Art. 147-A do CP e o Impacto Reflexivo do Seriado ‘Bebê Rena’

Art. 147-A do CP e o Impacto Reflexivo do Seriado ‘Bebê Rena’

Sou o professor Sérgio Bautzer, Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal e trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: Art. 147-A do CP e o Impacto Reflexivo do Seriado ‘Bebê Rena’.

“Bebê Rena” é um seriado disponível na Netflix que explora temas de perseguição, apresentando uma abordagem única e impactante sobre o assunto. A série foca em contar histórias relevantes que giram em torno de personagens sendo perseguidos de maneiras que afetam profundamente suas vidas pessoais e psicológicas.

Ao longo dos episódios, “Bebê Rena” mergulha nos desafios enfrentados pelos personagens que são vítimas de stalking, exibindo as diversas formas que essa invasão pode assumir, desde o assédio online até a perseguição física. A série não apenas ilustra as consequências imediatas dessas ações, mas também destaca as repercussões a longo prazo na saúde mental e emocional dos indivíduos afetados.

A narrativa é construída de forma a gerar empatia pelo sofrimento das vítimas e criar consciência sobre a gravidade do stalking. Além disso, “Bebê Rena” serve como um recurso educacional que pode ajudar os espectadores a reconhecer sinais de comportamento de perseguição e incentivar o diálogo sobre como buscar ajuda.

Visualmente, a série utiliza uma estética que intensifica o clima de tensão e ansiedade, acompanhada de uma trilha sonora que acentua os momentos críticos, aumentando o impacto das cenas. “Bebê Rena” é elogiada por sua abordagem séria e reflexiva, tornando-a uma adição valiosa ao catálogo da Netflix, não apenas como entretenimento, mas como uma ferramenta importante de conscientização e discussão sobre um tema tão relevante na sociedade atual.

“Bebê Rena” traz à tona a história de uma perseguição incessante e suas consequências devastadoras para as vítimas. O seriado, ao mergulhar nos meandros psicológicos do stalker e da vítima, oferece uma representação visceral e perturbadora que ressoa profundamente com as disposições do artigo 147-A.

A série não apenas entretém, mas também educa, iluminando as sombrias realidades desse ato criminoso através de uma narrativa envolvente.

A relação entre o texto legal e a série é mais do que temática; é uma representação visual da necessidade urgente de legislação em resposta a novos tipos de crime que emergem na sociedade contemporânea.

 O “Bebê Rena” serve como um lembrete visual e narrativo de que, embora o direito possa oferecer remédios, a prevenção e a conscientização são igualmente cruciais. Analisando a série sob a lente do artigo 147-A, observa-se como “Bebê Rena” não apenas dramatiza o crime de perseguição, mas também potencializa o entendimento público sobre as implicações legais e pessoais deste ato.

A série encoraja uma discussão mais ampla sobre a adequação das leis existentes e a necessidade de ajustes conforme a evolução dos comportamentos sociais.

O Artigo 147-A do Código Penal, incluído pela Lei nº 14.132 de 2021, representa um passo significativo no enfrentamento à prática de perseguição ou “stalking”, uma forma de violência que pode ter impactos severos sobre a integridade física e psicológica das vítimas. A lei define o crime de perseguição como o ato de perseguir alguém reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando sua integridade, restringindo sua capacidade de locomoção ou invadindo sua privacidade de forma que perturbe sua liberdade.

Passo a analisar os verbos-núcleo que compõe o tipo penal em comento:
​            1)Perseguir: Este é o verbo que dá nome ao crime e representa a conduta central. Juridicamente, “perseguir” implica uma ação contínua e persistente de seguir ou buscar a proximidade com a vítima, independentemente do meio utilizado (físico ou eletrônico). A reiteração é um elemento essencial, pois diferencia o crime de perseguição de um simples ato isolado de perturbação ou incômodo.

2) Ameaçar: Este verbo envolve a criação de um ambiente de intimidação, onde a vítima se sente em risco iminente de dano à sua integridade física ou psicológica. A ameaça pode ser explícita ou implícita e não necessita ser realizada por meio de palavras diretamente ameaçadoras; o contexto e a percepção da vítima são cruciais para caracterizar essa ação.

3) Restringir: O ato de restringir a capacidade de locomoção da vítima pode ocorrer por meio físico direto, como bloquear seu caminho, ou por métodos mais sutis, como o controle e monitoramento constantes que levam a vítima a limitar voluntariamente seus próprios movimentos por sentir-se vigiada ou amedrontada.

4) Invadir: Invadir relaciona-se com a violação da privacidade da vítima. Isso pode incluir entrar sem permissão em sua propriedade privada, acessar suas comunicações eletrônicas sem consentimento, ou outras formas de intrusão ilegítima na vida privada da pessoa.

5) Perturbar: Este verbo complementa os anteriores ao abranger qualquer ação que cause desassossego ou inquietação à vítima, afetando sua tranquilidade de maneira adversa. Perturbar a esfera de liberdade ou privacidade pode variar desde atos que causem desconforto emocional até ações que interfiram nas escolhas pessoais e na autonomia da vítima.

A interação destes verbos no artigo 147-A do Código Penal estabelece um quadro legal que visa proteger a liberdade e a segurança pessoal do indivíduo, reconhecendo e punindo comportamentos que ultrapassam os limites do aceitável em uma sociedade que valoriza a dignidade humana e o direito à privacidade. A análise detalhada dessas ações é crucial para a correta aplicação da lei e para a efetiva proteção das vítimas de perseguição.


            O elemento subjetivo do tipo penal descrito no Art. 147-A do Código Penal, que trata do crime de perseguição ou “stalking”, é fundamental para a sua configuração e compreensão jurídica. Este elemento define a natureza da intenção e da consciência que deve estar presente no agente para que o ato seja considerado criminoso sob esta norma.

O crime de perseguição é um delito doloso, o que significa que o agente deve ter a intenção consciente (dolo direto) ou pelo menos prever a possibilidade de seus atos causarem o resultado típico (dolo eventual).

No contexto do art. 147-A, o dolo se manifesta na intenção de perseguir reiteradamente a vítima, seja por meios físicos ou eletrônicos.

Este comportamento deve ter como objetivo: – **Ameaçar a integridade física ou psicológica da vítima**: O agressor persegue a vítima de maneira que ela se sinta ameaçada, seja através de ameaças explícitas ou implícitas que causem medo ou ansiedade. – **Restringir a capacidade de locomoção da vítima**: Ações que limitam, de qualquer forma, o livre deslocamento da vítima, fazendo-a sentir-se aprisionada ou controlada. – **Invadir ou perturbar a esfera de liberdade ou privacidade da vítima**: Isso inclui atos que invadam a privacidade pessoal ou interfiram na autonomia individual da vítima de maneira indesejada e contínua.

A caracterização do dolo neste tipo penal também implica que o agente conhece e deseja os meios utilizados para alcançar esses fins, como o uso persistente de comunicações, a proximidade física não desejada, ou o monitoramento constante da vítima. Não é necessário que o agente pretenda causar um dano específico, mas sim que ele tenha a intenção de engajar-se no comportamento descrito que resulta na perseguição.

A pena básica para o crime previsto no art. 147- A do Código Penal é de reclusão de seis meses a dois anos, além de multa. No entanto, a lei prevê circunstâncias que podem aumentar essa pena em metade, destacando a seriedade com que o legislador trata casos considerados mais graves:

  1. A pena é aumentada de metade se o crime é cometido contra criança, adolescente ou idoso. Esse agravante reflete uma preocupação com a proteção de grupos considerados mais vulneráveis a abusos e menos capazes de se defender.
  2. Violência de gênero: Há um aumento de pena quando a perseguição é dirigida contra mulher por razões associadas à sua condição de sexo feminino, em uma clara referência aos crimes de gênero e, particularmente, ao feminicídio, cuja definição legal está no § 2º-A do artigo 121 deste Código. Isso indica um reconhecimento da perseguição como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.
  3. Uso de arma ou concurso de pessoas: A legislação também considera mais grave a perseguição realizada por duas ou mais pessoas ou com o uso de arma, aumentando a pena pela maior capacidade de intimidação e risco imposto à vítima.

O § 2º reforça que as penas aplicáveis ao crime de perseguição são cumulativas com as penas por eventuais atos de violência física que acompanhem o ato de perseguir, garantindo que o agressor seja punido de maneira adequada à totalidade dos seus atos.

Importante também é o § 3º, que estabelece que o processo criminal só se procede mediante representação da vítima. Esse aspecto processual é vital, pois coloca nas mãos da vítima a decisão de iniciar ou não o processo judicial, algo que pode ser tanto um elemento de poder quanto um potencial obstáculo à justiça, dependendo do contexto.

Os artigos 147, 147-A e 147-B do Código Penal brasileiro abordam questões distintas, mas interligadas, relacionadas à proteção da integridade física, psicológica e à liberdade pessoal de indivíduos, especialmente no contexto de relações interpessoais que podem envolver ameaça, perseguição e violência psicológica. Cada um destes artigos tem um enfoque específico, refletindo a evolução da legislação no sentido de proporcionar uma proteção mais abrangente e eficaz contra diferentes formas de violência e coação.

Em conjunto, esses artigos refletem uma preocupação do legislador em abordar e punir diferentes manifestações de violência e coerção que afetam a liberdade individual e a integridade psicológica das pessoas. Enquanto o art. 147 trata da ameaça mais genérica, os arts. 147-A e 147-B focam em comportamentos mais específicos e sistematicamente prejudiciais, como a perseguição contínua e a violência psicológica contra mulheres, demonstrando uma evolução do direito penal para responder a desafios sociais contemporâneos e proteger grupos vulneráveis de maneira eficaz.

 A arte e a lei, embora operem em esferas diferentes, aqui se encontram, unidas pelo propósito comum de refletir e moldar a realidade social. “Bebê Rena”, juntamente com o artigo 147-A, fornece um exemplo pungente de como a cultura popular e a legislação podem dialogar, influenciar e fortalecer uma à outra na busca por uma sociedade mais segura e consciente.

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