* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) , através de sua 6ª Turma, decidiu que o furto famélico exige que o bem subtraído seja alimento para consumo imediato e que o agente não tenha alternativa para matar sua fome naquele momento.
O caso que chegou ao STJ foi o de um homem condenado por furtar um pacote de 3,5 quilos de carne de um supermercado.
A defesa defendeu a aplicação do princípio da insignificância, já que a carne foi avaliada em R$ 118,15, valor equivalente a 8,9% do salário-mínimo vigente na época dos fatos, e a ocorrência de furto famélico.
O juízo de primeiro grau condenou o réu, e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a condenação porque não houve provas de que o indivíduo tenha cometido o crime estimulado pela fome. O réu, que é reincidente, trabalhava com carteira assinada.
Não se conformando com a condenação, o réu recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (ARESP 2791926).
Em relação à aplicação do princípio da insignificância, o relator, ministro Rogério Schietti, afastou sua aplicação pelo fato de o réu ser reincidente.
Quanto ao ponto do furto famélico, o ministro explicou que ele não pressupõe que o bem furtado seja de pequeno valor, mas que consista em alimento consumível imediatamente e que o agente não tenha alternativas para garantir a sua subsistência naquele momento.
“Embora o objeto da subtração haja sido alimento, observo que a carne furtada não se presta ao consumo imediato e que o tribunal de origem constatou que o agente tinha meios de subsistência no momento do crime...
Neste processo, as instâncias ordinárias constataram que o agente trabalhava de carteira assinada e que a carne furtada não poderia ser consumida imediatamente, circunstâncias incompatíveis com o furto famélico.”
Análise jurídica
À luz dos princípios da fragmentariedade e subsidiariedade, para que se considere o fato criminalmente relevante, não basta a mera subsunção formal a um tipo penal. Deve-se avaliar o desvalor representado pela conduta humana, bem como a extensão da lesão causada ao bem jurídico tutelado, com o intuito de aferir se há necessidade e merecimento da sanção.
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Furto famélico

Ademais, podemos citar as seguintes características do furto famélico:
- Não é previsto na legislação;
- É uma criação doutrinária e jurisprudencial;
- Pratica-se para saciar uma necessidade urgente e premente;
- O agente não tem condições financeiras para adquirir o alimento;
- O agente não tem intenção de obter lucro ou de causar dano a outrem;
- Pressupõe o consumo imediato do alimento;
- Não necessita que o valor do bem furtado seja de pequena monta;
- Não é punível, seja por ser considerado excludente de ilicitude ou fato materialmente atípico;
- Tem por fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana.
A ideia do furto famélico, portanto, é não punir aquele que, sem condições financeiras, furta comida para não morrer de fome.
Parte da doutrina também considera como famélico o furto de um remédio essencial à saúde ou um cobertor em uma noite de frio, por exemplo. Portanto, o instituto não seria restrito aos alimentos.
Natureza jurídica
Ponto divergente entre os estudiosos é acerca da natureza jurídica do furto famélico. Temos, em resumo:
Estado de necessidade: o estado de necessidade é uma causa excludente de ilicitude prevista no artigo 24 do Código Penal.
Atipicidade material: a conduta não viola de forma relevante o patrimônio da vítima, ou seja, o princípio da insignificância pode descriminalizar o furto famélico, excluindo a tipicidade penal da conduta.
Furto de bagatela: furto considerado de menor potencial ofensivo, não sendo punido com base no princípio da insignificância.
A Suprema Corte tem julgados no sentido de considerar o furto famélico no contexto da aplicação do princípio da insignificância.
No caso analisado pelo STJ, a Corte entendeu o furto famélico como hipótese específica de estado de necessidade, excludente de ilicitude prevista no art. 24 do CP, caracterizado pela subtração de alimento em benefício de pessoa que se encontra em situação urgente de sobrevivência.
Ainda para o STJ, independentemente do valor bem, para ser considerado famélico, a subtração deve recair sobre alimento consumível imediatamente em situação em que o agente não tenha alternativas para garantir a sua subsistência naquele momento – ponto de contato com a inexigibilidade de conduta adversa.
Princípio da Insignificância
Orientação jurídico-valorativa pela qual o Direito Penal só deve atuar quando o bem jurídico tutelado sofre uma lesão de certa gravidade. Condutas geradoras de dano diminuto não devem ser reprimidas pela via penal, uma vez que isso seria desproporcional e não atenderia aos fins da pena.
Para a aplicação do princípio da insignificância aos ilícitos penais, o Supremo Tribunal Federal exige o preenchimento de quatro condições simultâneas:
- A mínima ofensividade da conduta do agente;
- A ausência de periculosidade social na ação;
- O reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
- A inexpressividade da lesão jurídica provocada.
O Superior Tribunal de Justiça também decidiu, julgando o TEMA 1.205, que a restituição imediata e integral do bem furtado não constitui, por si só, motivo suficiente para a incidência do princípio da insignificância.
O professor Rogério Greco destaca:
A palavra famélico traduz, segundo o vernáculo, a situação daquele que tem fome, que está faminto. [...]em tese, o fato praticado pelo agente seria típico. Entretanto a ilicitude seria afastada em virtude da existência do chamado estado de necessidade. [...] o furto famélico amolda-se às condições necessárias ao reconhecimento do estado de necessidade, uma vez que, de um lado, podemos visualizar o patrimônio da vítima e, do outro, a vida ou a saúde do agente, que corre risco em virtude da ausência de alimentação necessária para a sua subsistência.
O fundamento constitucional da não punição do furto famélico é a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, III, da Constituição Federal, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil:
CF/88
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Ótimo tema para pena de direito penal e direito constitucional.
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