Vacinação obrigatória: Justiça condena pais que não vacinaram os filhos contra a COVID-19

Vacinação obrigatória: Justiça condena pais que não vacinaram os filhos contra a COVID-19

Entenda o caso da condenação de pais em Santa Catarina por se recusarem a vacinar os filhos contra a COVID-19, com base no ECA e decisões do STF sobre vacinação obrigatória.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

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Entenda o que aconteceu?

A Justiça de Santa Catarina condenou pais que se recusaram a vacinar os filhos contra a Covid-19.

As condenações (três) se concentraram na cidade catarinense de Schroeder, distante aproximadamente 300 quilômetros de Florianópolis. 

Em uma delas, foi aplicada multa de 3 salários-mínimos (R$4.236,00). Em outras duas, a condenação foi de 6 salários-mínimos (R$8.472,00).

O Conselho Tutelar e o Ministério Público tentaram convencer os pais da necessidade de vacinação dos filhos; mesmo assim, eles se recusaram a vacinar, e não apresentaram justificativa médica para a não vacinação.

O valor arrecadado com as multas será revertido ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Schroeder.

Análise Jurídica

Mas será que a vacinação contra a COVID-19 é mesmo obrigatória? Quais as implicações jurídicas da não vacinação? Vejamos!

A vacinação contra COVID-19 é obrigatória por estar incluída no Programa Nacional de Imunizações. A recusa dos pais pode ser vista como negligência à saúde dos filhos.

É dever de todos (família, comunidade, sociedade, poder público) assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida e à saúde de todas as crianças e adolescentes.

Dessa forma, a recusa dos pais em vacinar os filhos pode configurar uma violação desses direitos fundamentais (saúde e vida).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 14, §1º, é claro ao prever a obrigatoriedade da vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.

§ 1º É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
(ECA)

Decisões do STF Sobre Vacinação Obrigatória

Há decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido da obrigatoriedade da vacinação, desde que registrada em órgão de vigilância sanitária e incluída no Programa Nacional de Imunizações. 

Em 1973 foi formulado o Programa Nacional de Imunizações (PNI), por determinação do Ministério da Saúde, com o objetivo de coordenar as ações de imunizações que se caracterizavam, até então, pela descontinuidade, pelo caráter episódico e pela reduzida área de cobertura.

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.123, o Plenário do STF referendou a liminar concedida pelo ministro Cristiano Zanin e manteve a obrigatoriedade de comprovar vacinação contra covid-19 para matrícula em escolas de Santa Catarina.

A liminar suspendia a validade de decretos de municípios de Santa Catarina que dispensaram a exigência de vacina contra a covid-19 para matrícula e rematrícula na rede pública de ensino.

Pelo menos 2 fundamentos foram utilizados:

Insegurança sanitária: O início das aulas demandava situação de urgência, a fim de evitar que as crianças fossem expostas a um ambiente de insegurança sanitária.

Atuação colaborativa: A decisão de vacinar contra COVID-19 ultrapassa o âmbito individual ou familiar, estando relacionada ao dever geral de proteção que cabe a todos, especialmente ao Estado. O interesse público deve se sobrepor ao interesse individual.

Em outra ADPF, a 946, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de lei de Uberlândia/MG que proibia, no território municipal, a vacinação compulsória contra a covid-19 e a aplicação de restrições e sanções a pessoas não vacinadas, inclusive agentes e servidores públicos. 

A CF impõe ao Estado o dever de proteger a saúde da população (art. 196). Assim, o poder público pode tornar obrigatória a aplicação de vacinas com eficácia reconhecida pela comunidade científica e aprovadas por órgãos de vigilância sanitária.

Segundo o relator da ADPF 946, o ministro Barroso, a Corte tem entendido que casos sobre proteção da saúde devem seguir os princípios da prevenção e da precaução, de modo que, sempre que haja dúvida sobre eventuais efeitos danosos de uma providência, deve-se adotar a medida mais conservadora necessária a evitar o dano.

Mas isso não significa que as pessoas serão vacinadas à força! O que o Estado pode fazer, segundo o STF, é impor restrições que incentivem a vacinação – por exemplo, exigir comprovante de vacinação para entrar e ficar em locais públicos ou privados.

No contexto do combate à pandemia, uma lei que proíbe a imposição de restrições para quem não se vacinou acaba por desestimular a vacinação, colocando em risco a saúde pública.  

Lei federal nº 13.979/2020

A Lei federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento do surto da COVID-19, e que foi declarada constitucional pelo Supremo, é norma geral que não pode ser contrariada pelos Estados e Municípios. 

E o artigo 3º, III, d, da Lei nº 13.979/2020, confere às autoridades a competência para determinar a realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: 

I - isolamento;

II - quarentena;

III - determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) vacinação e outras medidas profiláticas; 

e) tratamentos médicos específicos.
(Lei nº 13.979/2020)

Portanto, a legislação prevê e o STF entende que é constitucional a vacinação compulsória, que não se confunde com a forçada. Veja a diferença:

Vacinação compulsória: A pessoa não é obrigada a se vacinar, mas o poder público pode impor medidas indiretas para quem não se vacinar.

Vacinação forçada: A pessoa é obrigada a se vacinar contra a própria vontade, o que não é admitido em nosso país.

O Tribunal, por unanimidade, referendou a medida cautelar pleiteada para determinar ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que façam constar a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao art. 3°, III, d, da Lei 13.979/2020, no sentido de que 

(i) “a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes”, esclarecendo, ainda, que 

(ii) “tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência...” (ADPF 754)

Conclusão

Em resumo, podemos afirmar com certa segurança que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, é possível ao poder público impor a vacinação compulsória (não a forçada), ou seja, com aplicação de medidas coercitivas indiretas, tais como a obrigatoriedade de vacinação para matrícula na escola.

Nessa toada, pais que, de forma deliberada e sem uma justificativa plausível, não vacinam seus filhos, podem sim ser condenados, sob o fundamento de que estão violando os direitos fundamentais à saúde e à vida das crianças.

Tema polêmico, mas que tem caído em provas de concurso, motivo pelo qual devemos ficar atentos.

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