*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso
Uma criança de 12 anos que estudava em instituição de ensino privada foi vítima de acidente decorrente do desabamento de parte do muro de azulejos da piscina da escola.
O aluno sofreu lesões em seu pé esquerdo, que culminaram com a realização de nove procedimentos cirúrgicos, 29 dias de internação e amputação de quatro dedos do seu pé esquerdo.
A família do menor ajuizou ação de indenização em face da instituição de ensino. Ela requereu a condenação da escola no pagamento de todos os danos materiais existentes e danos morais à vítima direta, e também aos seus pais, vítimas indiretas dos atos lesivos.
O fundamento da petição inicial para requerer a indenização às vítimas indiretas é o “dano moral por ricochete”. Tal dano é aquele que um terceiro (vítima indireta) sofre em consequência de um dano inicial sofrido por outrem (vítima direta).
O caso foi julgado, inicialmente, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). O Tribunal condenou a escola ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais, tanto para a vítima direta, quanto para as vítimas indiretas (pais da criança).
O processo foi alçado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela via do recurso especial (REsp 1.697.723/RJ – Informativo 832), que confirmou a decisão do TJRJ. Assim, reconheceu o direito das vítimas indiretas do evento danoso no recebimento da indenização pelos danos sofridos, ainda que a vítima direta tenha sobrevivido.
Análise Jurídica
Dano moral
O dano moral, conforme lições doutrinárias sedimentadas, é a violação da honra ou imagem de alguém. Resulta de ofensa aos direitos da personalidade, tais como a intimidade, privacidade, honra e imagem.
No caso narrado, a relação jurídica existente entre o aluno, seus pais e a escola enquadra-se no conceito de relação de consumo. Portanto, essa relação será regulada pela Lei nº 8.078/1990, norma de ordem pública que objetiva a proteção do consumidor.
No caso em tela, a jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de que é aplicada, à instituição de ensino, a teoria do risco do empreendimento, segundo a qual todo aquele que exerce uma atividade oferecendo seus serviços a sociedade, responde pela sua qualidade e segurança, inserindo-se na cadeia de consumo e responsabilizando-se objetivamente por eventuais falhas.
Os estabelecimentos educacionais têm o dever de guarda dos seus alunos e têm como corolário a incolumidade física destes. Dessa forma, a escola responde de forma objetiva pelos fatos ocorridos no interior de seu estabelecimento, nos termos do artigo 14, caput, do CDC.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Para que o fornecedor do bem ou serviço se exima do dever de indenizar deverá comprovar que não houve defeito no produto ou serviço prestado, ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (artigo 14, §3º do CDC):
Art. 14. (...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Dano por ricochete
A maior polêmica existente no caso tratou-se da caracterização dos pais da criança lesada como vítimas indiretas dos atos lesivos e, como decorrência, fazerem jus a indenização por danos morais, ainda que a vítima direta tenho sobrevivido.
Sobre as vítimas indiretas, a doutrina nos ensina o seguinte:
Reconhece-se a legitimidade ativa para a ação de dano moral, via de regra, a aquele a quem se impôs um sofrimento, um constrangimento ou humilhação. Não obstante, existem situações em que pessoas outras sofrem, por via reflexa, os efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando prejuízos, por estarem a elas vinculadas por laços afetivos, denominados na doutrina como prejudicados indiretos (YUSSEF SAID CAHALI, in Dano Moral, 4ª ed. rev., atual. e ampl., 2ª tiragem, Editora Revista dos Tribunais Ltda., 2014, p. 54).
No caso do dano moral, pontifica Zannoni, os lesados indiretos seriam aquelas pessoas que poderiam alegar um interesse vinculado a bens jurídicos extrapatrimoniais próprios, que se satisfaziam mediante a incolumidade do bem jurídico moral da vítima direta do fato lesivo. Ensina-nos De Cupis que os lesados indiretos são aqueles que têm um interesse moral relacionado com um valor de afeição que lhes representa o bem jurídico da vítima do evento danoso. P. ex.: o marido ou os pais poderiam pleitear indenização por injúrias feitas à mulher ou aos filhos, visto que estas afetariam também pessoalmente o esposo ou os pais, em razão da posição que eles ocupam dentro da unidade familiar. (MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 7: responsabilidade civil - 29ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2015, p. 245).
Haveria, portanto, um dano próprio pela violação da honra da esposa ou dos filhos. Ter-se-á sempre uma presunção juris tantum de dano moral, em favor dos ascendentes, descendentes, cônjuges, companheiros, irmãos, inclusive de criação, em caso de ofensa a pessoas da família.
Ao analisar o caso concreto o STJ fixou o entendimento de que o dano moral reflexo (dano por ricochete) pode se caracterizar ainda que a vítima direta do evento danoso sobreviva (REsp 1.697.723/RJ).
De acordo com a Corte Cidadã não é exclusivamente o evento morte que dá ensejo ao dano por ricochete, aquele sofrido por um terceiro que é vítima indireta do evento danoso. É que o dano moral em ricochete não significa o pagamento da indenização aos indiretamente lesados por não ser mais possível, devido ao falecimento, indenizar a vítima direta. Trata-se, na verdade, de indenização autônoma, por isso devida independentemente do falecimento da vítima direta.
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