* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a simplificação do processo de licenciamento ambiental no Rio Grande do Sul só se aplica a atividades de pequeno potencial de impacto ambiental.
A Corte também declarou inconstitucional um tipo de licença que flexibiliza o procedimento para atividades que já estão em operação, caso tenha havido descumprimento de prazos ou etapas do licenciamento.
A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.618. Nela, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava a validade de diversos trechos do Código Estadual do Meio Ambiente (Lei 15.434/2020) e da política agrícola estadual para florestas plantadas (Lei 14.961/2016).
Novos tipos de licenciamento ambiental
Segundo o PGR, mesmo sem previsão em lei federal, as normas contestadas estabeleceram novos tipos de licenciamento ambiental – a licença única (LU), a licença de operação e regularização (LOR) e a licença ambiental por compromisso (LAC). Isso violaria à competência da União para estabelecer normas gerais de proteção e responsabilidade por danos ao meio ambiente.
O procurador-geral sustentou, ainda, que os dispositivos questionados não limitaram os novos tipos de licença às atividades de pequeno potencial de impacto poluidor-degradador e remeteram a definição das atividades a serem licenciadas ao Conselho Estadual do Meio Ambiente.
Em resumo, segundo a Procuradoria-Geral da República, as normas violam, entre outros pontos, a competência comum dos entes federados para a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas, da fauna e da flora, bem como o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever estatal de promover a sua defesa e proteção para as presentes e futuras gerações.
O relator da ADI foi o ministro Cristiano Zanin, que foi acompanhado pela maioria do Plenário.
Segundo Zanin, a legislação federal, fundamentada diretamente na Constituição Federal, estabelece que os procedimentos simplificados para licenciamento ambiental devem ser destinados apenas a empreendimentos ou atividades de pequeno potencial poluidor ou degradador do meio ambiente.
De acordo com regulação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), deve-se aplicar a simplificação de forma excepcional. Contudo, as normas gaúchas flexibilizaram indevidamente a concessão do licenciamento, ao não listar quais atividades poderiam ser autorizadas por meio das licenças mais simples.
Também declarou-se inconstitucional outro trecho do Código de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul que autoriza a contratação de pessoas ou empresas ou a assinatura de convênios e parcerias para auxiliar no licenciamento, sob o fundamento de que essa tarefa é indelegável:
“A norma abre margem para que terceiros, que não servidores públicos, realizem atos que envolvam o exercício de funções tipicamente públicas”.
Análise jurídica
Meio ambiente como direito fundamental
Entre as Constituições brasileiras, a de 1988 foi a primeira a expressamente citar, no art. 225, o direito ao meio ambiente equilibrado. O fato de não haver menção ao meio ambiente no rol dos direitos fundamentais do art. 5° da Constituição em nada modifica o seu reconhecimento como direito fundamental.
O Supremo Tribunal Federal também o reconhece como direito fundamental. Isso porque o meio ambiente equilibrado está intimamente relacionado com a ideia da dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana.
Em decorrência dessa constatação, não se pode exercer a atividade econômica em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente, conforme artigo 170, da CF/88.
O art. 10, da Lei n. 6.938/1981, estabelece que todas as atividades e empreendimentos que sejam potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de licenciamento ambiental.
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se tiver presente que a índole econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, meio ambiente cultural, meio ambiente artificial (espaço urbano) e meio ambiente laboral.
Licenciamento ambiental
Nesse contexto, entra em cena o licenciamento ambiental como um dos instrumentos mais importantes e eficazes de tutela do meio ambiente.

Como aponta Marcelo Abelha Rodrigues “A licença ambiental é o ato administrativo complexo que resulta de um procedimento administrativo com amplo contraditório (licenciamento), no qual são realizados estudos ambientais justamente para embasar a concessão ou a denegação do pedido”.
O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo que deve ser público, fundamentado, imparcial, observando os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
A licença ambiental, como licença que é, se constitui com um ato administrativo vinculado, unilateral e dotado de definitividade. Assim o Poder Público fica atrelado a verificação ou não das exigências legais, o que não afasta o poder da Administração de ponderar o equilíbrio entre desenvolvimento e defesa do meio ambiente.
Tipos
No bojo do licenciamento podemos encontrar as licenças ambientais. A legislação federal prevê três tipos básicos de licenças ambientais. Vejamos:
Licença prévia: concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação (art. 8º, I, da Resolução CONAMA 237/97);
Licença de instalação: autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante (art. 8º, II, da Resolução CONAMA 237/97); e
Licença de operação: autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação (art. 8º, III, da Resolução CONAMA 237/97).
Federalismo cooperativo
O Supremo Tribunal Federal tem ressaltado a importância de consolidar o equilíbrio federativo em matéria ambiental. A intenção é fortalecer não apenas a autonomia dos entes da Federação, como atender às peculiaridades regionais e locais. Assim, se mais protetivas ao meio ambiente, prevalecem as normas estaduais e municipais.
O federalismo cooperativo é particularmente efetivo em um país como o Brasil, uma vez que, detentor de um território amplo e de diferentes biomas de relevância substancial ao planeta, tem neste modelo a possibilidade de proteger e preservar o meio ambiente de maneira muito mais efetiva. Isso porque os entes subnacionais, além de compartilharem competências, podem editar normas voltadas para as especificidades de cada região. Tal possibilidade, no entanto, encontra limitação na moldura estabelecida pelas normas federais.
O STF decidiu, portanto, que o processo decisório para a concessão do licenciamento ambiental é complexo e demanda a análise de vários fatores. Esse é o motivo pelo qual a simplificação de seu procedimento, ou ainda o estabelecimento de procedimentos específicos, é excepcional.
Ainda segundo jurisprudência do STF, a licença simplificada só é legítima em atividades e empreendimentos de pequeno potencial degradador, tendo em vista que o risco ao meio ambiente é diminuído.
Ótimo tema para provas de direito ambiental.
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