Análise Jurídica – STJ – Info 820 – REsp 1.852.362-SP – Abusividade de cláusulas de responsabilidade em contratos de TV por assinatura e internet

Análise Jurídica – STJ – Info 820 – REsp 1.852.362-SP – Abusividade de cláusulas de responsabilidade em contratos de TV por assinatura e internet

Introdução

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgado (REsp 1.852.362-SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 6/8/2024), enfrentou uma questão crucial no âmbito do direito do consumidor: a validade de cláusulas contratuais que impõem ao consumidor responsabilidade integral por danos, perda, furto, roubo ou extravio de equipamentos fornecidos em comodato ou locação por prestadoras de serviços de TV por assinatura e internet.

Para ilustrar a aplicação prática dessa decisão, consideremos o seguinte caso hipotético:

Maria contratou serviços de TV por assinatura e internet com a empresa TeleX. No contrato, havia uma cláusula que estabelecia: “O CLIENTE será integralmente responsável por quaisquer danos, perdas, furtos, roubos ou extravios dos equipamentos fornecidos pela TeleX, devendo indenizar a empresa pelo valor integral do bem”.

Três meses após a instalação, a residência de Maria foi assaltada e os equipamentos foram roubados. A TeleX, com base na cláusula contratual, cobrou de Maria o valor integral dos equipamentos.

Aplicando-se o entendimento do STJ no REsp 1.852.362-SP, a cláusula que impõe a Maria a responsabilidade integral pelos equipamentos seria considerada nula.

Por outro lado, Maria poderia invocar a exceção de caso fortuito ou força maior (o roubo), cabendo a ela demonstrar a ocorrência do fato.

O caso concreto e a decisão do STJ

No caso em tela, discutiu-se a legalidade de cláusulas em contratos de prestação de serviços de TV por assinatura e internet que previam a responsabilidade do consumidor em indenizar dano, perda, furto, roubo ou extravio de quaisquer equipamentos entregues em comodato ou locação pela prestadora de serviço.

O STJ, por maioria, decidiu pela nulidade dessas cláusulas, considerando-as abusivas e em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A decisão do STJ encontra respaldo no art. 51, IV, do CDC, que estabelece:

Cláusulas

Além disso, o art. 4º, I, do CDC prevê o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo.

Nesse sentido, Claudia Lima Marques, em sua obra “Contratos no Código de Defesa do Consumidor” (8ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 903), ressalta que “a boa-fé objetiva é um standard, um parâmetro objetivo, genérico, que não está a depender da má-fé subjetiva do fornecedor A ou B, mas de um patamar geral de atuação, do homem médio, do bom pai de família que agiria de maneira normal e razoável naquela situação analisada”.

Análise da decisão

O STJ fundamentou sua decisão em três pontos principais:

  1. Ausência de liberdade de escolha do consumidor quanto à pessoa jurídica com quem celebrará o contrato de comodato ou locação dos equipamentos.
  2. Caráter acessório dos contratos de locação e comodato em relação ao contrato principal de prestação de serviços.
  3. Desequilíbrio contratual gerado pela imposição ao consumidor da assunção do risco pelo perecimento ou perdimento do equipamento.

O Ministro Relator Humberto Martins destacou que “a manutenção das cláusulas de assunção integral do risco constantes de contratos de adesão, redigidos unilateralmente pelo fornecedor, representa prática abusiva e desequilíbrio contratual, colocando o consumidor em desvantagem exagerada”.

Jurisprudência relacionada

Este entendimento do STJ alinha-se com decisões anteriores que já sinalizavam a proteção do consumidor em situações similares. Por exemplo:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TV POR ASSINATURA. FURTO DE EQUIPAMENTOS. CLÁUSULA DE RESPONSABILIDADE INTEGRAL DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incidente, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ.

Agravo interno não provido.”

(AgInt no AREsp 1653495/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/03/2021, DJe 12/04/2021)

Como o tema já caiu em concursos

Prova: Instituto Consulplan - 2019 - MPE-SC - Promotor de Justiça - Vespertina

O Código de Defesa do Consumidor estabelece a nulidade de pleno direito das cláusulas contratuais abusivas relativas ao fornecimento de produtos e serviços, que transfiram responsabilidades a terceiros e estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor, dentre outras. (Certo)

Conclusão

A decisão do STJ no REsp 1.852.362-SP representa um importante avanço na proteção dos direitos do consumidor, especialmente no contexto dos contratos de prestação de serviços de TV por assinatura e internet.

Ao declarar nulas as cláusulas que impõem responsabilidade integral ao consumidor por danos aos equipamentos, o Tribunal reafirma o princípio da vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de equilíbrio nas relações contratuais de consumo.

Portanto, esta decisão deve servir como um alerta para as empresas do setor, que precisarão revisar seus contratos para adequá-los a este novo entendimento, sob pena de verem suas cláusulas declaradas nulas pelo Judiciário.


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