ADO 73: omissão na proteção de trabalhadores em face da automação

ADO 73: omissão na proteção de trabalhadores em face da automação

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o Congresso Nacional foi omisso ao não editar uma lei para proteger trabalhadores urbanos e rurais dos impactos da automação.

A decisão se deu no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 73.

A Constituição Federal prevê tal proteção em seu artigo 7º, XXVII. Vejamos:

CF/88

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

...

XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;

A Procuradoria-Geral da República sustentou a missão do Congresso em editar lei nesse sentido, além de reconhecer a omissão no cumprimento desse dever.

ADO

Importante destacar que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é um instrumento essencial para garantir a efetividade e normatividade da Constituição. A fiscalização das omissões é vital em constituições compromissórias e dirigentes, que impõem metas vinculantes e direitos que exigem prestações materiais.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) é uma ação de controle concentrado de constitucionalidade que tem por objetivo o controle de omissões do Poder Público que possam ser contrárias à ordem constitucional.

O desrespeito à Constituição pode ocorrer mediante:

  • Ação estatal; ou
  • Inércia governamental.

Desse modo, se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional.

A ADO tem por objetivo provocar legítima reação jurisdicional que, expressamente autorizada e atribuída ao Supremo Tribunal Federal pela própria Carta Política, destina-se a (STF, ADO 26, Rel. Min. Celso de Mello):

  • Impedir o desprestígio da Lei Fundamental;
  • Neutralizar gestos de desprezo pela Constituição;
  • Outorgar proteção a princípios, direitos e garantias nela proclamados; e
  • Obstar, por extremamente grave, a erosão da consciência constitucional.

Proteção em face da automação

O Art. 7º da Constituição Federal, que elenca os direitos fundamentais dos trabalhadores urbanos e rurais, é um exemplo do caráter dirigente da Carta Magna, e em diversos incisos (incluindo a proteção em face da automação) exige atuação do legislador para a concretização do direito.

Apesar do comando constitucional, passados quase 35 anos da promulgação da CF, a matéria não foi regulamentada, configurando uma omissão inconstitucional. A delegação ao legislador ordinário é crucial para permitir que o direito acompanhe o avanço tecnológico.

O julgamento da ADO 73 estabeleceu que a futura regulamentação deve buscar a compatibilização dos postulados da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano (Arts. 1º, IV e 170, CF), e simultaneamente incentivar o desenvolvimento tecnológico (Art. 218, caput, CF).

automação

A proteção não pode significar limitações ao avanço tecnológico.

O avanço tecnológico possui um caráter duplo, pois traz:

• Benefícios: benefícios sociais (como a substituição do trabalho humano em atividades insalubres e perigosas e a ampliação do tempo de lazer), aumenta a competitividade das empresas, e favorece a criação de novos postos de trabalho em funções relacionadas à operação, manutenção e aperfeiçoamento de artefatos tecnológicos.

• Riscos: favorece reestruturações organizacionais com redução de postos de trabalho, adicionando desafios à busca pelo pleno emprego, e pode gerar questões relacionadas à saúde e segurança no trabalho. A automação, impulsionada pela inteligência artificial (IA), passou a impactar o setor de serviços e trabalhadores com formação superior (como jornalistas, tradutores, contabilistas e programadores).

Desigualdades

Estudos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e da consultoria McKinsey indicam uma estimativa de perda de até 50% dos postos de trabalho no Brasil devido ao uso crescente de processos automatizados, com a pandemia da Covid-19 acelerando a automação de várias tarefas.

O relator da ação, ministro Barroso, destacou que a automação, se não regulamentada adequadamente, pode reforçar as desigualdades sociais e regionais, já que o risco de automação diminui à medida que o nível de qualificação dos empregos aumenta.

Os principais aspectos da proteção que devem ser considerados envolvem:

  • Capacitação Profissional: o acesso a programas de treinamento e capacitação para que o trabalhador, diante da automação de sua tarefa, seja realocado na mesma empresa ou reabsorvido pelo mercado de trabalho. A Constituição já determina a promoção da capacitação científica e tecnológica pelo Estado (art. 218, CF).
  • Saúde e Segurança: a adoção de medidas pelo empregador para a preservação de um meio ambiente de trabalho saudável e seguro, o que inclui treinamento adequado e a não utilização de tecnologias lesivas ou impositivas de ritmos extenuantes.

Podemos perceber, portanto, que o tema tem íntima relação com o direito ambiental, na modalidade do meio ambiente laboral.

Meio ambiente laboral

O meio ambiente do trabalho é o conjunto de elementos que compõem o local de trabalho, incluindo pessoas, máquinas, equipamentos, organização, relações interpessoais e condições físicas, como iluminação, conforto térmico, segurança e salubridade.

Esse meio ambiente laboral visa garantir a saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores, sendo a prevenção de acidentes e a promoção de um ambiente digno e sadio seu objetivo principal.

Elementos que compõem o meio ambiente de trabalho
Físicos: Iluminação, ventilação, conforto térmico, nível de ruído, presença de insalubridade ou periculosidade.
Ergonômicos: Adaptação do trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, para proporcionar conforto, segurança e desempenho eficiente.
Relações interpessoais: Clima organizacional, liderança, diversidade, inclusão e comunicação entre colegas e gestores.
Organização do trabalho: Flexibilidade, estrutura e métodos de trabalho que impactam a saúde e o bem-estar dos colaboradores.

E a proteção do trabalhador diante da automação deve ser entendida nesse contexto da garantia de um meio ambiente sadio, sustentável e seguro.

Destaco que tais preocupações já constam de projetos de lei e práticas internacionais, que incluem a negociação entre empresas e sindicatos, a priorização de trabalhadores idosos, e a prevenção de riscos ocupacionais.

Ao final, o Supremo concedeu prazo de 24 meses ao Legislativo para que elabore norma sobre a matéria.

Ótimo ponto para provas de direito constitucional, direito do trabalho e direito ambiental.


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