Traição no trabalho e a justa causa no Direito Trabalhista

Traição no trabalho e a justa causa no Direito Trabalhista

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

Um casal foi flagrado na “câmera do beijo”, e acabaram se escondendo das lentes, em um show de Coldplay, nos Estados Unidos.

Até aqui, nada demais. Mas um detalhe chamou atenção e fez o vídeo viralizar na internet: internautas rapidamente descobriram que se tratava de uma traição envolvendo colegas de trabalho.

Direito Trabalhista

O homem nas imagens é Andy Byron, bilionário CEO da empresa de tecnologia Astronomer, e a mulher foi identificada como Kristin Cabot, a diretora de RH da empresa.

A esposa de Andy, Megan, não gostou nada do flagra, e já retirou o sobrenome Byron de seu perfil nas redes sociais.

E se fosse no Brasil? Qual a repercussão jurídica desse episódio na relação trabalhista? Seria possível enquadrar a situação como justa causa laboral no Direito Trabalhista?

É isso que veremos a partir de agora.

Análise jurídica

No Brasil, em regra, a existência de relações extraconjugais, por si só, não é capaz de gerar consequências trabalhistas ou éticas no ambiente laboral. Ou seja, não seria possível utilizar tais relações como justificativa para dispensa do empregado por justa causa.

Justa causa

Mas o que vem a ser a justa causa? Simples:

Direito Trabalhista

As hipóteses configuradoras da justa causa estão arroladas no artigo 482, da CLT, e são:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.         

Incontinência de conduta

Como visto na lista acima, a CLT não prevê, expressamente, a relação extraconjugal como justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, até porque, em um primeiro momento, essa fato estaria circunscrito à seara privada e íntima do empregado.

“Incontinência de conduta ou mau procedimento - são duas justas causas semelhantes, mas não são sinônimas. 

A incontinência revela-se pelos excessos ou imoderações. Ocorre quando o empregado comete ofensa ao pudor, pornografia ou obscenidade, desrespeito aos colegas de trabalho e à empresa. O mau procedimento caracteriza-se com o comportamento incorreto, irregular do empregado, como a prática de discrição pessoal, desrespeito, que ofendam a dignidade, tornando impossível ou sobremaneira onerosa a manutenção do vínculo empregatício.”1

Entretanto, caso a relação extraconjugal prejudique a imagem institucional da empresa, a reputação do empregador, ou acabe por piorar o ambiente de trabalho, ou tenha gerado falta de comprometimento ou dos deveres funcionais, assédio moral, violência, o empregado pode, em tese, ser dispensado por justa causa, enquadrando-se a situação na hipótese de incontinência de conduta, prevista no artigo 482, b, da CLT.

Mas a Justiça trabalhista tem uma certa resistência em aceitar esse tipo de enquadramento.

A jurisprudência tem entendido que é possível considerar a justa causa quando o relacionamento extraconjugal causa problemas no ambiente de trabalho, como conflitos, fofocas, ou desmotivação de outros empregados.

O advogado do Ambiel Advogados e especialista em Direito do Trabalho pela USP, Henrique Mazzon, destacou, em repostagem ao Terra:

“A justa causa pressupõe conduta grave que inviabilize a continuidade da relação de trabalho, como casos de insubordinação, ofensas físicas ou morais, ou danos à empresa. Apenas quando a relação extraconjugal envolver atos como violência, assédio moral, conflitos de interesse ou favorecimento indevido é que poderá fundamentar a dispensa por justa causa, cabendo à empresa comprovar os fatos que tornaram incompatível a continuidade do vínculo”.

Não há obrigação legal de que os casais comuniquem o RH da empresa, tampouco que sejam impedidos de trabalhar juntos, mas o empregador poderá exigir esse procedimento por meio de regimento interno.

Portanto, a empresa pode editar política interna que regule a conduta no ambiente de trabalho, inclusive, com proibição de trabalho no mesmo setor ou manutenção de relação hierárquica entre casais.

Normas internas

É dever do empregador manter um ambiente de trabalho saudável, ético, livre de violência ou assédio.

O grande desafio é equilibrar um regimento interno que respeite a intimidade e privacidade dos colaboradores, mas que garanta, ao mesmo tempo, a manutenção de um ambiente de trabalho saudável, justo, ético e profissional.

As normas internas da empresa devem respeitar a individualidade e a intimidade dos trabalhadores, ao mesmo tempo que garantem um ambiente de trabalho hígido, que atenda ao bem-estar e interesses da coletividade.

Regulamentar comportamentos fora do ambiente empresarial, sem qualquer relação com o trabalho, pode ser interpretado como invasão de privacidade, ainda que envolva dois funcionários da mesma empresa.

A intimidade e a vida privada são direitos que a Constituição Federal assegura a todas as pessoas. Nesse sentido, restringir ou dificultar um namoro pode ser considerado um ato abusivo e contrário aos princípios da dignidade humana e da proteção à vida pessoal.

CF/88

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III - a dignidade da pessoa humana;

...

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Conclusão

Em resumo, podemos afirmar, com certa segurança, que o relacionamento amoroso entre funcionários da mesma empresa, em regra, não pode servir de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, a não ser que:

  1. Prejudique a imagem ou a reputação da empresa;
  2. Cause uma degradação do ambiente de trabalho (brigas, fofocas, mau desempenho, descumprimento de deveres funcionais, violência); ou
  3.  Descumpra as normas internas da empresa.

De qualquer forma, o juiz deve analisar cada caso com muito cuidado, já que o tema é extremamente complexo, e depende de um robusto conjunto probatório.

Ótimo tema para provas de direito do trabalho.


  1. CÂMARA Municipal de Juara. 13 motivos que podem levar à justa causa no trabalho. Câmara Municipal de Juara – Notícias. Disponível em: <https://www.juara.mt.leg.br/institucional/noticias/13-motivos-que-podem-levar-a-justa-causa-no-trabalho>. ↩︎

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