STF declara idade mínima para a magistratura inconstitucional

STF declara idade mínima para a magistratura inconstitucional

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STF

O Supremo Tribunal Federal decidiu, de forma unânime, declarar a inconstitucionalidade de uma lei do Estado de Mato Grosso que estabelecia a idade mínima de 25 anos como requisito para o ingresso na carreira da magistratura estadual.

A decisão ocorreu no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.793, movida pelo procurador-geral da República, e teve como relator o ministro Nunes Marques.

Entenda o caso

O procurador-geral da República apresentou a ação contra o art. 146, II, da lei 4.964/85, com redação dada pela lei 281/07, ambas do Estado de Mato Grosso.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, as regras do Estatuto da Magistratura estão submetidas à reserva de lei complementar de iniciativa do STF e que, enquanto não há a edição dessa norma, o assunto continua regido pela Loman – Lei Orgânica da Magistratura Nacional (35/79).

Por isso, sustentou que o Estado não poderia criar exigência etária para inscrição no concurso de ingresso na carreira.

Já a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso defendeu que fixar idade como critério de inscrição estaria dentro da autonomia do ente federado.

O governador do Estado, por sua vez, afirmou que haveria ofensa reflexa à Constituição, sob o argumento de que a análise dependeria de comparação com a Loman, e pediu que a ação não fosse conhecida.

A AGU afirmou que os critérios de investidura na magistratura devem ser uniformes em todo o país e que a norma questionada invadiu matéria reservada à lei complementar nacional.

Fundamentos da decisão

O entendimento fixado pelo Supremo teve os seguintes fundamentos:

Violação da Reserva de Lei Complementar

O argumento central, acatado pelo relator ministro Nunes Marques, é que a disciplina sobre o Estatuto da Magistratura é matéria reservada à lei complementar de iniciativa do STF, conforme previsto no art. 93 da Constituição Federal.

CF

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

Enquanto essa nova lei complementar nacional não for editada, o tema continua sendo regido pela Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), que foi recepcionada pela Constituição de 1988.

Dessa forma, os estados não possuem autonomia para inovar ou criar exigências adicionais para a investidura no cargo de juiz, pois isso invadiria a competência legislativa da União e a iniciativa do Supremo.

Foi o que decidiu o próprio Supremo na ADI 1.985. Vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REGIMENTO INTERNO DO TJ/PE. RECONDUÇÃO DE MEMBROS DO CONSELHO DA MAGISTRATURA. INCONSTITUCIONALIDADE.

1. Até o advento da lei complementar prevista no artigo 93, caput, da Constituição de 1988, o Estatuto da Magistratura será disciplinado pelo texto da Lei Complementar n. 35/79, que foi recebida pela Constituição. Precedentes.

2. A regra contemplada no artigo 102 da LOMAN, que cuida dos mandatos dos membros dos órgãos colegiados de direção, proíbe a recondução.

3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

(ADI 1.985, Rel. Min. Eros Grau, DJ 13.5.2005)

Temos visto que o Supremo tem declarado a inconstitucionalidade, por vício formal, de normas dos Estados e do Distrito Federal que, versando matéria pertinente ao Estatuto da Magistratura, instituíam disciplina em desacordo com as regras contidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

O Princípio da Unidade do Poder Judiciário

A decisão reforça a compreensão de que o Poder Judiciário é uno, o que exige que seus membros estejam submetidos a regras e sistemas normativos uniformes em todo o território nacional.

idade

O relator destacou que a Loman constitui um regime jurídico único para todos os magistrados do país.

O fato de o legislador federal (na Loman) ter silenciado sobre um limite de idade não autoriza os estados a preencherem esse “vácuo”. Isso porque o silêncio normativo em matéria de competência exclusiva impede a atuação de outros entes federados.

Trata-se de opção político-normativa do constituinte por um tratamento uniforme do regime funcional da magistratura, a partir da produção, pelo Poder Legislativo, de lei complementar de caráter nacional. O Poder Judiciário é uno, devendo seus membros submissão a regras uniformes, a um sistema normativo nacional.

Requisitos Constitucionais de Ingresso

No tocante ao ingresso na carreira, as balizas mínimas foram fixadas no Texto Constitucional: reserva de lei complementar de caráter nacional, bacharelado em Direito e 3 anos de prática jurídica. Havendo legislação, cumpre aos tribunais de todos os entes federados a observância dos critérios fixados na Loman.

Ou seja, a Constituição Federal e a jurisprudência do STF já estabelecem os critérios necessários para o cargo de juiz substituto, que são:

  • Bacharelado em Direito.
  • No mínimo três anos de atividade jurídica após a graduação.
  • Aprovação em concurso público de provas e títulos.

Assim, como a Constituição e a Loman não mencionam idade mínima (além da implícita pelo tempo de estudo e prática) ou máxima, qualquer restrição etária imposta por lei estadual é considerada desproporcional e uma quebra da isonomia.

Precedentes

O STF já havia decidido de forma semelhante em casos anteriores. Exemplo disso foi na ADI 5.329, que derrubou uma norma do Distrito Federal que exigia idade entre 25 e 50 anos para candidatos à magistratura.

Naquela ocasião, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou que limites de idade não guardam correlação direta com a natureza do cargo e destoam dos critérios usados para a composição de Tribunais Superiores.

DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME JURÍDICO DA MAGISTRATURA. LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E MATERIAL NA PREVISÃO DE REQUISITOS DE FAIXA ETÁRIA PARA O INGRESSO NA CARREIRA (ART. 52, V, DA LEI 11.697/2008). RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR (CF, ART. 93, I). DESPROPORCIONALIDADE E QUEBRA DA ISONOMIA.

1. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL possui jurisprudência firme no sentido de que, até o advento da lei complementar prevista no art. 93, caput, da Constituição Federal, o Estatuto da Magistratura é disciplinado pela LOMAN, recepcionada pela nova ordem constitucional. Precedentes.

2. O art. 52, V, da Lei 11.697/2008, ao estabelecer como requisito para ingresso na carreira da magistratura do Distrito Federal ou dos Territórios a idade mínima de 25 anos e máxima de 50, viola o disposto no art. 93, I, da Constituição Federal.

3. Em assuntos diretamente relacionados à magistratura nacional, como as condições para investidura no cargo, a disciplina da matéria deve ser versada pela Constituição Federal ou pela LOMAN, não podendo lei ordinária federal inovar e prever norma de caráter restritivo ao ingresso na magistratura que não encontra pertinência nos citados diplomas normativos.

4. A Constituição Federal não exige idade mínima para o ingresso na magistratura, mas sim a exigência de “três anos de atividade jurídica” ao bacharel em direito (CF, art. 93, I).

5. O limite de 50 anos de idade para ingresso em cargo de magistrado não guarda correlação com a natureza do cargo e destoa do critério a que a Constituição adotou para a composição dos Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho.

6. Ação direta julgada procedente.

(ADI 5.329)

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