STJ valida suspensão permanente de conta em Free Fire eletrônico por uso indevido de “Hack/bot”

STJ valida suspensão permanente de conta em Free Fire eletrônico por uso indevido de “Hack/bot”

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu importante precedente no âmbito do direito digital ao manter a decisão que validou a suspensão permanente da conta de um usuário do jogo eletrônico “Free Fire”.

Por maioria de votos, o colegiado rejeitou o recurso especial interposto pelo jogador contra a empresa Garena Agenciamento de Negócios Ltda., administradora da aplicação.

Vamos entender a fundamentação.

Entenda o caso

O litígio se originou quando o usuário teve sua conta pessoal no jogo eletrônico “Free Fire” suspensa permanentemente pela administradora. A alegação foi de uso de software não autorizado com o propósito de obter vantagem indevida no ambiente do jogo, conduta expressamente vedada pelos termos de uso do serviço.

O jogador ajuizou ação indenizatória por danos materiais e morais cumulada com obrigação de fazer contra a Garena e o Google Brasil Internet Ltda. Seu argumento foi que a suspensão ocorreu sem prévio aviso e que não lhe informaram os detalhes específicos da conduta que teria violado as regras do jogo.

Sustentou ainda que não havia anuído expressamente com os termos de uso quando baixou o aplicativo.

As decisões das instâncias ordinárias

O juízo de primeiro grau reconheceu a ilegitimidade passiva do Google e julgou improcedentes os pedidos em relação à Garena.

A sentença fundamentou-se na constatação de que a empresa administradora do jogo possui um sistema especializado capaz de detectar atividades contrárias aos termos de uso. Ademais, afirmou que, ao baixar e instalar o jogo, presume-se que o usuário esteja ciente e concorde com os respectivos termos, que se encontram disponíveis para consulta na internet.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a sentença. Destacou que o motivo da suspensão da conta foi pelo uso de programas de terceiros e/ou uso de brechas do jogo para ganhar vantagem ilegal, conforme se inferiu dos atendimentos realizados ao demandante.

O acórdão consignou que não havia elementos probatórios que levassem a crer que a detecção automática e as denúncias realizadas pelos usuários não se referiam ao autor.

O julgamento no STJ

No STJ, o recurso especial do jogador alegava violação a diversos dispositivos legais, como o art. 6º, III e VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o art. 20 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o art. 51 do CDC e o art. 884 do Código Civil.

A controvérsia central dividia-se em dois pontos:

(1) se foi ilícita a conduta da Garena ao suspender permanentemente a conta do jogador por violação aos termos de uso; e

(2) se, caso considerada lícita a suspensão, seria necessária a restituição dos valores expendidos pelo usuário para aquisição de moeda virtual vinculada à sua conta.

O julgamento na Terceira Turma revelou entendimentos divergentes.

A relatora, Ministra Nancy Andrighi, votou pelo parcial provimento do recurso. Ela entendeu que a “desplataformização” do usuário ocorreu sem a prestação de informações adequadas, sem prova do ato imputado e sem oportunidade de contraditório e ampla defesa.

Contudo, o voto que prevaleceu foi o do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que inaugurou a divergência.

Para o magistrado, não cabia ao STJ rever as conclusões das instâncias ordinárias quanto ao exame das provas e à interpretação das cláusulas dos termos de uso do jogo, incidindo as Súmulas 5 e 7 do tribunal.

Conforme apontou o ministro: "Diante da realidade fática delineada pelas instâncias de origem, não há como se reconhecer nenhuma ilegalidade no comportamento da provedora de aplicação da internet consistente em suspender permanentemente a conta de jogo de um usuário de seus serviços, em virtude da constatada prática de conduta expressamente vedada pelos termos de uso a que ele próprio aderiu".

Fundamentos jurídicos da decisão

O voto vencedor, do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, baseou-se no entendimento de que a pretensão recursal encontrava “insuperável óbice na inteligência das Súmulas n. os 5 e 7/STJ“, uma vez que demandaria o reexame de fatos e provas, bem como a interpretação de cláusulas contratuais, o que não é admissível em sede de recurso especial.

Conforme destacou o Ministro Villas Bôas Cueva, "restando presente, nos moldes em que delineada a questão federal, a necessidade de se incursionar na seara fático-probatória soberanamente decidida pelas instâncias ordinárias ou de se emprestar interpretação distinta da que por estas tenha sido eventualmente conferida as cláusulas contratuais, não merece trânsito o próprio recurso especial."
Em resumo, saber se a parte descumpriu ou não os termos do contrato, não seria possível realizar através do STJ, porque não admite a revisão fática.

Além disso, o magistrado sublinhou que o cenário fático estabelecido pelas instâncias ordinárias era claro e que seria possível decidir apenas:

(i) a suspensão permanente da conta do recorrente foi motivada pelo uso de programas de terceiros e/ou brechas de jogo para a obtenção de vantagens indevidas, prática contratualmente vedada;

(ii) a Garena indicou ao usuário o caminho para conhecer o mecanismo de controle utilizado para a constatação de seu comportamento indevido; e

(iii) não se poderia reconhecer que a empresa deixou de prestar informações ao jogador sobre o bloqueio e a apuração da infração.

Reavaliação da conduta

Destacou-se, ademais, que o STJ já havia decidido monocraticamente em pelo menos uma dezena de casos idênticos ao presente. Nas decisões, sempre aplicou os óbices das Súmulas 5 e 7 para não conhecer dos recursos.

Nas palavras do Ministro, "admitir o contrário, especialmente em casos como o que ora se afigura, representaria verdadeira depreciação da função constitucionalmente conferida a esta Corte Superior, pois reduzido estaria o Superior Tribunal de Justiça da condição de intérprete da legislação federal a de mero órgão revisor de documentos e provas para fins de aplicação de sanções disciplinares a usuários de jogos eletrônicos."
Em outras palavras, o Ministro não reavaliou se houve ou não ilicitude na conduta da Garena (o que exigiria reexame de provas); ele simplesmente concluiu que, para dar razão ao recorrente, seria necessário reanalisar as provas já apreciadas pelas instâncias ordinárias, o que não é possível em recurso especial.

A distinção entre exclusão de conta e desplataformização

Um ponto importante do voto vencedor foi a distinção estabelecida entre a exclusão de conta de usuário de jogo eletrônico e o conceito de “desplataformização”.

Para o Ministro Villas Bôas Cueva, não se poderia "confundir a simples exclusão da conta de usuário de jogo eletrônico (que nem sequer o impede de promover a criação de um novo perfil para utilização futura desse mesmo serviço) com a chamada 'desplataformização', que diz respeito a verdadeiro banimento da pessoa física do usuário de determinada rede social/profissional."

Essa distinção é relevante para a compreensão da extensão das medidas disciplinares aplicáveis pelas plataformas digitais, estabelecendo diferentes gradações conforme a natureza do serviço prestado e o tipo de relação estabelecida com o usuário.

Sobre a restituição de valores e moedas virtuais

Suspensão

No que concerne à pretensão de restituição de valores referentes ao “saldo de diamantes” (moeda virtual do jogo), o Ministro observou que o recorrente sequer havia formulado esse pedido específico em sua petição inicial.

Conforme constatou, "seu pleito inaugural subsidiário foi única e exclusivamente de restituição de tudo o quanto expendera, desde a criação de sua conta, com a aquisição de itens virtuais a ela associados ou, alternativamente, da transferência dos referidos bens eletrônicos adquiridos para uma nova conta."

Ademais, o juízo de primeiro grau já havia solucionado adequadamente essa questão, concluindo que, como os itens foram adquiridos e pagos anteriormente à suspensão da conta, o usuário já havia desfrutado de seu direito de uso enquanto sua conta estava ativa.

Considerou-se que, ao comprar produtos virtuais no jogo, o usuário dispõe apenas do direito de uso vinculado à sua conta. Portanto, não haveria conduta ilícita por parte da administradora que ensejasse o ressarcimento pretendido.

Exclusão não impede criação de nova conta para jogar.

O relator para acórdão enfatizou que a exclusão da conta não impede que o usuário crie um novo perfil para continuar a usar o jogo.

Ele não poderá usar o perfil que foi criado com o uso indevido do software, mas, pode criar outro perfil e continuar jogando.


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