* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o caso
O Superior Tribunal de Justiça equiparou a amamentação ao trabalho para fins de remição da pena de uma detenta.
O Ministro Messod Azulay Neto considerou a amamentação da filha recém-nascida da presa como trabalho na creche da Penitenciária de Mogi Guaçu. Tal função garantiria automaticamente a diminuição do tempo de prisão.
A mulher deu entrada no sistema carcerário em abril de 2023, após ser condenada a cumprir pena de 13 anos e 4 meses de prisão por tráfico de drogas. A bebê nasceu em setembro do mesmo ano e foi amamentada por 6 meses, como previsto em lei, até ser retirada da mãe.
Lei de execuções penais
Art. 83...
§ 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.
Assim, como a mulher amamentou por 6 meses, a Defensoria Pública de São Paulo pediu a redução de 2 meses na condenação.
O ministro Messod considerou que, caso a detenta trabalhasse na creche do presídio, ela teria direito a redução da pena. Portanto, seria uma injustiça e um contrassenso não computar o período de amamentação como trabalho para fins de remição da pena.
“Desigualdade seria impedir a remição pelo cuidado do próprio filho, enquanto se concede a remição pelo cuidado dos filhos de outras detentas”.
Mas o que vem a ser o instituto da remição de pena? Vejamos.
Remição de pena

Importante pontuar que o fato da amamentação não possuir expressão econômica, não se caracterizando como um trabalho formal, não impede o reconhecimento do direito da detenta de ver sua pena reduzida pela remição.
A Defensoria Pública de São Paulo celebra a decisão. Isso porque é a primeira vez que um tribunal superior reconhece a economia do cuidado como causa de redução da pena de uma mãe que amamentou o filho na prisão.
Economia do cuidado
Economia do cuidado (care economy) -> Trabalho não remunerado, de pouco visibilidade social, que envolve predominantemente mulheres, relacionado ao lar ou ao cuidado e ao suporte de crianças, idosos ou pessoas com deficiência.
Apesar de invisível e subvalorizado, a economia do cuidado é fundamental para o funcionamento da sociedade e da economia, permitindo a prestação de outras atividades e serviços.
Exemplos de trabalhadores da economia do cuidado:
- Enfermeiras e técnicas de enfermagem;
- Cuidadores de idosos;
- Assistentes sociais;
- Babás e acompanhantes de crianças;
- Do lar;
- Auxiliares de limpeza;
- Mães que amamentam.
Igualdade de gênero
Segundo o coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, o defensor Bruno Shimizu, o STJ “cumpriu o mandamento de igualdade de gênero previsto na Constituição Federal“:
“Ainda que a lei de execuções penais não traga previsão específica nesse sentido, é uma discriminação evidente que a amamentação, essa atividade socialmente essencial e desgastante física e mentalmente, não seja reconhecida. Em uma sociedade patriarcal, feito a nossa, o cuidado acaba quase sempre sendo atribuído às mulheres”.
Deve-se entender a amamentação, portanto, no contexto do trabalho moderno, sendo um trabalho que qualifica e dignifica a mulher.
Se atividades como costurar bolas, bolsas, fabricar cadeiras, mesas, consertar equipamentos, montar antenas ou a simples leitura de livros são consideradas como aptas a reduzirem a pena do detento, por que não incluir, também, a nobre função do cuidado com o recém-nascido através da amamentação?
Direitos da criança
A Lei nº 13.257/2016 dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, que vai até os 6 primeiros anos de vida (72 meses). Dessa maneira, ela reconhece a importância do cuidado nos primeiros meses de vida e impondo ao poder público uma série de deveres voltados a concretizar essas políticas públicas.
A prioridade absoluta em assegurar os direitos da criança implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral.
O enquadramento da amamentação como atividade apta a gerar redução de pena pode ser visto como uma política pública voltada a garantir os direitos das crianças, que são as mais beneficiadas com a medida.
Além do mais, a Constituição Federal, em seu art. 5º, X, prevê que, às presidiárias, serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica, concedeu, com base no art. 318, do Código de Processo Penal, habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de gestantes, lactantes e mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, em todo o território nacional (HC 143641).
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística (AgRg no HC n. 805.493).
Portanto, o ordenamento jurídico e a jurisprudência são cristalinos em garantir prioridade no atendimento às crianças em estágio inicial de desenvolvimento.
Conclusão
A questão, portanto, não é de maior o menor elasticidade ao art. 126, da Lei de Execuções Penais, mas sim de entender a amamentação no contexto do trabalho moderno, como uma atividade essencial para a atenção adequada à primeira infância, além de uma atividade que resgata a mulher de sua particularidade restritiva e a joga em um universo dialógico de compartilhamento, como bem ressaltou o desembargador Sérgio Mazina Martins, em voto no Agravo de Execução Penal nº 0000513-77.2024.8.26.0502, do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O trabalho diuturno de amamentação acompanha toda a história da humanidade. Ontem, eram as amas de leite, que garantiam a nutrição dos filhos dos senhores. Hoje, temos os bancos de leite, gerenciados pelos hospitais, que se valem do trabalho de mulheres guerreiras que doam seu tempo, sua energia, seu leite, compartilhando, ao final, sua própria existência em uma atitude altruísta e desprendida.
A economia do cuidado requer um trabalhador do cuidado. É nesse cenário que a amamentação pode e deve se enquadrar como trabalho moderno, apto, inclusive, a reduzir a pena das detentas nessa situação.
Toda a sociedade deve comemorar, portanto, a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Isso porque reconhece-se a amamentação como trabalho, assegurando os direitos básicos tanto da detenta quanto do recém-nascido, concretizando, ainda, o princípio da igualdade de gênero, extraído da Constituição Federal.
Que esse entendimento seja consolidado pelos Tribunais e juízes, e aplicado de forma espontânea pela Administração Pública.
Ótimo tema para provas de Defensoria Pública, Magistratura e Ministério Público. Portanto, muita atenção!
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