STF reafirma a autonomia da Defensoria Pública

STF reafirma a autonomia da Defensoria Pública

* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas.

Entenda o caso

O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a Lei Complementar n. 1.297/2017, a qual destinava 40% de receitas da Defensoria Pública a assistência judiciária suplementar. Por maioria, entendeu o STF a existência de vícios materiais e formais.

A ADI n. 5644 foi proposta pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep) e destacava a existência de inconstitucionalidade formal e material, notadamente por vincular parte do orçamento da Instituição para a prestação de assistência jurídica suplementar por advogados privados.

Da natureza jurídica da Defensoria Pública

Inicialmente, ressalta-se que a Defensoria Pública não se localiza dentro do Poder Judiciário, nem do Poder Legislativo e muito menos no Poder Executivo. De acordo com a Constituição Federal, a Defensoria Pública é uma instituição que compõe as Funções Essenciais à Justiça – ao lado do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Advocacia Privada.

É importante que o concurseiro realize uma leitura atenta da Constituição Federal, de forma a verificar que as Funções Essenciais à Justiça estão contidas no Capítulo IV, enquanto os Poderes estão em capítulo autônomo – Poder Legislativo (Capítulo I), o Poder Executivo (Capítulo II) e o Poder Judiciário (Capítulo III), o que deixa clara a intenção do Constituinte e não enquadrar as funções essenciais à justiça em nenhum dos Poderes.

Portanto, trata-se de uma instituição extrapoder, que possui como atribuição primordial a defesa e promoção dos direitos humanos dos vulneráveis.

Autonomia da Defensoria Pública

O conceito de autonomia relaciona-se à ideia de autogoverno, sem que se esteja submetido à pressões políticas e sociais, guiando-se pelas leis e pela Constituição.

A ideia de autonomia funcional da Defensoria Pública relaciona-se com o espaço de liberdade institucional para realizar suas atribuições (art. 134, CF c/c art. 4º, LC n. 80/94), com o escopo de alcançar as finalidades institucionais e constitucionais (art. 3º-A, LC n. 80/94 c/c art. 2º, CF), guiando-se pelas leis e pela Constituição, livre de ingerências externas, notadamente dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Como se sabe, cotidianamente, na defesa dos vulneráveis, a instituição litiga contra o Poder Público. Muitas vezes, a atuação defensorial incomoda gestores públicos e o poder econômico. Assim, de forma a alcançar efetivamente os seus objetivos constitucionais e legais, a instituição deverá ter a autonomia necessária e adequada, evitando-se a captura por interesses pessoais, políticos, corporativos, dentre outros.

Autonomia
Apenas de forma exemplificativa, concretizando a autonomia funcional, caberá à Defensoria Pública definir como a assistência jurídica integral e gratuita será prestada.

Por seu turno, autonomia administrativa relaciona-se a possibilidade de gestão própria. Nesse ponto, caberá a instituição decidir onde aplicar seus recursos, seja na gestão de pessoal, seja na contratação de serviços. Ademais, caberá à própria Defensoria Pública decidir acerca de sua expansão institucional, direcionando a criação de cargos e distribuição dos defensores públicos.

Nesse ponto, caberá também a Instituição decidir com quem irá realizar convênios para auxiliar na prestação da assistência jurídica, motivo pelo qual não existirá qualquer exclusividade à órgãos ou institucionais – sob pena de inconstitucionalidade.

A autonomia financeira se refere à possibilidade de a própria Defensoria Pública gerir seus recursos financeiros, exercendo a iniciativa de sua proposta orçamentária. A consagração da autonomia financeira encontra-se no art. 134, §2º, da Constituição Federal, ao estabelecer que a Instituição possui “iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”.

Da violação da autonomia da Defensoria Pública

A Lei Complementar n. 1.297/2027 foi de iniciativa do governador do estado de São Paulo e destinava 40% das receitas da Defensoria Pública estadual para a prestar assistência judiciária suplementar.

No ponto, destaca-se que, de fato, existe tanto inconstitucionalidade formal, quanto material. Em relação a forma, nota-se uma violação da iniciativa da Defensoria Pública para a matéria, uma vez que o projeto de lei não poderia ter sido deflagrado pelo governador do estado. Em relação a matéria, nota-se uma patente violação da autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública (art. 134, §2º, CF), interferindo indevidamente na execução do orçamento da Instituição.

Precedentes do Supremo Tribunal Federal

Por fim, importante destacar que a Suprema Corte caminha no sentido de fortalecer a autonomia da Defensoria Pública, notadamente ao considerar que a previsão de obrigatoriedade de celebração de convênio exclusivo e obrigatório entre a defensoria pública do Estado de São Paulo e a seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB-SP ofende a autonomia funcional, administrativa e financeira daquela (ADI n. 4.163), ao impedir a contratação precária de advogados (ADI n. 4246) e ao destacar a necessidade constitucional de implementação do modelo público de Defensoria Pública, não podendo ser substituída por advogados cadastrados na OAB (ADI n.3892).

A autonomia da Defensoria Pública se refere a um dos temas mais sensíveis para a Instituição. De fato, a doutrina institucional vem se debruçando sobre a matéria e defendendo, de maneira veemente, a necessidade do fortalecimento do modelo público de Defensoria Pública e da autonomia institucional.

Nesse mesmo sentido, temos Resoluções da OEA (v.g. Resolução n. 2.656/2011) no sentido do fortalecimento da Defensoria Pública e da autonomia da instituição. Como se não bastasse, ao longo dos anos, nosso Poder Constituinte Derivado também vem fortalecendo a autonomia institucional, notadamente por meio das emendas constitucionais n. 45, 69, 74 e 80. Seguindo essa linha de raciocínio, espera-se que o Supremo Tribunal Federal siga fortalecendo a Defensoria Pública, a qual é expressão e instrumento do Estado de opção democrática e institucional responsável pela tutela dos direitos humanos dos vulneráveis (art. 134, CF).

Julgados envolvendo a autonomia da Instituição

ADI n. 3965 - Defensoria pública estadual e subordinação: Por reputar caracterizada afronta ao disposto no § 2º do art. 134 da CF, incluído pela EC 45/2004, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para declarar a inconstitucionalidade da alínea h do inciso I do art. 26 da Lei Delegada 112/2007 e da expressão “e a Defensoria Pública” constante do art. 10 da Lei Delegada 117/2007, ambas do Estado de Minas Gerais [LD 112/2007: “Art. 26. Integram a Administração Direta do Poder Executivo do Estado, os seguintes órgãos autônomos: I - subordinados diretamente ao Governador do Estado: ... h) Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais”; LD 117/2007: “Art. 10. A Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros Militar e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais subordinam-se ao Governador do Estado, integrando, para fins operacionais, a Secretaria de Estado de Defesa Social”]. ADI 3965/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 7.3.2012.
ADI nº 3.569/PE – Vinculação à Secretaria de Justiça: EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: art. 2º, inciso IV, alínea c, da L. est. 12.755, de 22 de março de 2005, do Estado de Pernambuco, que estabelece a vinculação da Defensoria Pública estadual à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos: violação do art. 134, § 2º, da Constituição Federal, com a redação da EC 45/04: inconstitucionalidade declarada. 1. A EC 45/04 outorgou expressamente autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, além da iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, § 2º): donde ser inconstitucional a norma local que estabelece a vinculação da Defensoria Pública a Secretaria de Estado. 2. A norma de autonomia inscrita no art. 134, § 2º, da Constituição Federal pela EC 45/04 é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, dado ser a Defensoria Pública um instrumento de efetivação dos direitos humanos. II. Defensoria Pública: vinculação à Secretaria de Justiça, por força da LC est (PE) 20/98: revogação, dada a incompatibilidade com o novo texto constitucional 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal - malgrado o dissenso do Relator - que a antinomia entre norma ordinária anterior e a Constituição superveniente se resolve em mera revogação da primeira, a cuja declaração não se presta a ação direta. 2. O mesmo raciocínio é aplicado quando, por força de emenda à Constituição, a lei ordinária ou complementar anterior se torna incompatível com o texto constitucional modificado: precedentes.
ADI n. 3965 - Defensoria pública estadual e equiparação - O Plenário julgou procedente pleito manifestado em ação direta, proposta pelo Procurador-Geral da República, para declarar a inconstitucionalidade: i) do inciso VII do art. 7º; ii) do termo “Defensor Geral do Estado” (...) Por conseguinte, o defensor público-geral perderia autonomia à medida que fosse equiparado a secretário de Estado-membro. Avaliou ter havido, na espécie, intenção de se subordinar a defensoria ao comando do governador. Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes ressalvou que o fato de se outorgar status de secretário a defensor geral não seria, por si só, base constitutiva para declaração de inconstitucionalidade. Precedente citado: ADI 2903/PB (DJe de 19.9.2008). ADI 4056/MA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.3.2012.
ADI n. 135 - Controle Externo: Inconstitucionalidade - Declarada a inconstitucionalidade de norma da Constituição do Estado da Paraíba que instituía o Conselho Estadual de Justiça, composto por dois desembargadores, um representante da Assembleia Legislativa do Estado, o Procurador-Geral do Estado e o Presidente da Seccional da OAB, atribuindo-lhe a fiscalização da atividade administrativa e do desempenho dos deveres funcionais do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Advocacia Geral do Estado e da Defensoria Pública. O Tribunal entendeu que a norma impugnada ofende o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º). ADIn 135-PB, rel. Min. Octavio Gallotti, 21.11.96.
ADI 3.892/SC - Implementação da Defensoria Pública – Importante julgado demonstrando que o modelo público adotado pela Constituição possui força normativa, não podendo ser substituído por advogados cadastrados pela OAB: O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em duas ações diretas, ajuizadas pela Associação Nacional dos Defensores Públicos da União – ANDPU e pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – Anadep, para declarar, com eficácia diferida a partir de doze meses, a contar desta data, a inconstitucionalidade do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina e da Lei Complementar n. 155/97 dessa mesma unidade federada. Os dispositivos questionados autorizam e regulam a prestação de serviços de assistência judiciária pela seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em substituição à defensoria pública. De início, em votação majoritária, rejeitou-se a preliminar de ilegitimidade ativa da primeira requerente (...).  Acrescentou-se que os dispositivos em comento também violariam os arts. 5º, LXXIV, e 134, caput – este último em sua redação original –, ambos da CF. Consignou-se que possíveis dúvidas a respeito do atendimento ao comando constitucional teriam sido esclarecidas pela LC n. 80/94, que disporia sobre normas gerais obrigatórias para a organização da defensoria pública pelos Estados membros. Asseverou-se, ainda, que o modelo catarinense não se utilizaria de parceria da OAB como forma de suplementar a defensoria pública ou suprir eventuais carências desta, mas, naquele ente federativo, a seccional supostamente cumpriria o papel designado à defensoria – lá inexistente –, ao indicar advogados dativos. Enfatizou-se que o constituinte originário não teria se limitado a fazer mera exortação genérica quanto ao dever de prestar assistência judiciária, porém descrevera, inclusive, a forma a ser adotada na execução deste serviço, sem dar margem a qualquer liberdade por parte do legislador estadual.
O Min. Celso de Mello registrou que o Estado de Santa Catarina incorreria em dupla inconstitucionalidade: por ação – ao estabelecer essa regra na sua Constituição e ao editar legislação destinada a complementá-la –; e, por inércia – uma vez que decorridos mais de 22 anos sem que criada a defensoria pública naquela localidade. Por outro lado, no que concerne ao art. 27 da Lei 9.868/99, o Min. Ricardo Lewandowski explicitou que o STF não obrigaria que a entidade federativa legislasse, e sim modularia temporalmente, pro futuro, a presente decisão. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que pronunciava a inconstitucionalidade com eficácia extunc. (ADI 3.892/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 14-3-2012; e ADI 4.270/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 14-3-2012).
ADI 4.163/SP - Defensoria pública paulista e convênio obrigatório com a OAB-SP: inadmissibilidade. A previsão de obrigatoriedade de celebração de convênio exclusivo e obrigatório entre a defensoria pública do Estado de São Paulo e a seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB-SP ofende a autonomia funcional, administrativa e financeira daquela. Essa a conclusão do Plenário ao, por maioria, conhecer, em parte, de ação direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF e julgar o pleito parcialmente procedente, a fim de declarar a ilegitimidade ou não recepção do art. 234, e seus parágrafos, da Lei Complementar paulista 988/2006, assim como assentar a constitucionalidade do art. 109 da Constituição desse mesmo ente federativo, desde que interpretado conforme a Constituição Federal, no sentido de apenas autorizar, sem obrigatoriedade nem exclusividade, a defensoria a celebrar convênio com a OAB-SP (...).
ADI 4.246/PA - Contratação precária de advogado - Necessidade de concurso público. Por entender caracterizada ofensa ao princípio do concurso público (CF, arts. 37, II, e 134), o Plenário julgou procedente ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Pará para declarar a inconstitucionalidade do art. 84 da Lei Complementar paraense 54/2006, que autoriza a contratação precária de advogados para exercer a função de defensores públicos “até a realização de concurso público”. (...) No mérito, aplicou-se entendimento fixado em precedentes desta Corte no sentido de se assentar a inconstitucionalidade de lei estadual que autorize o Poder Executivo a celebrar contratos administrativos de desempenho de função de defensor público. Concluiu-se por convalidar as atuações dos defensores temporários, sem, no entanto, modular os efeitos da decisão, por não haver comprometimento da prestação da atividade-fim, haja vista existirem 291 defensores públicos distribuídos em 350 comarcas.
STF - ADI 3022 / RS – Defesa de Servidores de forma obrigatória - EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RITO DO ART. 12 DA LEI 9.868. ART. 45 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ALÍNEA A DO ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 9.230/1991 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ATRIBUIÇÃO, À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, DA DEFESA DE SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS PROCESSADOS CIVIL OU CRIMINALMENTE EM RAZÃO DE ATO PRATICADO NO EXERCÍCIO REGULAR DE SUAS FUNÇÕES. OFENSA AO ART. 134 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Norma estadual que atribui à Defensoria Pública do estado a defesa judicial de servidores públicos estaduais processados civil ou criminalmente em razão do regular exercício do cargo extrapola o modelo da Constituição Federal (art. 134), o qual restringe as atribuições da Defensoria Pública à assistência jurídica a que se refere o art. 5º, LXXIV. 2. Declaração da inconstitucionalidade da expressão "bem como assistir, judicialmente, aos servidores estaduais processados por ato praticado em razão do exercício de suas atribuições funcionais", contida na alínea a do Anexo II da Lei Complementar estadual 10.194/1994, também do estado do Rio Grande do Sul. (...) 3. Rejeitada a alegação de inconstitucionalidade do art. 45 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. 4. Ação julgada parcialmente procedente.
ADI nº 5.381 MC-Ref/PR - Participação da Defensoria Pública na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS. PARTICIPAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NA FIXAÇÃO DOS LIMITES PARA A PROPOSTA DE SEU PRÓPRIO ORÇAMENTO. MEDIDA CAUTELAR. PRECEDENTES. 1. A fixação de limite para a proposta de orçamento a ser enviado pela Defensoria Pública, na Lei de Diretrizes Orçamentárias, não pode ser feita sem participação desse órgão autônomo, conjuntamente com os demais Poderes, como exigido, por extensão, pelo art. 99, § 1º, da Constituição Federal. 2. Medida cautelar deferida para o fim de suspender a eficácia do art. 7º, § 2º, da Lei nº 18.532/2015 (Lei de Diretrizes Orçamentárias) do Estado do Paraná, bem como o processo legislativo da lei orçamentária correspondente, e para determinar que a Defensoria Pública estadual envie, no prazo de dez dias, proposta de orçamento diretamente ao Poder Legislativo, em razão da situação excepcional. 3. Medida cautelar referendada.
ADI nº 5287/PB – Redução unilateral da proposta orçamentária da Defensoria dentro dos limites legais - Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO PROPOSTA PELA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFENSORES PÚBLICOS – ANADEP. ART. 103, IX, DA CRFB/88. LEGITIMIDADE ATIVA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA CARACTERIZADA. LEI Nº 10.437/2015 DO ESTADO DA PARAÍBA. LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANTO À MATÉRIA. POSSIBILIDADE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. DEVER PROCESSUAL DE IMPUGNAÇÃO DO OBJETO NÃO INTEIRAMENTE CUMPRIDO. AÇÃO CONHECIDA PARCIALMENTE. DEFENSORIA PÚBLICA. AUTONOMIA FUNCIONAL, ADMINISTRATIVA E ORÇAMENTÁRIA. ART. 134, § 2º, DA CRFB/88. REDUÇÃO UNILATERAL, PELO GOVERNADOR DO ESTADO, DOS VALORES CONSTANTES DA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA ELABORADA E APRESENTADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. APRECIAÇÃO DA PROPOSTA DE LEI ORÇAMENTÁRIA. ATRIBUIÇÃO DO PODER LEGISLATIVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. ARTS. 2º E 166 DA CRFB/88. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM A PRONÚNCIA DE NULIDADE. AÇÃO DIRETA PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA PARTE, JULGADA PROCEDENTE PARA A FIXAÇÃO DE TESE. 1. Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa, bem como a prerrogativa de formulação de sua própria proposta orçamentária (art. 134, § 2º, da CRFB/88), por força da Constituição da República (Emenda Constitucional nº 45/2004). 2. O acesso à Justiça, garantia constitucional prevista no art. 5º, XXXV, da CRFB/88, exige a disponibilidade de instrumentos processuais idôneos à tutela dos bens jurídicos protegidos pelo direito positivo, por isto que a Constituição da República atribui ao Estado o dever de prestar a assistência jurídica integral aos necessitados (CRFB, art. 5º, LXXIV) e destinou à Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado (CRFB, art. 134), essa atribuição que representa verdadeira essencialidade do próprio Estado Democrático de Direito. 3. À Defensoria Pública Estadual compete a prerrogativa de elaborar e apresentar sua proposta orçamentária, a qual está condicionada tão somente a (i) obedecer a Lei de Diretrizes Orçamentárias; (ii) ser encaminhada em conformidade com a previsão do art. 99, § 2º, da CRFB/88. 4. O Poder Executivo, que detém a competência para deflagrar o processo legislativo (art. 165, I, II e III, da CRFB/88), uma vez atendida essa dupla de requisitos, não pode realizar qualquer juízo de valor sobre o montante ou o impacto financeiro da proposta orçamentária apresentada pela Defensoria Pública Estadual, preconizada nos termos dos artigos 99, § 2º, c/c 134, § 2º, da CRFB/88, cabendo-lhe tão somente consolidar a proposta encaminhada e remetê-la ao órgão legislativo correspondente, sem introduzir nela quaisquer reduções ou modificações. 5. A lei orçamentária deve ser apreciada pelo Poder Legislativo correspondente, ao qual caberá deliberar sobre a proposta apresentada pela Defensoria Pública Estadual, fazendo-lhe as modificações que julgar necessárias dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos (§§ 3º e 4º do art. 166 da CRFB/88). 6. In casu, a redução unilateral do valor da proposta orçamentária elaborada pela Defensoria Pública estadual apresentada em consonância com as disposições da Lei de Diretrizes Orçamentárias e demais requisitos constitucionais, por ato do Governador do Estado da Paraíba no momento da consolidação do projeto de lei orçamentária anual a ser enviada ao Poder Legislativo, revela verdadeira extrapolação de sua competência, em clara ofensa à autonomia da referida instituição (art. 134, § 2º, da CRFB/88) e à separação dos poderes (arts. 2º e 166, da CRFB/88). 7. A Lei Estadual nº 10.437/2015, do Estado da Paraíba, que constitui a Lei Orçamentária Anual daquela unidade federativa, revela-se inconstitucional na parte em que fixou a dotação orçamentária à Defensoria Pública estadual com prévia redução unilateral e inconstitucional perpetrada pelo Governador do Estado. 8. A Associação Nacional de Defensores Públicos é parte legítima a provocar a fiscalização abstrata de constitucionalidade (art. 103, IX, da CRFB/88). Precedentes: ADPF 307-MC-Ref, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 27/3/2014; ADI 4.270, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 28/9/2012; ADI 2.903, rel. min. Celso de Mello, DJe 19/09/2008. 9. É admissível a impugnação de lei de diretrizes orçamentárias em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes: ADI 4.048-MC, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 21/8/2008; ADI 4.049-MC, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJe de 8/5/2009; ADPF 307-MC-Ref, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 27/3/2014; ADI 4.270, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 28/9/2012; ADI 3.949, rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe de 7/8/2009; ADI 4.049-MC, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJe de 7/5/2009; ADI 2.903, rel. Min. Celso de Mello, DJe 19/09/2008. 10. O Supremo Tribunal Federal, no exercício da fiscalização abstrata de constitucionalidade, não está circunscrito a analisar a questão tão somente por aqueles fundamentos jurídicos constantes da petição inicial, o que não desincumbe a parte autora do ônus processual de fundamentar adequadamente a sua pretensão, indicando os dispositivos constitucionais tidos por violados e como estes são violados pelo objeto indicado, sob pena de não conhecimento da ação ou de parte dela (art. 3º da Lei nº 9.868/99). Precedentes: ADI 561, rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ de 23/3/2001; ADI 1.775, rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 18/5/2001. 11. In casu, diante da impugnação genérica da lei orçamentária e considerando que os pedidos são manifestação de vontade que devem ser interpretados, a presente ação deve ser conhecida apenas no que diz respeito à redução unilateral do Poder Executivo estadual dos valores da proposta orçamentária encaminhada pela Defensoria Pública do Estado da Paraíba. 12. Ação parcialmente conhecida e, nesta parte, julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, sem a pronúncia de nulidade, da Lei Estadual nº 10.437/2015, do Estado da Paraíba, apenas quanto à parte em que fixou a dotação orçamentária à Defensoria Pública estadual em razão da prévia redução unilateral perpetrada pelo Governador do Estado, para fixar a seguinte tese: “É inconstitucional a redução unilateral pelo Poder Executivo dos orçamentos propostos pelos outros Poderes e por órgãos constitucionalmente autônomos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, na fase de consolidação do projeto de lei orçamentária anual, quando tenham sido elaborados em obediência às leis de diretrizes orçamentárias e enviados conforme o art. 99, § 2º, da CRFB/88, cabendo-lhe apenas pleitear ao Poder Legislativo a redução pretendida, visto que a fase de apreciação legislativa é o momento constitucionalmente correto para o debate de possíveis alterações no Projeto de Lei Orçamentária”.
ADPF nº 339/PI – Obrigatoriedade no repasse dos duodécimos para a Defensoria Pública - Ementa: ARGUIÇÃO POR DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATO DO GOVERNADOR DO ESTADO DO PIAUÍ CONSISTENTE NO NÃO REPASSE DE DUODÉCIMOS ORÇAMENTÁRIOS À DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. AÇÃO PROPOSTA PELA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFENSORES PÚBLICOS – ANADEP. ART. 103, IX, DA CRFB/88. LEGITIMIDADE ATIVA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA CARACTERIZADA. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE ATENDIDO. PRECEDENTES. CABIMENTO DA AÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA. AUTONOMIA FUNCIONAL, ADMINISTRATIVA E ORÇAMENTÁRIA. ART. 134, § 2º, DA CRFB/88. REPASSES ORÇAMENTÁRIOS QUE DEVEM SE DAR PELO CHEFE DO PODER EXECUTIVO SOB A FORMA DE DUODÉCIMOS E ATÉ O DIA VINTE DE CADA MÊS. ART. 168 DA CRFB/88. IMPOSSIBILIDADE DE RETENÇÃO, PELO GOVERNADOR DE ESTADO, DE PARCELAS DAS DOTAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS DESTINADAS À DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL, ASSIM TAMBÉM AO PODER JUDICIÁRIO, AO PODER LEGISLATIVO E AO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUDAMENTAL CARACTERIZADO. ARGUIÇÃO JULGADA PROCEDENTE PARA A FIXAÇÃO DE TESE. 1. Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa, bem como a prerrogativa de formulação de sua própria proposta orçamentária (art. 134, § 2º, da CRFB/88), por força da Constituição da República, após a Emenda Constitucional nº 45/2004. 2. O repasse dos recursos correspondentes destinados à Defensoria Pública, ao Poder Judiciário, ao Poder Legislativo e ao Ministério Público sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês (art. 168 da CRFB/88) é imposição constitucional; atuando o Executivo apenas como órgão arrecadador dos recursos orçamentários, os quais, todavia, a ele não pertencem. 3. O repasse dos duodécimos das verbas orçamentárias destinadas ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública quando retidos pelo Governado do Estado constitui prática indevida em flagrante violação aos preceitos fundamentais esculpidos na CRFB/88. Precedentes: AO 1.935, rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 26/9/2014; ADPF 307-MC-Ref, rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe de 27/3/2014; MS 23.267, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ de 16/5/2003; ADI 732-MC, rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 21/8/1992; MS 21.450, rel. Min, Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, Dj de 5/6/1992; ADI 37-MC, rel. Min. Francisco Rezek, Tribunal Pleno, DJ de 23/6/1989. 4. O princípio da subsidiariedade, ínsito ao cabimento da ADPF, resta atendido diante da inexistência, para a Associação autora, de outro instrumento processual igualmente eficaz ao atendimento célere da tutela constitucional pretendida. Precedentes: ADPF 307-MC-Ref, rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe de 27/3/2014; ADPF 187, rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 29/5/2014. 5. A Associação Nacional de Defensores Públicos é parte legítima a provocar a fiscalização abstrata de constitucionalidade (art. 103, IX, da CRFB/88). Precedentes: ADPF 307-MC-Ref, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 27/3/2014; ADI 4.270, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 28/9/2012; ADI 2.903, rel. min. Celso de Mello, DJe 19/09/2008. 6. Arguição por descumprimento de preceito fundamental julgada procedente, para fixar a seguinte tese: “É dever constitucional do Poder Executivo o repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês (art. 168 da CRFB/88), da integralidade dos recursos orçamentários destinados a outros Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, conforme previsão da respectiva Lei Orçamentária Anual.”


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