Dino nega validade de lei estrangeira no país (ADPF 1.178)

Dino nega validade de lei estrangeira no país (ADPF 1.178)

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STF

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, decidiu que leis ou decisões judiciais de outros países não têm efeitos no Brasil, a não ser que passem por uma validação da justiça brasileira (ADPF 1.178).

Leis estrangeiras só têm validade no Brasil quando há homologação pelo Judiciário nacional ou observância dos mecanismos de cooperação judiciária internacional.

Mesmo sem citar o caso da Lei Magnitsky, imposta pelos Estados Unidos como sanção ao ministro Alexandre de Moraes, Dino afirmou que o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças. Ele disse ainda que a decisão se mostrou necessária diante de imposição de força de algumas nações sobre outras.

Dino

A decisão se deu no bojo da ADPF 1.178, ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) contra ações judiciais da Inglaterra que buscam indenizar brasileiros que foram vítimas de rompimentos de barragens e mais desastres naturais (tragédia de Mariana).

Segundo o Ibram, seria inconstitucional a interpretação jurídica que vem sendo adotada por diversos Municípios brasileiros, no sentido de que eles poderiam litigar diretamente perante jurisdições estrangeiras, em detrimento da jurisdição brasileira, sobre fatos ocorridos no Brasil e regidos pela legislação brasileira.

Fundamento da ADPF

E qual o fundamento do pedido nessa ADPF?

FUNDAMENTO DO PEDIDO DA ADPF 1.178
A prática compromete a soberania nacional ao permitir que entes subnacionais (Municípios), submetam-se à jurisdição de Estados estrangeiros, renunciando à imunidade de jurisdição do Estado brasileiro em face de outros Estados nacionais. Assim, ao litigar em jurisdições estrangeiras, os Municípios atentam contra o pacto federativo, porquanto extrapolam as competências que lhes foram atribuídas pela Constituição, as quais não abarcam poderes para atuação no âmbito internacional.

Portanto, os Municípios estariam violando:

  • A soberania nacional (arts. 1º, I; 4º, I e V; 13; e 21, I, da CF);
  • O pacto federativo (arts. 1º, caput; 18, caput; e 30, da CF);
  • A organização e as competências atribuídas ao Poder Judiciário brasileiro (arts. 2º; 5º, XXXV, LIII, LIV, LV e LXXVIII; 93, IX; 127; 129; e 134, da CF); e
  • As regras e os princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, sobretudo da municipal (arts. 5º, II, XIV e XXXIII; 37, caput; 52, V; 131; e 132, caput, da CF).

Argumentos da AGU

A Advocacia-Geral da União concordou com o Ibram, argumentando que a interpretação jurídica impugnada viola a Constituição Federal pelas seguintes razões:

a) Primeiro, por ofensa à soberania nacional, ao pacto federativo e à organização do Estado brasileiro. Isso porque um ente federativo municipal não possui competência conferida pela Carta Maior para comparecer em juízo em foro estrangeiro, em violação aos arts. 1º, caput e inciso I; 18, caput, 21, I, 30 e 84, VII, da CRFB;

b) Segundo, também por ofensa à soberania nacional, mas desta vez em sua feição interna, em razão de não ser conferido a um ente federativo submeter pretensões jurídicas em foro estrangeiro como forma de esvaziar institucionalmente o Poder Judiciário brasileiro e as demais instituições previstas na Constituição Federal, em violação aos arts. 2º; 5º, incisos XXXV, LIII, LIV, LV, LX e LXXVIII; 93, inciso IX; 109, inciso II; e 127 da CRFB.

Dino destacou:

“Em se cuidando de entes públicos integrantes do Estado Federal Brasileiro, os municípios acham-se vinculados, em grau hierárquico mais elevado, às decisões do STF, caso desejem aderir ao acordo homologado. Quaisquer outros compromissos assumidos, ou mesmo consequências advindas de sentenças estrangeiras, são subordinados aos órgãos de soberania do Brasil, especialmente por se tratar de parcela do patrimônio público nacional, sob a gestão de unidades federadas. Estas são autônomas, mas não soberanas, conforme basilar preceito cuja invocação é pertinente.”

Na decisão, Dino afirmou que o Ibram não tem obrigação de cumprir a lei de outro país. Além disso, ele fez pontuações que podem servir para desqualificar a aplicação da Lei Magnitsky, por exemplo, contra o ministro Alexandre de Moraes, também do Supremo.

O ministro chamou a atenção para o recrudescimento de ações internacionais hostis em face do Estado Brasileiro, refletidas em diferentes tipos de protecionismos e de neocolonialismos utilizados contra os povos mais frágeis, sem diálogos bilaterais adequados ou submissão a instâncias supranacionais, redundando no fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas Nações sobre outras.

Na prática, temos observado, segundo Dino:

  • Agressão a postulados essenciais do Direito Internacional;
  • Instituições do multilateralismo absolutamente ignoradas; e
  • Tratados internacionais sendo abertamente desrespeitados, inclusive os que versam sobre a proteção de populações civis em terríveis conflitos armados, alcançando idosos, crianças, pessoas com deficiência, mulheres.

      A grande questão, portanto, é saber se a decisão estrangeira tem eficácia em relação a pessoas jurídicas de Direito Público e de Direito Privado sediadas e/ou com atuação no Brasil. A resposta é negativa!

      Fundamentos para inaplicabilidade

      Mas quais foram os fundamentos utilizados por Flávio Dino para decidir pela inaplicabilidade de decisão estrangeira no território nacional? Vejamos:

      FUNDAMENTOS DA DECISÃO NA ADPF 1.178
      Soberania: a submissão de um Estado nacional à jurisdição de outro constitui um autêntico “ato de império” (acto jure imperii), assim compreendido como exercício de suas prerrogativas soberanas. Como o Estado é soberano, ele não deve se submeter a julgamentos realizados por outros Estados, pois isso implicaria reconhecer uma sujeição incompatível com a ideia de soberania.
      Igualdade: a igualdade entre os Estados (art. 4º, V, da CF) resulta na impossibilidade de submissão do Estado brasileiro à jurisdição de outro, pois iguais não podem julgar iguais.
      Territorialidade: a regra é a territorialidade, determinando a incidência da autoridade brasileira sobre as pessoas sediadas no país, de modo que a extraterritorialidade, no âmbito jurídico, é absolutamente excepcional, conforme art. 17 da LINDB.

      O art. 17, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB, é claro ao dispor que “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.

      Ao final, Dino determinou que:

      I) Decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante a devida homologação, ou observância dos mecanismos de cooperação judiciária internacional, conforme arts. 105, I, “i”, da Constituição Federal, e 26 e 27 do CPC;

      II) Leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a:

      a) pessoas naturais por atos em território brasileiro;

      b) relações jurídicas aqui celebradas;

      c) bens aqui situados, depositados, guardados, e

      d) empresas que aqui atuem.

      Entendimento diverso depende de previsão expressa em normas integrantes do Direito Interno do Brasil e/ou de decisão da autoridade judiciária brasileira competente;

      III) Qualquer violação aos itens I e II constitui ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, portanto presume-se a ineficácia de tais leis, atos e sentenças emanadas de país estrangeiro. Tal presunção só pode ser afastada, doravante, mediante deliberação expressa do STF, em sede de Reclamação Constitucional, ofertada por algum prejudicado, ou outra ação judicial cabível, ressalvada a competência disposta no art. 105, I, “i”, da CF; e

      IV) Estados e Municípios brasileiros estão, doravante, impedidos de propor novas demandas perante tribunais estrangeiros, em respeito à soberania nacional e às competências atribuídas ao Poder Judiciário brasileiro pela Constituição.

      Posteriormente, Dino esclareceu que a decisão não se aplica aos chamados tribunais internacionais. Ou seja, as decisões de tribunais internacionais — que não é o caso da Lei Magnitsky — continuam sendo obedecidas normalmente.

      Lembrando que o Brasil é signatário de acordos que reconhecem que decisões dessas cortes têm efeito imediato, a exemplo do Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, na Holanda. Isso implica que as decisões desse tribunal, em tese, têm que ser cumpridas pelo Brasil.

       Ótimo tema para provas de direito constitucional, direito civil e processo civil!


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