Morte de gari em BH com arma de delegada: limites da responsabilidade penal e administrativa

Morte de gari em BH com arma de delegada: limites da responsabilidade penal e administrativa

Explicação do caso12

Na manhã de uma segunda-feira, em Belo Horizonte (MG), um gari foi morto a tiros após uma discussão de trânsito com um empresário. Segundo a Polícia Militar, o caminhão de coleta estava parado quando um carro se aproximou no sentido contrário e o condutor, irritado, acusou o veículo de atrapalhar a passagem. Armado, o motorista ameaçou “dar um tiro na cara” do trabalhador. Ao ultrapassar o caminhão, ele desceu do carro com a arma em punho, recarregou e disparou contra o gari, atingindo-o nas costelas e no braço.

Arma

A vítima conseguiu socorro, mas morreu no hospital por hemorragia interna. No local, a perícia recolheu munições calibre .380, sendo uma deflagrada e outra intacta. Horas depois, o suspeito foi preso em flagrante em uma academia, reconhecido por testemunhas.

A Polícia Civil confirmou que a arma utilizada pertencia à esposa do suspeito, que é delegada de polícia. Ela não estava presente no momento do crime. Um procedimento disciplinar e um inquérito foram instaurados para apurar sua conduta.

O empresário foi autuado por homicídio qualificado — motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima —, porte ilegal de arma de fogo e ameaça.

O episódio levantou debate sobre eventual responsabilidade penal e administrativa da delegada, já que a arma estava registrada em seu nome e foi usada pelo marido para cometer o crime.

Aspectos jurídicos relevantes

Quanto ao empresário

    O suspeito responderá pelo crime de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal, por ter intimidado a motorista do caminhão de coleta ao afirmar que “daria um tiro na cara” da vítima. Trata-se de delito que tutela a liberdade psíquica da pessoa, consumando-se com a simples intimidação, independentemente da execução efetiva da ameaça. A pena prevista é de detenção de um a seis meses ou multa, podendo essa reprimenda cumular-se com as demais, em razão do concurso material de crimes.

    Responderá também por porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei nº 10.826/2003) — crime autônomo, praticado antes e de forma independente do homicídio, razão pela qual não há consunção. Configura-se, portanto, concurso material (art. 69 do CP), com somatório de penas.

    Por fim, responderá por homicídio qualificado (art. 121, §2º, II e IV, do Código Penal), crime punido com reclusão de 12 a 30 anos, pela combinação de motivo fútil e recurso que impossibilitou a defesa da vítima. O motivo fútil decorre da desproporção entre a causa (uma discussão de trânsito) e a reação (o disparo fatal). Já o recurso que dificultou a defesa se caracteriza pela surpresa, pois a vítima foi alvejada de inopino.

    A competência para o julgamento de todos os crimes imputados ao investigado será do Tribunal do Júri, nos termos do art. 5º, XXXVIII, “d”, da Constituição Federal e do art. 74, §1º, do Código de Processo Penal, uma vez que o processo envolve crime doloso contra a vida — o homicídio qualificado. Assim, as demais infrações penais (ameaça e porte ilegal de arma de fogo), por conexão, serão também apreciadas pelo Júri Popular, que detém competência constitucional para julgar tais casos de forma unificada.

    Destaca-se que a prisão preventiva do investigado encontra respaldo na jurisprudência. Como afirmou o STJ: "A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade, desde que justificada por elementos concretos. A gravidade concreta dos delitos e a periculosidade do réu justificam a manutenção da prisão preventiva. Primariedade e bons antecedentes não afastam a necessidade da prisão preventiva quando necessária para garantir a ordem pública" (AgRg no HC 989261/PR). No caso, a violência demonstrada e o uso de arma em contexto banal indicam risco de reiteração delitiva e justificam a segregação cautelar.

    Quanto à delegada

      Quanto à delegada proprietária da arma, não há responsabilidade penal, pois ela não participou voluntariamente nem aderiu à conduta criminosa.

      O crime de omissão de cautela (art. 13 da Lei nº 10.826/2003) só se configura quando a arma é acessada por menor de 18 anos ou pessoa com deficiência mental, o que não ocorreu.

      No entanto, há possível responsabilidade administrativa com base no art. 150, XV, da Lei nº 5.406/1969 e na Lei Complementar nº 129/2013 (Lei Orgânica da Polícia Civil de MG), que tipifica como transgressão disciplinar “fazer uso indevido de arma ou equipamento que lhe haja sido confiado para o serviço”. Se a apuração concluir que houve negligência na guarda da arma, ela poderá sofrer sanções administrativas, como advertência, suspensão ou demissão.

      Consequências

      A responsabilização penal do empresário tende a ser severa, diante das qualificadoras e do concurso material. Assim, a pena poderá ultrapassar 20 anos, considerando a gravidade em concreto da conduta e o uso de arma de fogo.

      A prisão preventiva, já decretada, serve para garantir a ordem pública e prevenir novas condutas violentas, especialmente considerando a agressividade e a disposição do investigado em usar arma por motivo banal. Inclusive, a jurisprudência do STJ corrobora tal medida, reforçando que a primariedade não afasta a necessidade da prisão quando a periculosidade está evidenciada.

      No âmbito administrativo, a Polícia Civil deverá apurar se a delegada violou seu dever funcional de guarda e controle de arma institucional ou particular registrada.

      Como isso vai cair na sua prova?

      Questão:
      Em um caso de homicídio qualificado, o autor portava ilegalmente arma de fogo antes do crime.

      Sobre a situação, assinale a alternativa correta:

      a) O crime de porte ilegal é absorvido pelo homicídio.

      b) O crime de porte ilegal só subsiste se a arma for de uso restrito.

      c) Há concurso formal entre porte ilegal e homicídio.

      d) Há concurso material entre porte ilegal e homicídio.

      e) O proprietário da arma sempre responde como partícipe do homicídio.

      Gabarito: d)

      Explicação: O porte ilegal foi crime autônomo, não absorvido pelo homicídio, havendo concurso material (art. 69 do CP).


      1. MACHADO, Giovanna. Empresário mata gari e é preso em academia horas depois do crime em MG. CNN Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/mg/empresario-e-preso-suspeito-de-matar-gari-apos-briga-de-transito-em-mg/#goog_rewarded>. ↩︎
      2. SANTIAGO, Francielly. Empresário preso por matar gari diz que arma era da esposa delegada. G1 Minas Gerais. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2025/08/12/arma-usada-para-matar-gari-e-de-delegada-esposa-do-suspeito-diz-em-depoimento-empresario-preso.ghtml>. ↩︎

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