* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do TEMA 1194, acaba de reconhecer que a execução de obrigação por dano ambiental, decorrente de condenação penal, ainda que convertida em indenização por perdas e danos, é imprescritível.
A discussão envolveu a execução de uma condenação judicial por dano ambiental, posteriormente convertida em indenização por perdas e danos, onde teria se consumado a prescrição.
A infratora, Jari Celulose, defendeu que houve demora injustificada na cobrança da indenização, o que tornaria a execução prescrita. Já a União sustentou que, por se tratar de dano ambiental, a pretensão executória seria imprescritível, mesmo após a conversão da obrigação de fazer em obrigação de pagar.
Decisão no STF
O juízo federal de primeiro grau reconheceu, em favor da condenada, a prescrição da pretensão executória, ou seja, a perda do direito de executar a obrigação pelo decurso do prazo de cinco anos, sob o argumento de que, ao ser convertida em perdas e danos, a obrigação de recuperação integral da área degradada se transformou em dívida pecuniária sujeita à prescrição intercorrente. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a aplicação da prescrição.
A União, através da Advocacia-Geral da União, interpôs recurso extraordinário, que teve reconhecida a repercussão geral, e estava sendo julgado sob o TEMA 1194. O fundamento foi de que o TRF-4 teria conferido aplicação restritiva aos artigos 37, §5º, e 225, §3º, da Constituição Federal, bem como deixado de aplicar o Tema 999 da repercussão geral (imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano ambiental).
A prescrição tem como fundamento o princípio da segurança jurídica e se vincula essencialmente à necessidade de garantir estabilidade e certeza às relações jurídicas (art. 5º, XXXVI, CF).
Ocorre que a imperatividade constitucional da reparação ambiental e a natureza do bem jurídico protegido, de caráter transindividual, transgeracional e indisponível, submetem a responsabilidade civil ambiental a um regime jurídico próprio, que afasta a prescrição.
Os prazos prescricionais estipulados de forma genérica para demandas de natureza privada não se coadunam com a proteção do bem jurídico difuso e indisponível, como é o meio ambiente.
Portanto, no aparente conflito entre o direito fundamental a um meio ambiente equilibrado e a segurança jurídica, a Suprema Corte fez prevalecer o meio ambiente.

Ao final, todos os ministros da Suprema Corte deram provimento ao recurso extraordinário para reconhecer a imprescritibilidade de multa ambiental, mesmo decorrente de condenação penal.
O ministro Zanin propôs a seguinte tese de julgamento para o Tema 1.194:
Tese proposta no TEMA 1.194: “É imprescritível a pretensão executória e inaplicável a prescrição intercorrente na execução de reparação de dano ambiental, ainda que posteriormente convertida em indenização por perdas e danos”.
Análise jurídica
Responsabilidade ambiental
Importante ressaltar que a responsabilidade ambiental possui fundamento no artigo 225, §3º da Constituição Federal:
CF/88
Art. 225...
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
O artigo 225, §3º, da Constituição Federal, impõe aos infratores três espécies distintas de responsabilidades pelo dano ambiental, quais sejam:

E essas instâncias de responsabilização são independentes uma das outras, ou seja, um mesmo fato pode atrair a tríplice responsabilização.
A responsabilidade civil ambiental é objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo.
O fundamento legal da responsabilidade civil ambiental está no artigo 14, §1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente:
Lei nº 6.938/81
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
...
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
A responsabilidade civil ambiental, ou seja, de reparar os danos causados ao meio ambiente, além de objetiva (independe de culpa ou dolo), é solidária e fundamentada na teoria do risco integral, que é uma teoria extremada do risco, onde o nexo de causalidade é fortalecido (ver informativo STJ nº 545).
Imprescritibilidade
Mesmo atos lícitos podem ensejar a responsabilização. Além do mais, a pretensão de reparação do dano ambiental é imprescritível, conforme jurisprudência pacificada dos tribunais superiores, em especial o tema 999 do Supremo Tribunal Federal.
TEMA 999 do STF: É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.
No caso do tema 1.194, o ministro Zanin chamou a atenção para dois pontos que o distingue do tema 999:
1º Ponto de distinção -> O tema 1.194 refere-se à prescrição na execução referente a título executivo judicial que reconhece a obrigação de reparação do dano ambiental, e não da própria pretensão reparatória, ou seja, trata-se de situação em que a obrigação de reparar o dano ambiental reconhecida por decisão judicial transitada em julgado, mas houve inércia ou demora no transcorrer da execução.
2º Ponto de distinção -> O tema 1.194 refere-se a uma obrigação originária de reparação do dano ambiental que foi posteriormente convertida em perdas e danos. Trata-se, portanto, de determinar não a prescrição da obrigação de fazer consistente na recuperação ou restauração do meio ambiente, mas apenas da obrigação de indenizar.
O Supremo já havia aprovado, anteriormente, a seguinte tese no TEMA 1.268:
TEMA 1.268 do STF: É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado”.
Como bem destacado na ementa do RE 654.833:
O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual.
A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais

O STJ entende, também, que o dano ambiental é imprescritível, por se tratar de direito inerente à própria vida, fundamental à existência humana (REsp 1.120.117). Mas atenção: a imprescritibilidade se refere às ações coletivas que tutelam direitos difusos ambientais. As ações individuais, por possuírem caráter eminentemente patrimonial, observam o prazo prescricional do código civil. E o termo inicial do prazo prescricional é a data da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo (REsp 1.346.489).
Poder público como poluidor
Em relação ao poder público, ele também pode se enquadrar como poluidor, e, portanto, responsável pela obrigação de reparar os danos causados, tendo em vista que o conceito de poluidor é abrangente, abarcando tanto pessoas físicas quanto jurídicas, de direito privado e de direito público, conforme art. 3º, IV, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81):
Lei nº 6.938/81
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
...
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
Para o STF, não há diferença, para a determinação da prescrição em casos de danos ambientais coletivos, entre a pretensão relativa à obrigação de fazer (reparar o dano ambiental) e a que se refere à obrigação de dar (indenizar em razão do dano ambiental), haja vista o caráter transindividual, transgeracional e indisponível do direito fundamental ao meio ambiente, que atrai a imprescritibilidade.
O tema da responsabilidade é fundamental para o direito ambiental, e vem sendo cobrado de forma recorrente nas provas das mais diversas carreiras jurídicas (magistratura, ministério público, procuradorias, delegado, defensor).
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