STF – Taxa de bombeiros é CONSTITUCIONAL – Mudança de entendimento

STF – Taxa de bombeiros é CONSTITUCIONAL – Mudança de entendimento

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou, no dia 26 de março de 2025, o julgamento de três ações relativas à validade de taxas de prevenção e combate a incêndios instituídas pelos Estados do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Pernambuco.

Taxa de bombeiros

O caso possui relevância singular por potencialmente representar um marco na MUDANÇA da jurisprudência da Corte quanto à natureza jurídica dos serviços prestados pelos Corpos de Bombeiros Militares.

Em breve síntese, o presente estudo busca examinar o desenvolvimento jurisprudencial acerca dessas taxas. Confere-se especial destaque à fundamentação exarada pelo Ministro Dias Toffoli no Recurso Extraordinário 1.417.155/RN (Tema 1.282 de repercussão geral), tendo em vista a aprofundada revisitação conceitual proposta pelo relator.

Da jurisprudência cristalizada à possibilidade de revisitação temática

Jurisprudência tradicional: a INCONSTITUCIONALIDADE como paradigma

Durante longo período, o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal orientava-se pela inconstitucionalidade das taxas instituídas para financiar serviços de bombeiros. O fundamento central repousava na compreensão de que tais atividades integrariam o conceito mais amplo de segurança pública, representando, pois, serviços indivisíveis por natureza:

 “A segurança pública, presentes a prevenção e o combate a incêndios, faz-se, no campo da atividade precípua, pela unidade da Federação, e, porque serviço essencial, tem como a viabilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao Município a criação de taxa para tal fim.”

STF. Plenário. RE 643247/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 1º/8/2017 (repercussão geral) (Informativo 871).

Esta orientação encontrou seu mais sólido precedente no julgamento do RE 643.247/SP (Tema 16 da repercussão geral), sob relatoria do Ministro Marco Aurélio.

Na oportunidade, a Corte assentou que "a segurança pública, presentes a prevenção e o combate a incêndios, faz-se, no campo da atividade precípua, pela unidade da Federação, e, porque serviço essencial, tem como a viabilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao Município a criação de taxa para tal fim".

Idêntica compreensão foi aplicada na ADI 4.411/MG, julgada pelo Tribunal Pleno em 18/08/2020. Estabeleceu-se que “a atividade desenvolvida pelo Estado no âmbito da segurança pública é mantida ante impostos, sendo imprópria a substituição, para tal fim de taxa”.

Impende ressaltar, contudo, aspecto destacado pelo Ministro Dias Toffoli ao apreciar o caso paradigma: a decisão no Tema 16 foi alcançada por exígua maioria de 6 votos contra 4, restando vencidos os Ministros Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.

Desde então, verificava-se substancial alteração na composição da Corte, com a aposentadoria de metade dos Ministros que integraram a corrente majoritária naquele julgamento.

A peculiaridade da Súmula 549 do STF: contradição em premissas

Singularidade digna de nota, conforme evidenciou o Ministro Toffoli, reside na persistência da Súmula 549 do STF, que assenta: “a Taxa de Bombeiros do Estado de Pernambuco é constitucional, revogada a Súmula 274”.

Este enunciado sumular, ainda vigente, esboça nítida contradição interna na jurisprudência do Supremo. Isso porque ele resguarda a constitucionalidade da taxa de bombeiros pernambucana, ao passo que decisões posteriores invalidaram exações semelhantes de outras unidades federativas.

Esta incongruência ensejou tratamento díspar entre os entes estaduais, permitindo que alguns cobrassem a taxa de bombeiros (a exemplo de Pernambuco, amparado pela Súmula 549) enquanto outros restavam impossibilitados por decisões supervenientes da própria Corte.

O recurso paradigma: RE 1.417.155/RN

O Recurso Extraordinário 1.417.155/RN, interposto pela Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, questionava acórdão do Tribunal de Justiça local, que julgou procedente ação direta de inconstitucionalidade. Dessa forma, o Tribunal acabou invalidando a cobrança de taxa destinada ao financiamento do Fundo Especial de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros Militar (Funrebom).

Nas razões recursais, sustentou-se que os serviços prestados pelos bombeiros ostentam caráter específico e divisível, atendendo individualmente aos proprietários, o que legitimaria a exação nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal.

Ademais, advertiu-se acerca do impacto orçamentário decorrente da declaração de inconstitucionalidade, estimado em R$ 2,8 milhões mensais.

A legislação potiguar sob exame (Lei Complementar Estadual nº 247/02, com modificações pela Lei Complementar Estadual nº 612/17) contempla duas espécies tributárias:

  1. Taxa anual de prevenção e combate a incêndio, busca e salvamento em edificações e outros ambientes (TCIBS), incidente sobre imóveis localizados na região metropolitana de Natal e no interior estadual;
  2. Taxa de proteção contra incêndio, salvamento e resgate em via pública, cobrada anualmente de cada veículo licenciado no território estadual.

O voto do Ministro Dias Toffoli: “reinterpretação” dos conceitos de especificidade e divisibilidade

O quadro alarmante dos serviços de bombeiros no Brasil

De início, o Ministro Relator iniciou sua fundamentação apresentando dados estarrecedores acerca da realidade dos Corpos de Bombeiros no país.

Conforme apontou, apoiando-se em pesquisa do IBGE e da Revista Emergência, apenas cerca de 14% dos municípios brasileiros dispõem de unidade própria do corpo de bombeiros, e aproximadamente 38% das municipalidades não possuem unidade de defesa civil nem qualquer estrutura voltada à prevenção de riscos e resposta a desastres.

Levantamentos mais recentes, datados de 2018, indicam que somente 19,28% dos 5.570 municípios brasileiros contam com postos de bombeiros.

Este cenário afigura-se especialmente preocupante quando contrastado com o parâmetro internacional, que recomenda a proporção de 1 bombeiro para cada mil habitantes.

Pesquisa do Ministério da Justiça e Segurança Pública/Secretaria Nacional de Segurança Pública, publicada em 2023 (ano-base 2022), revelou que “o efetivo total dos corpos de bombeiros militares brasileiros atingiu em 31 de dezembro de 2022 (…) o contingente de 67.566 bombeiros”. O número total de unidades operacionais dos corpos de bombeiros militares chegou a 1.150. Destas, 22,5% localizavam-se nas capitais e 13,3% nas regiões metropolitanas, percentuais que, somados, correspondiam a 412 unidades operacionais. O restante, apenas 738 unidades operacionais, encontrava-se disperso pelo interior dos estados.

Diante deste quadro, o Ministro Relator ponderou que “não contribui para a melhoria do contexto ceifar recursos que, ao cabo, são tradicionalmente destinados à manutenção das atividades dos corpos de bombeiros militares ou de outros órgãos que atuam na prevenção e no combate a incêndio, em buscas, salvamentos ou resgates“.

Competência e natureza dos serviços prestados pelos corpos de bombeiros

Antes de adentrar no mérito da especificidade e divisibilidade, o Ministro Toffoli examinou a questão da competência para prestação de serviços de prevenção e combate a incêndios, bem como de busca, salvamento e resgate.

Com alicerce no art. 144, § 5º, da Constituição da República, que atribui aos corpos de bombeiros militares a execução de atividades de defesa civil, o Relator concluiu pela competência dos estados-membros para executar tais atividades. Esta expressão, salientou, apresenta amplitude suficiente para abarcar as atividades objeto do recurso.

Oportuno transcrever trecho no qual o Ministro aduz que…

"reitero que a expressão 'atividades de defesa civil' é ampla o bastante para abranger as de prevenção e combate a incêndios e de busca, salvamento e resgate e que compete aos corpos de bombeiros militares, no contexto da segurança pública, executar aquelas atividades".

Ressignificação dos conceitos de especificidade e divisibilidade

O cerne da fundamentação repousa na reanálise da especificidade e divisibilidade dos serviços prestados pelos Corpos de Bombeiros. Tais requisitos são imprescindíveis para a instituição de taxa, consoante preconiza o art. 145, II, da Constituição Federal.

Distanciando-se do entendimento anteriormente pacificado, o Ministro sustentou que "o simples fato de uma atividade ser prestada ou colocada à disposição por órgão de segurança pública não impede que, estando presentes a especificidade e a divisibilidade (afora os demais pressupostos), ela enseje a cobrança de taxa".

Para embasar tal posicionamento, invocou precedentes recentes, destacando-se a ADI 3.770/PR, na qual se reconheceu a constitucionalidade de taxas cobradas em virtude de atos de vistoria, registro, licença e autorização realizados por órgãos de segurança pública.

Na dicção do Ministro Toffoli, transcrita ipsis litteris:

"Via de regra, todos os serviços mencionados podem ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidades públicas, sendo certo, ainda, que eles são suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários. Por exemplo, se há princípio de incêndio em uma unidade imobiliária residencial ou comercial e o serviço de combate a incêndio é executado com sucesso, é evidente a possibilidade de se determinar, de maneira proporcional e razoável, o quanto o serviço foi prestado, bem como se estipular quem utilizou o serviço; se um veículo automotor se choca contra um poste e o serviço de resgate do condutor vitimado é prestado, é clara a viabilidade também de se determinar o razoável e proporcional quantum do serviço prestado, bem como se estipular quem utilizou o serviço."

Para corroborar sua argumentação, o Relator anotou que empresas privadas exploram economicamente serviços análogos, cobrando preços por atividades como bombeiro civil, salvamento em altura e resgate em rodovias.

Mencionou, ademais, a existência de "grupos empresariais privados que se intitulam empresas de Emergency Response (resposta de emergência), tendo em seus portfólios um conjunto de serviços como os já citados, prestados ou colocados à disposição de seus clientes, inclusive em escala considerável".
Segundo o Ministro, "se não fossem específicos e divisíveis os serviços nesses contextos, muito dificilmente essas empresas conseguiriam estipular um valor razoável a título de preço ou contraprestação, a ser pago por seus clientes, pela execução ou pela disponibilidade de tais serviços".
Sublinhou, ainda, que eventuais externalidades positivas geradas pelos serviços específicos e divisíveis não os convertem em serviços universais (uti universi). Se assim o fosse, ponderou, também seria vedada a cobrança de taxa de coleta de lixo domiciliar, cujo serviço contribui para o saneamento público, beneficiando pessoas indeterminadas.

Por fim, o Relator traçou relevante distinção: enquanto o serviço de combate a incêndios em imóveis particulares possui natureza específica e divisível (uti singuli), o serviço relativo a combate a incêndios em praças, vias ou outros logradouros públicos ostenta caráter universal quando não vinculado a uma situação particular de um contribuinte.

Neste particular, valeu-se da jurisprudência consolidada quanto à taxa de coleta de lixo:

"Para tratar desse ponto, vale lembrar a jurisprudência da Corte em relação ao serviço de coleta de lixo. Caso esse serviço seja relativo, exclusivamente, a imóvel do contribuinte, tem ele caráter específico e divisível, sendo possível a instituição de taxa para remunerá-lo (sobre o assunto, cito a Súmula vinculante nº 19). Contudo, se o serviço em questão tiver relação com a limpeza pública (como limpeza de praças, vias e outros logradouros públicos), passa ele a ter caráter uti universi, não podendo haver a instituição de taxa para sua remuneração."

A proposta de tese e seus desdobramentos práticos

O Ministro Relator propôs a fixação da seguinte tese para o Tema 1.282 que foi aprovada:

"São constitucionais as taxas estaduais pela utilização, efetiva ou potencial, dos serviços públicos de prevenção e combate a incêndios, busca, salvamento ou resgate prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição pelos corpos de bombeiros militares".

Assim a tese representou substancial MUDANÇA na jurisprudência do Supremo sobre a matéria, franqueando aos estados a instituição de taxas para financiamento dos serviços prestados pelos Corpos de Bombeiros Militares.

Cumpre ressaltar, conforme asseverou o Ministro, que as taxas devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em sua quantificação. Assim, exige-se “razoável equivalência entre o valor da taxa e o custo da atividade estatal que lhe dá suporte”.

Razoabilidade e proporcionalidade no dimensionamento da taxa

O voto do Ministro Relator examina minuciosamente os critérios que conferem legitimidade ao dimensionamento das taxas, de modo a atender aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.

Para as taxas relacionadas a imóveis, entendeu o Ministro estar no âmbito de conformação do legislador estipulá-las com base em fatores como:

  • Localização: diferenciação entre imóveis situados em regiões metropolitanas e no interior, considerando disparidades de custo de vida e infraestrutura;
  • Destinação: distinção entre imóveis residenciais, comerciais e industriais, tendo em vista os diferentes graus de complexidade do serviço;
  • Área construída: imóveis de maior dimensão demandam mobilização mais expressiva de recursos para prevenção e combate;
  • Estrutura: edificações multifamiliares, como prédios de apartamentos, envolvem maior complexidade operacional;
  • Número de habitantes do município: fator que impacta diretamente a escala e complexidade da prestação dos serviços.

No tocante às taxas relacionadas a veículos automotores, considerou o Relator igualmente legítima a diferenciação conforme:

  • Tipo de veículo: variações de complexidade entre motocicletas, automóveis de passeio, ônibus e caminhões;
  • Destinação do veículo: distinção entre transporte de carga comum e transporte de carga perigosa, considerando os riscos envolvidos.
Invocando precedentes jurisprudenciais e lições doutrinárias, o Ministro Toffoli asseverou que as taxas devem guardar "equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar, tendo em vista a base de cálculo estabelecida pela lei e o quantum da alíquota por esta fixado".

Ponderou, todavia, não ser exigível precisão matemática absoluta nesta correspondência, consoante orientação já firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Transcreve-se, por sua pertinência, excerto do voto:

"O Direito não pode ignorar a realidade sobre a qual se aplica. O princípio da praticabilidade, tão bem trabalhado entre nós por MISABEL DERZI, jurisdiciza essa constatação elementar, que tampouco passa despercebida ao STF. Nos autos da Representação de Inconstitucionalidade nº 1.077/84, Rel. Min. MOREIRA ALVES, declarou a Corte que não se pode exigir do legislador mais do que 'equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar, tendo em vista a base de cálculo estabelecida pela lei e o quantum da alíquota por esta fixado'".

Caso concreto

No caso específico do Rio Grande do Norte, a invalidação das taxas representaria decréscimo arrecadatório estimado em R$ 2,8 milhões mensais. No plano nacional, o precedente poderá contribuir para o aprimoramento da capacidade operacional dos Corpos de Bombeiros, viabilizando investimentos em equipamentos, treinamento e ampliação da cobertura territorial dos serviços.

Em relação ao caso concreto, o Ministro examinou os dispositivos impugnados da Lei Complementar Estadual nº 247/02 do Rio Grande do Norte. Ele destacou que a receita arrecadada compõe o Fundo de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros Militar (FUNREBOM), com finalidades específicas expressamente previstas em lei:

I - custear pesquisas, estudos e elaborar projetos destinados à promoção do desenvolvimento nas atividades de salvamento e combate a incêndio do Corpo de Bombeiros Militar do Estado;

II - dar apoio financeiro à execução de serviços e obras de construções de unidades de salvamento e combate a incêndio do Corpo de Bombeiros Militar do Estado;

III - prover recursos para aquisição de material permanente, equipamentos operacionais e outras despesas com as unidades do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio Grande do Norte.

Como o tema já foi cobrado em concursos:

(ENAM, FGV, 2024) O Município Alfa instituiu taxa municipal de combate a incêndio de modo a auxiliar no custeio das atividades da Defesa Civil municipal. Contudo, o Estado Beta, em que estava situado o Município Alfa, também cobrava uma taxa estadual de combate a incêndio, voltada a custear as atividades de seu Corpo de Bombeiros Militar.

Sobre essa situação de cobrança, à luz da jurisprudência dominante do STF sobre o tema, assinale a afirmativa correta.

a)Viola a especificidade e a divisibilidade do serviço público, pressupostos necessários à cobrança de taxas, razão pela qual nenhum dos dois entes poderia fazer a cobrança dessa taxa (certo).

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também