Transfobia de Estado: Trump altera gênero de Erika Hilton para masculino

Transfobia de Estado: Trump altera gênero de Erika Hilton para masculino

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

O governo dos Estados Unidos, hoje comandado por Donald Trump, concedeu um visto de entrada à deputada federal brasileira Erika Hilton, considerando seu gênero como sendo masculino.

Erika é uma das duas primeiras parlamentares trans da Câmara dos Deputados, e no visto anterior constava o gênero feminino.

Erika Hilton recebeu um convite para participar do evento “Brazil Conference at Harvard & MIT 2025”, que aconteceu em Cambridge. A presidência da Câmara dos Deputados autorizou sua participação como missão oficial da parlamentar nos EUA.

Neste tipo de viagem oficial, a Câmara solicita o visto de seus representantes diretamente à embaixada do país a se visitar. Segundo a equipe da parlamentar, o trâmite, que deveria ser simples e protocolar, foi marcado por uma burocracia incomum.

A emissão do visto veio com a informação de que a deputada seria do sexo masculino. No entanto, em nenhum momento ela preencheu documentação com tal informação. A mudança no visto reflete uma ordem assinada por Trump no 1º dia de mandato.

Transfobia de Estado

Desde sua posse como presidente dos EUA, Trump levanta a bandeira de combate à “loucura transgênero”.

De acordo com o decreto assinado pelo presidente, os gêneros (masculino e feminino) não são mutáveis e baseiam-se em “realidade fundamental e incontestável”, e foi incisivo:

"Será política oficial dos EUA que existam apenas dois gêneros, masculino e feminino".

Em decorrência da mudança, Erika se recusou a utilizar o documento e não foi ao evento para o qual havia sido convidada.

A deputada acusou o governo americano de ter cometido “Transfobia de Estado”.

Transfobia de Estado

Erika Hilton disparou:

“Isso é uma transfobia de Estado e mais do que isso, um incidente diplomático. O meu registro civil me reconhece enquanto mulher, os meus documentos me reconhecem enquanto mulher e, por uma concepção da mente do presidente dos Estados Unidos, a embaixada se sente autorizada a violar este meu direito”.

A transfobia de Estado não se resume a episódios isolados, fazendo parte, na verdade, de um sistema que se recusa a reconhecer identidades trans como legítimas, e que, ao fazê-lo, reforça ciclos de desrespeito, exclusão, sofrimento e violência.

No caso da deputada brasileira, importante ressaltar que é difícil questionar juridicamente o documento (o visto). Isso porque se trata de um ato de soberania do governo americano.

A transfobia de estado pode ocorrer de maneira velada, travestida de procedimentos burocráticos ou justificada sob a aparência de cautela científica, ou mesmo de forma escancarada, como no caso do visto da deputada brasileira.

Mas o que é a transfobia?

Transfobia é o termo utilizado para se referir ao preconceito, discriminação ou hostilidade direcionada a pessoas transgênero, ou seja, aquelas cuja identidade de gênero é diferente do sexo atribuído ao nascimento.

É possível perceber a transfobia de diversas formas no dia a dia:

  • Exclusão social;
  • Estigma;
  • Preconceito velado;
  • Tratamento desrespeitoso;
  • Violência física e psicológica;
  • Ameaças e até mesmo a morte.

Homofobia como forma de racismo

Transfobia de Estado

É preciso destacar que o STF, no julgamento da ADO 26, entendeu que a homofobia é forma de racismo (Lei nº 7.716/1998) e, por consequência, a injúria homofóbica passa a ser enquadrada como injúria racista qualificada por homofobia.
Segundo a Suprema Corte, o conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.

O STF prosseguiu o julgamento, deixando claro que a repressão penal à homofobia não fragiliza a liberdade religiosa.

A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros(sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmano se líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros)é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.

O Supremo ressaltou que os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica.

Em resumo, o STF decidiu, no julgamento da ADO 26:

  • Dar interpretação conforme à Constituição para enquadrar a homofobia e a transfobia nos diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89 (Lei de combate ao racismo), até que sobrevenha legislação autônoma;
  • A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, a cujos fiéis e ministros é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, o seu pensamento, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio;
  • O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois  resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+), são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.

Tema que pode surgir em provas de direito constitucional ou direito internacional. Portanto, muita atenção!


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