Lei de liberdade econômica não afasta taxa de fiscalização de escritórios de advocacia: STJ e os limites da desregulamentação

Lei de liberdade econômica não afasta taxa de fiscalização de escritórios de advocacia: STJ e os limites da desregulamentação

De início, vamos trabalhar a seguinte temática:

taxa

Isto é, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou questão interessante sobre a desregulamentação econômica promovida pela Lei de Liberdade Econômica e a competência tributária municipal para instituir taxas fundadas no poder de polícia.

Isto porque, no julgamento do REsp 2.215.532/SC, concluído em novembro de 2025, os ministros decidiram unanimemente que a edição da Lei n. 13.874/2019 não dispensou os municípios do exercício de fiscalização sobre escritórios de advocacia, mantendo legítima a cobrança da Taxa de Licença para Localização e Funcionamento.

Vamos compreender o inteiro teor dessa decisão e os impactos aos escritórios de advocacia.

O contexto da controvérsia

Ora, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Santa Catarina, impetrou mandado de segurança coletivo sustentando tese aparentemente sólida.

Argumentou que, com a edição da Lei de Liberdade Econômica em 2019, a atividade da advocacia passou a ser classificada como de baixo risco, circunstância que afastaria a exigência de alvará para o funcionamento de escritórios.

Perceba o raciocínio encadeado: se não há necessidade de licenciamento prévio, não haveria fato gerador para a cobrança da Taxa de Licença para Localização e Funcionamento.

Com efeito, o artigo 3º, inciso I, da Lei n. 13.874/2019 estabelece expressamente o direito de desenvolver atividade econômica de baixo risco sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação, incluindo alvarás e licenças.

Veja que essa previsão legal aparentemente conferiria suporte normativo à pretensão da entidade de classe.

Destarte, a questão transformou-se em verificar se essa dispensa administrativa também alcançaria a seara tributária, especificamente quanto às taxas municipais fundadas no poder de polícia.

Nesse sentido, cabe compreender que a Lei de Liberdade Econômica representa marco regulatório significativo no ordenamento brasileiro.

Isto porque, instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica.

Ora, seu objetivo central consiste em reduzir burocracia desnecessária e facilitar o ambiente de negócios no país, em consonância com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.

A delimitação do alcance da lei de liberdade econômica na visão do STJ

Contudo, o próprio diploma legal estabelece limitação expressa e fundamental ao seu alcance.

Perceba que o parágrafo terceiro do artigo primeiro da Lei n. 13.874/2019 dispõe claramente que suas disposições não se estendem à seara tributária:

Art. 1º  Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal.

§ 1º  O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.

§ 2º  Interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas.

§ 3º O disposto neste Capítulo e nos Capítulos II e III desta Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro, ressalvado o disposto no inciso X do caput do art. 3º desta Lei.    (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021)

Na visão do STJ, veja que essa ressalva não representa mera cautela legislativa, mas sim reconhecimento de que a competência tributária constitui matéria de índole constitucional, protegida pelo pacto federativo.

Com efeito, o constituinte originário distribuiu competências tributárias entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo sistema rígido que não pode ser alterado por legislação infraconstitucional.

Destarte, quando a Lei de Liberdade Econômica afasta a necessidade de licenciamento administrativo, está exercendo competência legislativa no campo do direito administrativo, especificamente quanto ao poder de polícia preventivo.

Contudo, essa dispensa administrativa não possui o condão de suprimir competência tributária municipal constitucionalmente assegurada.

Nesse sentido, convém distinguir com precisão duas realidades jurídicas distintas.

Ora, o licenciamento administrativo prévio constitui instrumento de controle preventivo do poder de polícia, mediante o qual o Poder Público verifica se determinada atividade atende aos requisitos de segurança, higiene, sossego público e ordenação urbana antes de autorizar seu funcionamento.

Por outro lado, a taxa de licença para localização e funcionamento, por sua vez, representa tributo vinculado ao exercício regular do poder de polícia, conforme definido nos artigos 77 e 78 do Código Tributário Nacional.

A fundamentação do STJ

Perceba que o Superior Tribunal de Justiça construiu fundamentação tecnicamente precisa para rejeitar a tese da OAB-SC.

Veja que o acórdão ressaltou inicialmente a competência municipal para instituir taxas em razão do exercício do poder de polícia, prerrogativa estabelecida pelos artigos 77 e 78 do Código Tributário Nacional.

Com efeito, essa competência não deriva da Lei de Liberdade Econômica nem de qualquer outra norma infraconstitucional, mas diretamente da Constituição Federal, que em seu artigo 145, inciso II, autoriza os entes federativos a instituírem taxas em razão do exercício do poder de polícia.

Veja que o artigo 78 estabelece que poder de polícia constitui atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Destarte, mesmo que a atividade de advocacia seja classificada como de baixo risco para fins de dispensa de licenciamento prévio, isso não elimina o poder de polícia municipal.

Perceba que o Município continua competente para fiscalizar se os escritórios de advocacia atendem aos requisitos urbanísticos, ambientais, de segurança e de ordenação territorial estabelecidos na legislação local.

Nesse sentido, a taxa de fiscalização remunera justamente essa atividade estatal de controle e monitoramento, que subsiste independentemente da classificação da atividade como de baixo ou alto risco.

Por fim, o acórdão do STJ invocou jurisprudência consolidada segundo a qual é prescindível a comprovação pelo ente tributante do efetivo exercício do poder de polícia para legitimar a cobrança da taxa.

Veja que esse entendimento, firmado em diversos precedentes da Corte, reconhece que basta a existência do órgão fiscalizador em condições de exercer a fiscalização, não sendo necessária a demonstração de que efetivamente fiscalizou cada contribuinte individualmente.


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