturna).
Tal fato, portanto, indica que a suposta vítima não relatou fatos correspondentes à realidade.
Divergência probatória
A versão alegada pela vítima e trazida na inicial acusatória de penetração vaginal não consentida não se adequa de forma suficiente às demais provas existentes no processo, contrastando com as provas técnicas produzidas no curso da instrução processual.
Segundo a decisão absolutória, a sentença anterior aceitou isoladamente a versão subjetiva da vítima sobre a agressão sexual, sem rigoroso confronto com as provas científicas.
Ausência de fiabilidade
A fiabilidade de um depoimento corresponde a sua veracidade, sendo a correspondência entre o conteúdo do depoimento e o que efetivamente ocorreu na vida real. Segundo o Tribunal Superior da Catalunha, não se pode confundir fiabilidade com credibilidade, sendo a primeira objetiva e verificável e a segunda subjetiva.
No caso analisado, a sentença confundiu os conceitos e o relato da vítima não era suficientemente fiável para sustentar a condenação.

A partir das notícias publicadas até o momento, é possível concluir que a decisão do Tribunal Superior da Catalunha considerou que a versão da acusação não foi suficientemente provada e, portanto, inapta para um decreto condenatório.
Um dos fundamentos que se pode extrair é a aplicação da “teoria da perda de uma chance probatória”. Esta representa um conceito jurídico complexo no âmbito do direito penal, que busca analisar as consequências da perda de oportunidades processuais que poderiam ter alterado significativamente o desfecho de uma investigação ou processo criminal.
A teoria da perda de uma chance probatória surge como um instrumento analítico que examina situações nas quais a negligência, desídia ou erro processual (inclusive na valoração das provas) resulta na eliminação de possibilidades concretas de produção probatória ou esclarecimento de fatos relevantes para a persecução penal.
A aplicação desta teoria pode resultar em:
- Reconhecimento de nulidades processuais;
- Responsabilização de agentes públicos por desídia;
- Possível revisão criminal;
- Indenizações por danos processuais.
Por fim, a teoria da perda de uma chance probatória no direito penal representa um importante instrumento de crítica e análise das práticas processuais, buscando garantir a máxima efetividade e justiça no processo penal, suportando a defesa em busca de garantir a máxima possibilidade de produção probatória e a sua análise adequada.
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!