STF mantém alunos de colégios militares no sistema de cotas

STF mantém alunos de colégios militares no sistema de cotas

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a regra que autoriza estudantes de colégios militares a concorrerem no sistema de cotas de universidades federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio.

O julgamento se deu no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.561.

Controvérsia da ADI 7.561: saber se é admissível que os alunos egressos de Colégios Militares possam ingressar nas instituições federais de ensino superior e técnico de nível médio nas vagas reservadas aos estudantes que tenham curso integralmente o ensino médio ou o ensino fundamental, respectivamente, em escolas públicas.

Todos os ministros da Suprema Corte seguiram o voto do relator, Gilmar Mendes, e votaram pela improcedência da ação ao considerar que os colégios militares são mantidos pelo Exército e regidos por normas específicas, preservando sua natureza pública.

Entendimento da PGR

A Procuradoria-Geral da República defendeu que não seria possível considerar os colégios militares como escolas públicas, pois não integram o sistema regular de ensino e apresentam padrão de excelência incompatível com o objetivo da política afirmativa.

Argumentou, ainda, que essas instituições possuem formas próprias de ingresso e não estão acessíveis a toda a população, o que comprometeria os princípios da isonomia e da justiça social que orientam a reserva de vagas.

Entendimento da AGU

Já a Advocacia-Geral da União defendeu que a natureza pública dos colégios militares está preservada, pois são criados, mantidos e administrados pelo Poder Público.

Ressaltou, ainda, que a lei de cotas utiliza critérios objetivos – e não o nível de excelência das instituições – para definir quais alunos têm direito ao benefício.

Fundamentos do julgamento

Importante registrar o entendimento do STF, indicado na ADI 5.082, de que os Colégios Militares, integrantes do Sistema de Ensino do Exército e instituição secular da vida social brasileira, possuem peculiaridades aptas a diferenciá-los dos estabelecimentos oficiais de ensino e qualificá-los como instituições educacionais sui generis, por razões éticas, fiscais, legais e institucionais.

A quota mensal escolar nos Colégios Militares não representa ofensa à regra constitucional de gratuidade do ensino público, uma vez que não há ofensa concreta ou potencial ao núcleo de intangibilidade do direito fundamental à educação.

A contribuição dos alunos para o custeio das atividades do Sistema Colégio Militar do Brasil não possui natureza tributária, tendo em conta a facultatividade do ingresso ao Sistema de Ensino do Exército, segundo critérios meritocráticos, assim como a natureza contratual do vínculo jurídico formado.

Mesmo diante desse entendimento exarado na ADI 5.082, o Supremo jamais acentuou que os Colégios Militares não possuíam natureza pública.

As Escolas Militares, portanto, possuem natureza pública, apenas estão sujeitas ao Sistema de Ensino do Exército (sistema sui generis).

A Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), ao dispor sobre a classificação das instituições de ensino, elenca as seguintes categorias:

  • Públicas, assim compreendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público (art. 19, I);
    • Privadas, assim compreendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado (art. 19, II);
    • Comunitárias, conforme dispuser a lei (art. 19, III).

    A Lei nº 9.786/1999 revela que os Colégios Militares foram criados pelo Poder Público e, embora possam ser financiados com receitas extraorçamentárias, são, em substância, mantidos e, sobretudo, administrados pelo Poder Público, no caso, pelo Exército Brasileiro.

    Os Colégios Militares são mantidos, em grande medida, com recursos repassados do orçamento do Ministério da Defesa, sendo certo que a quota mensal não tem o condão de afastar sua natureza pública.

    Os Colégios Militares devem ser considerados como escolas públicas, com a diferença de que não estão submetidos ao Sistema Nacional de Educação a que se refere o art. 214 da Constituição Federal, na medida em que se sujeitam a um regime jurídico sui generis. 

    Mas em que consiste o regime sui generis próprio das Escolas Militares? Vejamos.

    Regime sui generis dos Colégios Militares

    Propósito assistencial: objetiva prestar assistência às famílias dos militares que, como é de conhecimento geral, estão sujeitos a dificuldades próprias da carreira; e

    Propósito Preparatório: visa a preparar para a carreira das Forças Armadas.

    Modo de ingresso: o ingresso na instituição ocorre por intermédio de concurso ou por amparo normativo daqueles que são dependentes de militares e têm sua vida afetada de alguma forma devido à carreira de seus responsáveis.

    Custeio: possibilidade de contribuição de custeio dos alunos (não possui natureza tributária), o que não lhe retira sua natureza pública.

    Os militares estão sujeitos a diversas transferências de sede ao longo da carreira, o que, por certo, impõe mudanças de escolas de seus dependentes.

    Colégios militares

    Assim, as instituições de ensino militar, ao assegurarem o ingresso de dependentes de militares de carreira, longe de estabelecerem um privilégio injustificado, visam aplacar os efeitos percebidos pelas famílias em razão da carreira militar de um de seus integrantes.

    Trata-se, portanto, de uma especificidade própria do regime militar. Atualmente, o Sistema Colégio Militar do Brasil conta com 15 Colégios Militares no país, que buscam cumprir com esses objetivos.

    Mesmo diante desse contexto, uma parcela das vagas dos Colégios Militares destina-se ao público em geral, sendo preenchidas mediante aprovação em certame, a ampliar o objetivo e o leque preparatório de referidas instituições de ensino.

    Excelência

    Quanto à alegação de que a excelência dos Colégios Militares justificaria que os estudantes delas oriundos não pudessem fazer jus à política de cotas (instituída pela Lei 12.711/2012), também não há razão para subsistir, já que a qualidade do ensino não consubstancia fator eleito pela legislação para efeito de enquadramento na política pública estipulada pela Lei em questão.

    A eficiência das ações afirmativas exige do Estado o estabelecimento de critérios objetivos e, justamente por esse motivo, percebe-se que o legislador não erigiu o nível individual de escolaridade dos alunos como parâmetro de inclusão no regime especial estabelecido pela Lei nº 12.711/2012.

    Sistema de reserva de vagas

    Por fim, importante destacar que houve um aperfeiçoamento do o sistema de reserva de vagas. Pela nova sistemática, os candidatos, inicialmente, concorrem às vagas destinadas à ampla concorrência. Somente se não alcançada nota para ingresso por meio dessa modalidade, passam a concorrer às vagas reservadas (cotas).

    Ou seja, a concorrência pelas vagas reservadas ocorre somente após a não classificação na ampla concorrência, passando a ter caráter subsidiário, o que enfraquece o argumento relacionado à excelência do ensino como apto a justificar o afastamento do regime de cotas.

    A reserva de vagas operada pela Lei 12.711/2012 é bipartida:

    1. 25% das vagas gerais são destinadas a alunos de escolas públicas oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1 (um) salário-mínimo (art. 1º, parágrafo único);
    2. 25% das vagas gerais são remetidas a alunos de escolas públicas genericamente (art. 1º, caput).

    Em resumo, as Escolas Militares não perdem sua natureza pública em decorrência de 4 fundamentos, a saber:

    1º) A definição de escolas públicas se encerra na criação, incorporação, manutenção e administração pelo Poder Público, sendo este o caso das Escolas Militares.

    2º) O método peculiar de ingresso não afasta a natureza pública de uma escola, a exemplo dos Institutos Federais (Lei 11.892/2008)

    3º) Os propósitos dos Colégios Militares denotam, inequivocamente, a finalidade pública que os orienta.

    4º) A qualidade do ensino não consubstancia fator eleito pela legislação para efeito de enquadramento na política pública estipulada pela Lei nº 12.711/2012.


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