* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Proposta tramita na Câmara dos Deputados
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou proposta que define como crime e infração de trânsito utilizar veículo automotor para abandonar animais domésticos em via pública.
Os casos de abandono de animais domésticos aumentam cerca de 50% no período de festas, feriados e férias[1]. Essa é uma estimativa dos órgãos de Proteção ao Meio Ambiente, com base nas denúncias e nos relatos das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e instituições que resgatam esses animais.
Geralmente o abandono acontece quando o tutor pretende viajar, mas não sabe onde deixar o bichinho, o que acaba prejudicando até mesmo a adoção dos pets.
De acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS), somente no Brasil, em torno de 30 milhões de animais estão abandonados, sendo 20 milhões de cães e 10 milhões de gatos.
Pela proposta aprovada na Comissão da Câmara, a prática de abandonar animal doméstico em via pública passa a se qualificar como:
- Crime: com pena de 2 a 5 anos de reclusão, além da cassação do direito de dirigir. A pena se aplica igualmente ao passageiro que auxilia ou se omite diante do abandono; e
- Infração de trânsito: infração gravíssima, tendo como pena multa e recolhimento da habilitação.
O texto aprovado é de relatoria do deputado Nilto Tatto (PT-SP), que ressaltou:
“O novo texto compila as ideias principais dos quatro projetos analisados. O substitutivo caracteriza o abandono de animais domésticos em via pública tanto como infração de trânsito gravíssima, punida com multa e cassação do documento de habilitação, e também como crime em espécie, punindo motorista e passageiro com reclusão de 2 a 5 anos, e cassação ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”.
A proposta está sendo analisada em caráter conclusivo e segue para as comissões de Viação e Transportes; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para se tornar lei, precisa de aprovação pela Câmara e pelo Senado.
Análise jurídica
Agora vamos analisar as implicações jurídicas dessa proposta.
Proteção aos animais
A Constituição Federal, em seu art. 225, §1º, VII, impõe ao poder público o dever de proteger os animais contra atos de maus-tratos e atos cruéis. Assim, vejamos:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: ... VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Então, com base nessa norma protetiva (art. 225, §1º, VII, CF/88) o STF proibiu manifestações culturais que imponham sofrimento e maus-tratos aos animais, tais como a briga de galo, a farra do boi e a vaquejada (ADI 1856, ADI 2514 e ADI 4983).
Existe, ainda, o crime de maus-tratos, do artigo 32, da Lei de Crimes Ambientais:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Uso de veículo para abandonar animais
Mas ainda não existe o crime específico de utilizar automóvel para abandonar animais domésticos em via pública, o que ensejou a aprovação da proposta.
Nossa fauna é composta por:
- Animais silvestres: são aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham a sua vida ou parte dela ocorrendo naturalmente dentro dos limites do Território Brasileiro e suas águas jurisdicionais;
- Animais exóticos: são aqueles cuja distribuição geográfica não inclui o Território Brasileiro. As espécies ou subespécies introduzidas pelo homem, inclusive domésticas, em estado selvagem, também são consideradas exóticas. Outras espécies consideradas exóticas são aquelas que tenham sido introduzidas fora das fronteiras brasileiras e suas águas jurisdicionais e que tenham entrado espontaneamente em Território Brasileiro; e
- Animais domésticos: são aqueles animais que através de processos tradicionais e sistematizados de manejo e melhoramento zootécnico tornaram-se domésticas, possuindo características biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem, podendo inclusive apresentar aparência diferente da espécie silvestre que os originou.
Nesse sentido, o mérito da nova proposta é endurecer a pena para os maus tutores de animais, que utilizam de veículo para abandonar os inofensivos bichinhos em via pública.
Importante pontuar que, além do abandono em si do animal, o que já é gravíssimo, o abandono em via pública coloca em risco, também, a segurança e a saúde de pedestres e motoristas, já que, geralmente, o animal fica desnorteado, podendo causar acidentes, atropelamentos, e outras tragédias.
Assim, como bem pontuado pela deputada Silvye Alves:
Hoje em dia, há maneiras de deixar animais de estimação/domésticos no período de ausência do tutor, por exemplo, hotéis para animais, ou ainda deixar o animal sob o cuidado de alguém de confiança, para dar alimento, água e fazer a higiene do local. Apontamos, ainda, que deixar os animais fechados sem os devidos cuidados é crime, mas não há previsão legal para o abandono em vias públicas. Portanto, caracterizar como infração gravíssima no Código de Trânsito Brasileiro o abandono de animais domésticos, como cães e gatos em vias/estradas, é mais uma forma de coibir esse tipo crueldade contra nossos animais e protegê-los contra essas atitudes de maus tutores. Afora, que abandonar animais em via, pode causar graves acidentes de trânsito, uma vez que o animal fica desnorteado, vagando pela via e trazendo sério risco de morte para pessoas e também atropelamento desses indefesos animais abandonados. Assim, consideramos premente uma legislação que iniba tais atos cruéis de abandono”.
Importante acompanhar o trâmite desse projeto de lei, haja vista que o tema é relevante para provas de direito ambiental e constitucional.
[1] Abandono de animais de estimação em ruas e rodovias é recorrente no período de férias. O Imparcial. Disponível em: <https://oimparcial.com.br/cidades/2023/01/abandono-de-animais-de-estimacao-em-ruas-e-rodovias-e-recorrente-no-periodo-de-ferias/>.
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