Entenda o que aconteceu
O Superior Tribunal de Justiça, através de sua 5ª Turma, decidiu que o relacionamento do tipo “sugar” entre menina de 14 anos (sugar baby) e homem (sugar daddy), deve ser enquadrado como exploração sexual, crime previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal. O caso foi analisado no AREsp 2.529.631.
O homem, um americano, foi detido em um hotel de luxo em Copacabana, no Rio de Janeiro, na companhia de uma menina de 14 anos.
Ele foi denunciado por facilitar e promover exploração sexual de adolescente menor de 18 anos, depois de encontrar a vítima em um site de relacionamentos e oferecer transporte, hospedagem e outras vantagens para se encontrar com ela.
A menina viajou de São Paulo para o Rio para o encontro, sob a promessa de que seria ajudada pelo réu em sua carreira de influenciadora digital, e foi submetida a atos libidinosos. O réu viajou do exterior para se encontrar com a menor.
O ministro relator salientou que a conduta do americano foi agravada pela longa e premeditada atividade para alcançar seu objetivo, envolvendo estratégias como o contato inicial via redes sociais, promessas de vantagens e a logística do encontro – o homem pagou a passagem da menina de São Paulo para o Rio de Janeiro e a dele do exterior para o Brasil -, demonstrando uma preparação meticulosa para a consumação do ato ilícito.
Análise Jurídica – Sugar daddy e o crime de exploração sexual
Primeiramente, você sabe em que consiste o relacionamento “sugar”? Aqui, temos dois tipos de relacionamentos, ambos lados de uma mesma moeda:
- Sugar daddy: termo informal usado para descrever um homem mais velho e geralmente financeiramente estável, que oferece suporte financeiro ou outros benefícios materiais a uma pessoa mais jovem (sugar baby), em troca de companhia, atenção ou um relacionamento amoroso.
- Sugar baby: termo informal usado para descrever geralmente mulheres mais jovens, que buscam um relacionamento com um homem mais velho e financeiramente estável (sugar daddy), que vai oferecer suporte financeiro ou outros benefícios materiais a ela, em troca de companhia, atenção ou um relacionamento amoroso.
Se a sugar baby for maior de idade, e houver consentimento, não há, do ponto de vista jurídico, maiores problemas, sendo a prática permitida.
A grande questão é quando a relação “sugar” envolve adolescentes (entre 14 e 17 anos).
O que diz o Código Penal
O código penal, em seu artigo 218-B, § 2º, I, descreve o crime de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável:
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
§ 2o Incorre nas mesmas penas:
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.
Entendimento do STJ – Sugar daddy e o crime de exploração sexual
O relator do caso no STJ, o Ministro Ribeiro Dantas, entendeu que a relação conhecida como sugar daddy, em que um adulto oferece vantagens econômicas em troca de favores sexuais, configura exploração sexual quando envolve pessoa menor de 18 anos. Disparou o ministro:
Portanto, dois elementos pesaram para a configuração da relação sugar envolvendo adolescente como crime de exploração sexual:
- A vulnerabilidade presumida decorrente da faixa etária (14 a 17 anos);
- A natureza mercantilista da relação entre o sugar daddy e a sugar baby.
Perceba que o consentimento da vítima é irrelevante para a configuração ou não da conduta como crime de exploração sexual, e isso se dá em decorrência da presunção legal de vulnerabilidade decorrente da faixa etária (adolescente).
A exploração sexual de criança e adolescente é uma infração penal que não exige resultado efetivo ou naturalístico, consumando-se no exato momento em que o infrator obtém anuência para prática sexual com vítima menor de idade:
O delito de favorecimento à exploração sexual de adolescente não exige habitualidade, tratando-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que o agente obtém a anuência para práticas sexuais com a vítima menor de idade, mediante artifícios como a oferta de dinheiro ou outra vantagem. Esta interpretação da norma do art. 218-B, caput, do Código Penal é a única capaz de cumprir com a exigência de proteção integral da pessoa em desenvolvimento contra todas as formas de exploração sexual. (REsp n. 1.963.590/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 29/9/2022.)
O Ministro Ribeiro Dantas já havia decidido, no julgamento do EREsp n. 1.530.637/SP, que qualquer tipo de oferta econômica a adolescente em troca da prática de atos sexuais, independentemente da quantidade de atos libidinosos, tem aptidão suficiente para constituir o crime de exploração sexual.
“1. O art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal, na situação de exploração sexual, não exige a figura do terceiro intermediador. 2. É lícito concluir que a norma traz uma espécie de presunção relativa de vulnerabilidade das pessoas menores de 18 e maiores de 14 anos. Assim, quem, se aproveitando da idade da vítima, oferece-lhe dinheiro em troca de favores sexuais está a explorá-la sexualmente, pois se utiliza da sexualidade de pessoa ainda em formação como mercancia.”
Mas atenção: não configura o crime de exploração sexual quando o oferecimento do pagamento é destinado à satisfação da própria lascívia. Ou seja, se o sujeito promete pagamento à vítima menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze) para satisfazer o próprio prazer sexual, responderá pelo crime de estupro, previsto no artigo 213, §1º, do Código Penal, e não de exploração sexual.
Foi decidido pelo STJ no REsp n. 1.766.429/PR:
Não se verifica, no caso, a tentativa de atração da Vítima à prostituição ou à exploração sexual, mas a tentativa do Agente de atraí-la, mediante oferta de pagamento em dinheiro, para a prática de atos sexuais destinados à satisfação da própria lascívia, o que não configura o tipo penal previsto no art. 218-B, caput, do Código Penal.
Ao final do julgamento envolvendo o americano e a adolescente de 14 anos, o Ministro Ribeiro Dantas propôs a fixação de uma tese (com efeito vinculante) sobre o tema:
O relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy) que oferece vantagens econômicas configura o tipo penal do artigo 218-B, parágrafo 2º, inciso I, pois a relação se constroi a partir de promessas de benefícios econômicos diretos e indiretos, induzindo o menor à prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
Tema instigante, atual, e que pode ser cobrado em provas de direito penal e processo penal. Portanto, muita atenção!
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
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